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quinta-feira, 10 de junho de 2021

EUROPOLITIQUE: Recordando "Platero y Yo" ....Juan Ramón Jiménez


 Na minha tenra idade escutava os poemas de Platero y yo”, com uma avidez e candura própria da inocente e singela juventude, que era o fruto de um aluno "colegialmente bem-ensinado". Através dos tempos e suas vicissitudes, as descrições de Juan Ramón Jiménez flutuaram na minha mente como uma onda e uma vaga ideia dessa longínqua e solitária via, que ao longe se avistava em verdes e hirtos ciprestes, apontando ao céu azul a sua agulha. Rasgavam o horizonte como marcos, esses ciprestes verticais, que na borda desse extenso ponto em zénite se estendia através do ar. Abriam-se sobre a quente e plácida planície, cuja solidão ombreava como qualquer deserto ou ermo, desafiando o resto da paisagem. O cipreste gosta do seu ar solitário, majestático e sombrio. Recorta-se em si mesmo, como testemunho de qualquer verdade escondida. Ergue-se como testemunha de um silêncio, que qualquer túmulo anseia como refém. E, na sua verticalidade solta-se orgulhoso, desejando testemunhar qualquer data, ou, efeméride. E, longe de querer ser efémero, lança as suas tenazes raízes como lápide de qualquer destino.  Acólito de uma oculta eternidade, caminha resistente ao vento, gemendo ao impuldo de um lamento, exibindo um certo sentimento.

Eram os ciprestes que me encantavam em "Platero y yo". Era aquela extensa via, cujo mérito só posso imputar aos romanos. E, na linha do horizonte soltava-se um cântico da cigarra, que me encaminhava para os montes de Delfos, cuja pitonisa grega não deixava de  me encantar. Por isso, nunca fui capaz de fugir ao seu feitiço e à sua magia. Navego nesta perenidade, neste cipreste, cuja folha parece não ter idade. Na sua verdura enrija-se  a dureza do  seu caule e da sua madeira, cuja memória revive no  soalho que brilha, através da família real portuguesa na igreja de São Francisco, em terras brasileiras. Não sei se confundo cedros com ciprestes, mas ambos são perenes e eternos. Já lá vão os tempos, em que Silves perdeu o acre aromático do comércio da madeira dos cedros, e do domínio árabe se afastou. E, neste contínuo refulgir de verdes imagens que os verticais ciprestes conservam,  ressurgiu o aviso, (metafisicamente expresso), do poema de Fernando Pessoa:

«Não dormes sob os ciprestes,

Pois não há sono no mundo (…)

O corpo é a sombra das vestes

Que encobrem teu ser profundo».

 


domingo, 23 de maio de 2021

EUROPOLITIQUE: "Gondarém rural e territorial" in Portugal antigo e moderno de Pinho Leal

 

 

«Um chefe normando (alguns lhe dão o título de rei, o que de certo é êrro) chamado Gundarêdo, que no reinado de D. Ramiro III tomou aos mouros a Galliza e varias terras da parte septentrional da província do Minho, fundou esta povoação, pelos anos 970, fazendo aqui um castello à beira do rio de que não há vestígios (provavelmente alguma enchente do Minho o destruiu) e dado o seu nome à povoação, o qual se corrompeu em Gondarém». (Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Vol.III, pg. 302)

Toponímia e história “corromperam-se” mutuamente, originando que Gundarêdo se transformasse em Gondarém, segundo a alusão de Pinho Leal. Por isso, não podemos falar de Gondarém, sem evocar Gundarêdo; e, a localidade de Gondarém não se pode furtar à narrativa desta histórica personagem. Um forte vínculo etimológico permanece entre a sua toponímia (Gondarém) e o seu epónimo (Gundâredo). Pinho Leal estabelece uma ligação indissociável entre a "cartografia geográfica" (Gondarém), e, a "cartografia paternal" de Gundaredo, como fundador desta localidade, a quem testemunha com um «castelo à beira do rio». Esta "pretensa âncora de fundação" remete-nos, anteriormente, em séculos recuados,  para o "castelo de difícil acesso", testemunhado pelo geográfo árabe Al Idrisi. Por isso se diz: que não podemos conhecer uma localidade ou lugar sem saber a sua história; aliás, sem contar a sua narrativa.

Antes desta historiografia local, Pinho Leal estabelece uma descrição geográfica do seguinte teor: «situada parte em bella planície, na margem esquerda do rio Minho (que limita a freguesia pelo N.) e parte de uma alcantilada serra, ramo da Arga, com formosas e dilatadas vistas». Assim, e na sua opinião, a íngreme serra ou encosta, popularmente chamada de “monte Goios”, faz parte da cordilheira que abraça S. João de Arga. Efetivamente, do alto da serra, avistam-se duas formosas ilhas, que misteriosamente Pinho Leal não descreve, nem menciona. A relação social entre campo e serra era uma fonte de exploração comum, já que os baldios eram escassos. O vale ou planície verdejante é descrito da seguinte forma: «é terra muito fértil, devendo a sua fertilidade aos preciosos nateiros que o rio Minho deposita nas suas margens». Desde 1948, com a construção das margens do rio Minho na Galiza, diminuiu a natural fertilidade e depósito de fertilizantes que se depositavam nestas terras. A fauna e a flora, que fazem parte da agricultura, são descritas do seguinte modo: «há aqui em abundância, cereaes, vinho e fructas; muito linho, algum azeite e colmeias. Cria muito e bom gado. É farta de saborosíssimo peixe do rio e do mar, que apenas lhe fica distante 9 kilómetros ao O».  Terra de castanheiros e cerejeiras, das suas macieiras jorravam litros de fruta para fabricar sidra, e juntar-se à produção de vinho. Apesar das pesqueiras da Mota e do Lido, atualmente, a escassez de peixe é notória. O linho e as suas camisas, tecidas à mão, desapareceram; ficaram os bordados. Os cereais, como o trigo e centeio, são raros e escassos. A produção de azeite é nula, e, as colmeias rareiam nas encostas. A riqueza e abundância da exploração agrícola dos séculos anteriores, continuada na dita agricultura de “economia fechada”, ou, “subsistência”, tornou-se diminuta, já que os tempos industriais são outros. Até, os amigos de Baco, deixaram de ter as suas adegas e “provas de vinho” e seus alambiques com as suas libações, no “mata-bicho”. Somente, as marés do rio continuam a subir e descer graças à força do mar.

«Por meio das suas veigas passa a bella estrada real, feita em 1864». Autêntico “tapete verde”, Pinho Leal insere o primitivo traçado ondulante da E.N. n. º 13, em “percursos” que não são atuais, salientando o ano da sua construção. «A estrada real, por esses sítios, mais pôde chamar um delicioso e encantador passeio, do que uma via publica». O progresso instala-se com a nova via, fazendo esquecer os antigos “Caminhos de Santiago”. Efetivamente, no antigo percurso da “estrada real” avistava-se um belo cenário, em redor da “Ilha dos Amores”, que culminava com um pequeno jardim e promontório, chamado de “Parque”, no alto de uma pequena colina. (O comboio chegará, somente, em 1882; por isso, não se faz referência).

A produção agrícola ou píscola engloba lavradores ou pescadores, profissões que surgem mencionadas em vários documentos: os “honrados lavradores de Gondarém”. À pesca estavam reservadas outras atividades, um pouco fora da lei, o contrabando: Gondarém – terra de contrabandistas”, segundo reza o canto e a musa Amália Rodrigues. Mas, a freguesia, também é conhecida como “terra de fidalgos”. E, nesta senda da fidalguia surgem as quintas e os seus solares, (sem mencionar a “Quinta do Outeiral”). «É aqui o solar dos Cadavaes, fidalgos oriundos da Galiza. É hoje representante d’esta família o sr. Francisco de Sousa Cadaval, aqui residente.(…) O nobre apellido Cadaval d’esta família, não vem do Cadaval portuguez, mas da povoação do Cadabal, na Galiza, cujo solar o sr. Francisco de Sousa herdou». Em 1825, com o casamento de António de Sousa Ferraz de Novais com D. Maria Josefa Cadaval Correa, filha dos senhores da Casa de Goyan surge esta linhagem que se inscreve, também no “Solar da Loureira”, através do filho deste casal, ou seja, Francisco de Sousa Cadaval. A inscrição desta fidalguia procura salientar a nobre origem dos habitantes de Gondarém, em que a parte se confunde com o todo, e vice-versa. «Os descendentes de Gundâredo foram senhores de Gondarém por muitos anos e se intitulavam os Gondarens ou Gondares, e aqui tinham o seu solar. Este sr. Cadaval em quem já falei, consta ser descendente d’essa família; entretanto o seu ramo primogénito (dos Gondarens) extinguiu-se, sendo a sua grande casa dividida por vários herdeiros». Apesar das várias vicissitudes familiares, os proprietários ou senhores do Solar da Loureira sempre souberam zelar pelo seu património. A tentativa de inserção histórica pretende enobrecer o sentido de apego e apropriação às terras que devem o seu tributo a Gundâredo: «note-se que Gundâredo só fundou o castelo e a povoação próxima a elle, (…)». Pinho Leal pretende salientar que Gondarém, geograficamente, cresce do Sul para o Norte, da beira rio para o centro da freguesia: «porquanto já então aqui havia uma freguesia chamada Mangoeiro, que com o andar dos tempos veio a perder o nome, tomando-o de Gondarém». Ou seja, o crescimento populacional da parte Sul da freguesia, que já tinha bem assimilado o seu nome, sobrepôs-se à parte mais antiga e altaneira da freguesia: «ainda nesta freguesia há uma aldeia chamada Mangoeiro, onde estava a primittiva egreja», hoje, transformada em capela de São Tomé. Faz parte da historiografia desta freguesia o reconhecimento primordial destes “criadores de gado”, que       se instalaram nas encostas superiores desta localidade, junto à floresta, refugiando-se nos seus recantos e outeiros, ainda que permanecem vestígios da existência de um antigo castro, numa encosta inferior, que se inscreve na cultura megalítica, com a descoberta de um sílex. Por volta do século X, a introdução dos moinhos de água e novas culturas favoreceu o desenvolvimento das terras do vale, gerando grande prosperidade; cuja influência e domínio estavam reservados aos filhos de Gundâredo.

«Como eram christãos, os reis de Hespanha por algumas vezes recorreram ao seu auxílio, nas guerras contra os mouros. Por fim, attrahidos   pela amenidade e fertilidade do clima, se foram estabelecendo por estes sítios, fundando vários castelos e povoações, nas proximidades do litoral e as margens dos rios navegáveis, e por fim, vieram a formar uma e mesma nação com os antigos povos que por aqui estacionavam».   

Pinho Leal descreve sumariamente a fixação de alguns normandos nestas paragens, embora a colaboração com estas gentes nem sempre foi pacífica. (Historicamente, “os adoradores do fogo” aliaram-se aos cristãos para combaterem os infiéis, ou, “homens azuis”, sob a proteção ao Apóstolo “Mata-mouros”). Mas, a estadia de Gundâredo não foi nada pacífica, em relação à Galiza do Norte. Após os seus feitos guerreiros em terras da Normandia, este líder ou “rei” dos normandos, assumia-se como comandante de homens e terras, de cujas proezas a Galiza não se pode orgulhar. Há quem levante suspeitas da radicação nestes sítios, com desejos de prolongada estadia, a que não é alheia a construção de um castelo. O barco para um viking era tão importante como uma mulher. Por isso, ao contrário dos autóctones, os estuários dos rios e as suas margens exerciam uma forte atração para sua permanência ou estadia. Em nossa opinião, por volta dos fins da Primavera de 966, este numeroso grupo de normandos, sob comando de Gundâredo, oriundos da Normandia, estabeleceram-se em terras de Gondarém.

«Parece que alguns por cá foram ficando, e fundaram ou reedificaram algumas povoações, quasi todas perto do mar ou de rios; pois vemos que ainda hoje algumas povoações portuguesas conservam os nomes, que eram os próprios de chefes nórmandos. Taes são – Gondarem (corrupção de Gundâredo) da freguesia do rio Minho, do concelho e 3 kilómetros ao O. de Villa-Nova-da-Cerveira)». (Pinho Leal, Vol.VI, pg.155). Esta referência surge mais tarde, na rubrica sobre os normandos, segundo Pinho Leal. As várias “invasões vikings” disseminaram muita gente sobre as costas ibéricas, cuja miscigenação hereditária atinge pelos menos 1% dos seus genes. A nomenclatura e sua referência revestem os vestígios humanitários mais evidentes, aos quais se acrescem os vínculos sociais ou históricos. Somente a fama e o prestígio merecem alguma consideração ou respeito pelos seus vindouros.

«No tempo de D. Ramiro III, porém, o chefe (alguns dizem rei) normando Gundâredo, com uma esquadra de cem navios, invadiu as costas da actual provincia do Minho e as da Galliza, fazendo-se senhor de todo este território, no anno 967 de J.C., e alli permaneceu três annos até que, em 970, sendo derrotados, pelo conde D. Gonçalo Sanches, em uma sanguinolenta batalha, fugiram muito poucos, nos poucos navios que poderam escapar,  pois que os portugueses lhes queimaram quasi todos, e Gundâredo morreu na batalha» (pg.155)

Os ecos das façanhas de viking Gundâredo ainda não tinham chegado às terras da Galiza, mas a impressionante e numerosa quantidade de barcos, atemorizou todas as gentes da Galiza do Norte e do Sul. Os cronistas da Normandia relatam as suas glórias passadas, um século depois; e, sobre Gundâredo são totalmente omissas, exaltando com é evidente os seus duques, desde Rolão. Acerca do conflito entre Ricardo I (Sem Medo) e Gundãredo ressalta somente uma dignificante despedida entre os dois homens, repleto de víveres e conduzidos por experientes marinheiros, durante algum tempo. Gundâredo dirige-se ao Noroeste Peninsular, com uma grande “esquadra”, que após atravessar a “costa da morte”, no extremo norte da Galiza, estaciona, presumivelmente, em águas do rio Minho. A controversa estadia de Gundâredo em terras de Gondarém desafia o maior ceticismo entre vários historiadores. Os cronistas árabes tratam-no como “rei dos normandos”, a que não é alheia a historiografia hispânica, que o trata por Gunderedo. Associa-se ao seu castelo o nome de “Boega”, pelo geógrafo árabe Al Idrisi. Apesar da falta de vestígios, o lugar da Mota, suscita, através do seu próprio nome, os velhos castrejos, ou, motes, pequenos castelos de madeira, também chamadas de paliçadas. As condições orográficas ou ribeirinhas em nada obstavam à construção destas fortificações; e, sua fraca perenidade contribuíram para o seu desaparecimento.

Pinho Leal relata que Gundâredo ocupou «as costas da actual provincia do Minho e as da Galliza, fazendo-se senhor de todo este território, no anno 967 de J.C.». A chegada de Gundâredo, em nossa opinião, dá-se em finais da Primavera do ano 966. Durante os dois primeiros anos, a sua estadia foi pacífica; e não consta qualquer ataque desferido contra a cidade e capital da Galiza, ou seja, Tui. Reinou a paz e o sossego nestas terras da Galiza, apesar dos calafrios suscitados por bandas de Guimarães, que começa a construir o seu pequeno castelo.  Uma incursão destes normandos pelas costas ocidentais, em Silves, resultou num autêntico fracasso, com a perda de muitos barcos. O elevado número de normandos, nesta incursão, criou sobressaltos na região, mas o sistema informativo, típico destes povos, desfez os vários medos ou tremores, suscitados aos residentes ou autóctones. Gundâredo, além de grande chefe e guerreiro, tinha desenvolvido qualidades diplomáticos na guerra contra os francos da Gália. A sua mestria tornou pacífica a sua estadia, imiscuindo-se pacificamente junto dos galegos do Sul.  Somente, após a morte do rei Sancho (o Gordo) da Galiza, cuja seta envenenada não o deixou passar as margens do rio Minho desencadearam-se duras contendas e desconfianças. E, da possível criação de um segundo ducado da Normandia, (como alguém, alvitrou), resultou uma guerra feroz contra Santiago de Compostela. Reservámos às “nacionalistas fontes galegas” o panegírico sobre a vitória contra Gundâredo, ainda que discordemos com a implicação de “forças portuguesas” nesta derrota. A contribuição de Gundâredo para o fortalecimento das gentes da Galiza do Sul que, pouco a pouco, caminharam para sua autonomia e independência surge mais que evidente, na nossa opinião. As débeis forças da arquidiocese de Braga ganharam novo estímulo com as ruínas de Santiago, graças a Gundâredo. As férteis terras do condado portucalense e de Límia favoreceram o emergir de independentes guerreiros, cujos contornos históricos conservam alguma penumbra no seu desenvolvimento.

«Em 1757 tinha 253 fogos. Orago S. Pedro, apóstolo. Arcebispado de Braga, districto administrativo de Vianna. A casa de Britiandos apresentava o abbade, que tinha 300$000 réis annuaes».  .  .

Sociologicamente, a descrição demográfica de Pinho Leal aponta para 1.300 pessoas (referência atribuída a 253 fogos), cujo valor corresponde ao número de habitantes em 1950, apesar de terem passado dois séculos. A partir dos anos sessenta do século XX, a população diminui, drasticamente, por causa da emigração. Em 2011 residiam 510 habitantes. As riquezas das terras da “Quinta do Outeiral” sustentavam as obrigações religiosas, cuja referência é feita através da “Casa de Britiandos”, senhores destes territórios, naqueles tempos. Hoje, junto à sua igreja paroquial repousam aqueles que na sua frente se deparam com o antigo “castro de Gondarém”, com ou sem “antas ou menires”, já que datam mil anos antes da era cristã, (sem falar da descoberta de sílex da era do neolítico), cuja aurora desponta nos “montanheiros”, ou, “homens da criação do gado” e da época romana, para se deixar marcar pelo signo de Gundâredo, e, por aqueles que os acusam de “Gondarens”.

Aos céticos de Gundaredo por estas terras ou paragens, aos pirrónicos sobre o seu castelo ou castrejo, não deixamos pairar a “dúvida metódica” sem alguma certeza ou paternidade, já que Pinho Leal ilustra este local como uma cidade: a “civitas” de Gundâredo, em que cada cidadão, se revê nele “sem medo”.

P.S. «A presença viking em territótio nacional despertou interesse pela primeira vez no século XVIII, quando Carvalho da Costa atribui origem viking ao topónimo Gondarém, freguesia de Vila Nova de Cerveira no Minho, o que é "pouco provável", segundo Hélio Pires, que afirmou"não ser muito prciso, pois antes dos vikings tocaren as costas portuguesas houve as invasões germânicas, no século V, e Gondarém é um dos antropónimos de origem germânica, que já existiam antes da chegada dos vikings».     JORNAL DE NOTICIAS em 22.12.1917.

«Em 1952, ano em que a rede ferroviária em serviço atingiu o seu valor máximo, Portugal tinha 3.620 quilómetros (km) de linhas férreas. Atualmente tem 2.526 km em exploraçõa. Dos 1094 km desativados, cerca de 332 km estão transformados em ecopistas» (Revista Expresso, 21.05.2021)


sábado, 15 de maio de 2021

EUROPOLITIQUE: «Em nome de Gundarêdo e sua história» , segundo Pinho Leal in "Portugal moderno e antigo".

 

«Ninguém entra num lugar se não lhe conhecer a sua história»   Mia Couto “O universo num grão de areia”, pg. 211, Ed. Caminho, Lx, 2019.

No silêncio da palavra Gondarém há uma voz que se levanta, e diz: «eu sou Gundarêdo». O fundador desta povoação, que ousou enfrentar a cidade de Compostela, não deixou órfãos os seus filhos, já que não se renega a paternidade a quem não renuncia ao seu nome. Esta herança coletiva, a todos pertence, desde que reclamem a sua filiação. Esta identificação histórica não se resume a uma simples figura simbólica, mas inscreve-se numa identidade individual e coletiva, que jaz entre a "casa" e a terra paterna; entre um "eu" e um "tu", já que somos e pertencemos a este lugar, e estamos inscritos nesta história, incorporados no plural e no singular.

Nesta viagem, e, neste percurso, seguimos a via de “Pinho Leal”, melhor dito, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa Pinho Leal, em pleno século XIX, que em “Portugal Antigo e Moderno” relata: «se estas são notáveis por serem pátria d’homens celebres, por batalhas ou noutros factos importantes que nellas tiveram logar, por serem solares de familias nobres, ou, por monumentos de qualquer natureza, alli existentes» não deixa de descrever Gondarém, como terra de Gundarêdo. «Por meio das suas veigas passa a bella estrada real, feita em 1864». E, por estradas e caminhos, fomos à procura daqueles que conservam afinidades com Gondarém.

 

1)  Gondarém serrano

Pinho Leal descreve outro Gondarém, “bonita aldeia, Douro, freguesia da Raiva, concelho e 10 kilómetros de Paiva». Onde, predominam habitações de xisto nas suas encostas agrestes, virada para o rio Douro. Efetivamente, a “aldeia de xisto de Gondarém” está implantada numa encosta da margem esquerda do rio Douro, da qual se avista uma paisagem deslumbrante, a dez quilómetros de Castelo de Paiva. (Midões e Gondarém, da freguesia da Raiva, partilham a mesma indicação, embora em sentidos opostos).  No fundo desta encosta, encontra-se um “cais de acostagem” ou ancoradouro,  que permite o acesso à “Ilha do Castelo”, mais conhecida, como “Ilha dos Amores”. A “aldeia serrana” de Gondarém, constituída por “30 fogos”, na descrição de Pinho Leal, atualmente encontra-se quase despovoada, apesar das últimas cinco pessoas que teimam em habitá-la. Pinho Leal atribui-lhe «a mesma etymologia, isto é, vem do nome próprio de homem, Gundarêdo. Talvez o mesmo que fundou o Gondarém da margem esquerda do Minho fundasse este; ou outro normando do mesmo nome – ou seria senhor d’este lugar um Gondarêdo». (Pinho Leal, O.C., Vol. III,  pg.302).

A origem da palavra etimológica que «vem do nome próprio de homem» tem o sentido de antropónimo, (neste caso específico, de Gundarêdo) – constituindo-se, desta forma como o seu epónimo - ao referir-se a uma personalidade histórica, que se concretiza e prolonga através do nome de Gondarém. A representação de Gondarém remete logicamente para o símbolo de Gundarêdo. Nele, se incrusta a sua identificação, de forma que os seus habitantes pertencem a esta família, ou clã; são filhos de Gundarêdo. Pinho Leal reserva esta identificação, única e exclusivamente para os habitantes da margem esquerda do rio Minho; ou seja, estes são os autênticos Gondarenos. «Os descendentes de Gundarêdo foram senhores de Gondarem por muitos annos e se intitulavam os Gondarens ou Gondares, (…)», cf. (Pinho Leal). Neste sentido, qualquer “orgulhoso normando” pode ter dado origem à “aldeia serrana” de Gondarém, relembrando os seus feitos, e, a sua história. Aliás, nas várias incursões vikings sobre a Galiza, muitos normandos espalharam-se pela costa portuguesa, dedicando-se à pesca e outras atividades, cujo núcleo mais famoso se constituiu na Póvoa de Varzim. As ilhas e os locais junto aos rios exerciam uma forte atração pela sua permanência nestes “homens do Norte”. Por isso, no fundo da encosta e no meio do rio Douro, permanece uma encantadora ilha, com um pequeno cais de acostagem, cujo nome rivaliza com a “Ilha dos Amores” do rio Minho – esta "Ilha Castelo". Assim, na confluência do rio Paiva com o rio Douro, a “Ilha do Castelo” ressurge na plenitude da sua verdura e beleza, como "Ilha dos Amores"; onde, se presume escondida, uma pequena ermida do século XV.

“Como não há uma, sem duas”, acresce-se outra aldeia, com o nome de Gondarém, por terras do interior de Portugal, na zona de Bastos. Na freguesia de S. Nicolau, em Cabeceiras de Basto, existe um lugar com o nome de Gondarém. Nada menos de 78 habitantes, segundo o censo de 2011, moram nesta pequena localidade, a cerca de 10 km da Vila de Cabeceiras de Basto. Desconhece-se a razão da origem da etimologia deste lugar; no entanto, a sua nomenclatura remete, hipoteticamente, para qualquer descendente de filhos de Gundarêdo.



2)
Gondarém citadino

A «rua» e a «praia» de Gondarém que estão assinaladas na foz do rio Douro, na sua margem direita, são sentinelas ou marcas de Gundarêdo, a cuja passagem ou incursão, os normandos ou “filhos de Gondarém” estão interligados. Qualquer vestígio ou rasto ficou registado na “foz do rio Douro” para que se evocasse esta afiliação, como marca indelével desta personagem mítica ou lendária, que é Gundarêdo. A terceira incursão normanda, comandada por viking Gundarêdo foi a mais terrível e destruidora na sua devastação, sobretudo, na Galiza do Norte, e, em especial, em Santiago de Compostela. O numeroso grupo de normandos percorreu toda a costa portuguesa até Silves, onde se perderam algumas embarcações. Na margem direita do rio Douro, em terras portucalenses, ainda se conserva alguma memória destes aventureiros de Gondarêdo, que, certamente suscitaram algum ensejo de autonomia e independência face à Galiza do Norte. O Condado Portucalense nutria um grau muito forte de autonomia e independência face aos senhores da Galiza do Norte; e, à cidade do Porto estava reservado o estatuto de futura capital para o primeiro reinado de um hipotético “Rex Portucale”. As vicissitudes históricas foram adversas, já que Nunes Mendes não conseguiu a independência e o título de Portugal, em 1070. Apesar da derrota, em 18 de janeiro de 1071, nem o ambicioso Garcia, filho do rei Fernando I de Leão e Castela, conseguiu ser aclamado “rex portugalliae et galleciae”, por oposição dos seus irmãos. (Ainda que alguém alvitre que o primeiro rei de Portugal possa ser o rei Garcia, filho de Fernando Magno de Leão e Castela). Mais tarde, em 1094, foi restabelecido o Condado Portucale por Henrique de Borgonha, casado com D. Teresa, e, pai de Afonso Henriques.

P.S.

(1) «Um documento setecentista, que indica os limites do couto de S. João da Foz, diz que este começava «na ponte da praia, junto ao mar, que fica por baixo do Castelo», e daí seguindo sempre pela beira-mar, «vai continuando até um lugar que chamam Gondarém...» - «...que parte pelo ribeiro de Gondarém...», diz-se noutro lugar. ("Toponímia Portuense" de Andrea da Cunha e Freitas)».

(2)"Gondarém (Pt. e Gz.) - de Gunduredi, genit. de Gunduredu, antropónimo germânico. como dizer "propriedade ou quinta de Gunduredu". graf. altern. (Gz.): Gondarén. variante: Gondarei (Gz.) - graf. altern. Gondarey."  Toponímia galego-portuguesa e brasileira 


segunda-feira, 26 de abril de 2021

EUROPOLITIQUE: Na geografia da América do Sul perdura o "estreito de Magalhães".

 

Certamente que para a cultura intelectual francesa “Magalhães” é um nome exponencial que ultrapassa a "simples e modesta memória popular" gaulesa de Eusébio ou Amália Rodriguez.  A sua elocução ou recitação intelectual francesa faz esquecer a "memória da identidade portuguesa" acerca de Vasco da Gama ou Camões; sobretudo, no momento ou na época, em que era descoberto Fernando Pessoa, em finais do século XX. Quando lemos a obra de Stefan Zweig (1881, Áustria -1942, Brasil) sobre as atribulações deste distinto navegador da circum-navegação mundial, começamos a entender melhor o objeto desta distinção entre a dita classe dos intelectuais franceses.

Em 10 de agosto de 1519, partiram de Sevilha cinco embarcações, financiadas por vários negociantes e pelo Rei de Espanha, à procura da mercadoria mais preciosa da época: o cravinho (nas Molucas, Indonésia). Mas, por detrás do comércio e seu negócio, aquilo que ficou para a história, foi a certeza que a “terra redonda” era navegável e globalizada, graças à epopeia de Fernão de Magalhães.

A teimosia de Fernão Magalhães acarretou-lhe a sua morte em 27 de abril de 1521; por isso, no dia do seu V Centenário merece que os portugueses vivam e não esqueçam este “herói do mar (do) nobre povo, nação valente”.

Quando nos retemos neste pequeno retângulo à beira-mar plantado, não podemos esquecer, que entre 28 de novembro de 1520, e, 16 de março de 1521, na viagem de Magalhães, somente o céu azul flutuava nas águas do Oceano Pacífico, demonstrando que este “planeta azul” não é uma ilusão lunar, mas um lugar digno para se habitar. E, se desde o rio da Prata até às Ilhas Filipinas rondam 20.000 Km, ou seja, metade da dimensão circular da Terra, nos nossos "costados" até à vizinha Espanha, somente arquejam sobre os seus ombros, cem vezes menos desta distância, o que nos concede 1% do seu valor. E, se dez é o exponente máximo da força humana, dez vezes dez, é este colosso, que se chama Fernão Magalhães. E, se as elites falham neste País, os colossos erguem-se de forma única: Magallanes.

sábado, 24 de abril de 2021

EUROPOLOTIQUE: "Por quem os sinos dobram... " (1961 - 1974), a "Guerra do Ultramar"

 

Cresci a ouvir a telefonia, com os “plangentes e sonoros sinos, a dobrar a finados” sobre a queda de Goa, Damão e Diu, já que as tropas indianas ocuparam estas terras em 18 de dezembro de 1961. Por ironia do destino, mais tarde, em Cuba, encontrei um filho de um soldado português, cujo pai vagueou um mês por terras da Índia até chegar a Portugal. Desde o ano de 1956, que a maioria dos países africanos se tornaram livres e independentes. Nesta senda de emancipação africana, alguns políticos internacionais tentavam convencer o regime português para a autonomia destes povos. Apesar das promessas e ajudas financeiras ao País permaneceu o atavismo e conservadorismo político, com alguma conivência da hierarquia católica. Já, em 8 de junho de 1958, a simplicidade de muitos portugueses, não impediu que se votasse em Humberto Delgado, apesar de uma derrotada orquestrada. Por isso, três anos após estas fraudulentas eleições, a “Guerra do Ultramar” explodiu. E, com as “lágrimas nos olhos” partiam os primeiros mancebos do Alto Minho e de Gondarém para a guerra do Ultramar, desde a estação ferroviária de Viana do Castelo, em “comboio militar”.

Com o despontar da “guerrilha” no Norte de Angola, inicia-se a “Guerra do Ultramar”, no ano de 1961. E, desde a cidade do Porto, onde se cruzavam as linhas de comboios do Norte do País, as carruagens enchiam-se de tropa. Consta-se que a nível geral do País, se atingisse os 80 mil de mobilizados, para uma guerra colonial que custou 9 mil mortos e 30 mil feridos.

Em 14 de dezembro de 1972, faleceu José Maria Sobrosa Araújo, em terras de Timor-Leste, cujo corpo foi reenviado para Gondarém, em fevereiro de 1973. Anteriormente, em trinta de dezembro de 1970, também tinha sido sepultado em Gondarém, José Rodrigues de Carvalho Lopes, apesar de ter nascido na freguesia de Loivo. Felizmente, grande número de combatentes nas outras “províncias ultramarinas” não sofreram tal sorte.

Em 1972, a «primavera marcelista» nada trouxera de novo; já que, desde janeiro de 1969, Marcelo Caetano estava no poder. E, a audiência papal de Paulo VI, aos líderes do “movimento de libertação”, em julho de 1970, não influenciou qualquer decisão política. (Paulo VI esteve em Fátima, em 13 de maio de 1967).  Nestes tempos, apesar da reunião de cinco mil jovens católicos, na capital portuguesa, o arcebispo de Lisboa D. António não tomou qualquer posição política, acerca da Guerra do Ultramar. Somente, as detenções e prisões na “Capela do Rato”, em 30 de dezembro de 1972, tiveram grande eco nos meios católicos, e, no País.

Desde o ano de 1961 até 25 de Abril de 1974, durante mais de 13 anos, sucediam-se as convocatórias para o serviço militar obrigatório, ao qual “nem os coxos escapavam”. (Em 1964 deflagra a guerrilha em Moçambique, sem esquecer a mais complicada e temida guerra da Guiné-Bissau, em 1963). O grupo de jovens desta localidade, na maioria aptos e convocados, eram acompanhados pelo som da concertina do Tio Benigno, até ao local da inspeção, nos Paços do Concelho. Para muitos mancebos, era uma festa e uma honra cumprir o serviço militar, a cuja experiência não resistiam certas moçoilas. Contudo, logo a seguir a este inicial fervor e entusiasmo pelas “Armas”, ou, Forças Armadas, como não se vislumbrassem nenhuns princípios de solução política, surgiram três tipos de infratores: os compelidos (ausentes à inspeção), os refratários (aptos e convocados, mas desaparecidos) e desertores (militares em fuga). As fronteiras fechavam-se com avisos de captura por terra, mar e ar. Os mais audazes e revolucionários ultrapassavam estas barreiras, outros ficavam detidos nas suas masmorras; detidos, ou, presos.

Esta tripla tipologia atingiu vários mancebos de Gondarém; alguns foram intimidados com dupla convocatória: “via militar” e “via dos serviços da Justiça”. A vigilância social fazia-se através do papel dos “bufos”, ou, “serviços secretos” da PIDE. Contudo, a maioria dos jovens desta freguesia cumpria honradamente o serviço militar; quer na marinha, artilharia, ou, força aérea. Honrava-se devidamente a instituição das “Forças Armadas; ainda que, por vezes, (segundo consta) os alvos militares na Guiné se afastassem deliberadamente, ou, as folhas das mangueiras escondem-se os condutores de “carros de combate”. Sucediam-se os “pequenos relatos” das galinhas apanhadas com o andamento do comboio, na via-férrea de Tete. À recolha de notas “angolares e meticais” aplicava-se o seu respetivo câmbio, como forma de introdução do recente recruta, nesta ou naquela província ultramarina. As “divisas de sargento ou capitão” exibiam-se com distinção e orgulho, ao mesmo tempo que se lamentava a falta de respeito por quem não reconhecia o sargento da terra natal. Os «furriéis milicianos” faziam a delícia dos seus amigos com o fumo dos seus maços baratos de tabaco, quando não se perdiam em copos de whisky. (De salientar que este curso criado em 1969, como “quadro especial de oficiais”, era um cargo que rapidamente dava origem a capitão).

Entre 1961 e 1974, esta sangria da juventude local alia-se a outra fase da emigração, gerando uma grande crise demográfica. Parece insólito, mas alguns emigrantes voltaram para as fileiras militares, com orgulho na defesa da Pátria. Mas as feridas destes combates, a nível geral do País, deixaram 30 mil feridos, e, 4500 mutilados; além de perto de 10 mil mortos. Muitos combatentes ficaram alucinados, psicologicamente, por causa dos efeitos da guerra. Algum marinheiro escapou deste infortúnio, ainda que a “fragata a carvão” desaparecesse em pleno naufrágio.

Muitas histórias familiares de “índole e memória pessoal” perduram com as suas “versões e seus pontos de vista”, por isso deixámos ao imaginário coletivo a sua recordação.

PS. «Crismado pelo bispo auxiliar de Braga D. António, na igreja de Gondarém; e, presente na reunião de jovens na capital, com o mesmo clérigo, sendo  já Arcebispo de Lisboa».  Nota do redator.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

EUROPOLITIQUE: A antiga "escola do Calvário" e a "escola dos Centenários"

 

Escola Primária de Gondarém

Os antecedentes da antiga escola do Calvário:  "Gouvim e o ensino do Latim"

Ainda que, desde 1498, por decisão da Corte, todos os fidalgos portugueses tivessem a obrigação de ensinar os seus filhos a “ler e escrever”, dada a carência de "mestres públicos" recorria-se aos clérigos, ou, "padres de família", para exercerem esta função educativa. Até, ao ano de 1759, a aprendizagem de "ler, escrever e contar" estava a cargo dos mosteiros, ou, ordens religiosas; aliás, como era o caso exemplar das abadessas de Santa Marinha, na freguesia vizinha de Loivo, que tinham o seu "scriptoria".  Nalgumas famílias abastadas, com tradição didática, esta tarefa educativa incluía o ensino da gramática latina, e, do grego.  Assim, acontecia na casa da abastada “família Guerreiro”, no lugar de Gouvim, na freguesia de Gondarém, em cujo seio florescia uma tradição geracional de vocações sacerdotais.  Esta "pequena escola particular" deve a sua origem à influência do seminário de Braga, obra de Frei Bartolomeu dos Mártires, em 1571. É, sobretudo, a partir do século XVI, que se desenvolvem estas tradições familiares de índole religiosa e didática, de onde desponta o ensino da "gramática latina", e, do grego, «em casas de seu irmão, João Manuel Guerreiro de Amorim Pereira, desembargador da Suplicação, que ele obteve breve apostólico, para ter oratório particular, tanto no Patriarcado de Lisboa, como neste Arcebispado…». Cf. (Arq. Distrital de Braga, 23.11.1819). Neste exercíco escolar faz-se referência ao controverso padre João Crisóstomo Guerreiro de Amorim Pereira, que chegou ao cargo de "Cónego de Braga"; e, mais tarde, senhor e dono da "Quinta do Outeiral". O exercício deste "múnus eclesiástico e didático" não fica isento de uma acesa polémica, por causa de invejas ou "injúrias de excomungado", atribuídas pelo abade de Gondarém, António Pedro Pacheco ao Cónego de Braga, corria o ano de 1820. Cf (Arq. Nacional da Torre do Tombo).  "Per se" o  cargo de "cónego" dava-lhe  o grau de "mestre"; quer em "ofícios eclesiásticos", quer na "atividade docente". Consequentemente, usufruía do pleno direito de dirigir ou orientar uma escola. O famigerado "cónego de Braga", dado como nato em Lanhelas, comarca de Caminha, aparece com a menção do lugar de  "São Martinho". Ora, aqui existe um certo equívoco de local, já que o sítio vizinho e ao seu lado, se chama, precisamente de Gouvim, pertencente à freguesia de Gondarém. Após, estas vicissitudes, consta que o "Cónego de Braga" tenha falecido, em 5 de outubro de 1855, na vizinha freguesia de Loivo, tendo sido desapossado da sua propriedade, a Quinta do Outeiral. Aliás, as duas casas existentes no lugar de Gouvim, e, pertencentes à "família Guerreiro", estiveram muito desleixadas até meados do século XX; ainda que estas edificações remontam ao ano de 1524, conforme inscrição encontrada.

Tradicionalmente, nas famílias católicas e abastadas, vigorava o costume de "consagrar" um dos filhos aos "serviços sacrossantos" da Igreja. Nesta tradição, inscreve-se a família dos "Guerreiros" de Gondarém, que através deste costume exibem a demonstração do seu "oratório particular". Acresce-se, que o "breve apostólico" do "Cónego de Braga, com "graça e bênção" especial, ajudava a manter esta dádiva de "consagração religiosa", que se desenvolvia numa pedagogia para a aprendizagem eclesiástica. Este vínculo e afinco pela educação pode remontar a uma antiga tradição, à qual está ligada o culto da Capela de Santa Ana, da "Quinta do Outeiral". Além disso, aos seus padroeiros estavam ligados os "benefícios", oriundos do antigo "Padroado de Gondarém" e da sua abadia para auxíliar a formação de jovens. Já, na Idade Média, junto a qualquer catedral, abadia ou padroado, havia sempre a possibilidade de alguma aprendizagem pelo saber elementar de "ler ou escrever".

A “Escola do Calvário”

Oficialmente, o ensino primário, cujas aulas elementares se restringem às competências básicas de saber “ler, escrever e contar” encontram-se assinaladas na freguesia de Gondarém, através de uma casa, sita no lugar do Calvário, que «está arrendada para a escola da freguesia de ensino oficial e rende anualmente dezasseis escudos»: ou seja, a "Escola do Calvário".  Cf. (Arq. Nacional da Torre do Tombo, 15.03. 1928).

É, à "imagem" do seu padroeiro Sam Payo, e, dos seus "benefícios", segundo consta, que surge esta escola, dedicada a toda a população. Refugiam-se na proteção deste santo e dos seus monges, aqueles que se dedicavam ao "trabalho e oração (ora & labore), e, agora, os primeiros alunos ou discípulos que a frequentam, no começo do século XX. No início deste século, segundo testemunhos orais", havia um professor, além de outros docentes. Se, nos é permitido fazer uma certa "sociologia da educação", nestes tempos e nesta localidade, em pleno século XX, distinguimos três gerações, em análise. A primeira, a partir do princípio do século XX, em que acontece a primeira etapa da alfabetização, que carateriza a 1.ª geração.  A segunda, até à criação das escolas pelo “Estado Novo”, pelos anos trinta e quarenta do século XX, em que se situa a 2.ª geração. Aliás, a geração intermédia da idade das trevas e obscuridade, com uma transição para a escolaridade obrigatória; aliás, acompanhada dos efeitos da emigração nos anos sessenta e setenta. A terceira geração, que já engloba os anos sessenta e setenta, em que predomina o "ensino obrigatório", a dita era dos "alfabetizados". Nesta terceira geração aparecem os simples alfabetizados e aqueles que prosseguem para o ensino secundário, donde emerge um pequeno grupo de licenciados. Esta simplificada análise, remete-nos para um comentário do popular artista Quim Barreiros: "a minha avó era professoras primária; e a minha mãe era analfabeta" (Entrevista de Júlia Pinheiro, SIC, 2021).

Na 1.ª geração, (início do século XX), encontram-se os “honrados lavradores” e “hábeis pescadores” de Gondarém que se refugiam numa” agricultura de subsistência”. A ausência de comércio e a industrialização faziam com que as ditas “competências profissionais” permanecessem nos parâmetros dos ofícios tradicionais. Os "valores de honra" e "palavra dada" associavam-se a uma certa "cultura conservadora e oral", dando origem a uma escassa emigração, para o Brasil e América. O ensino, a nível nacional, com a expulsão dos jesuítas, em 1759, gerou um certo vazio no Reino, apesar da criação das escolas por “Carta de Lei de 06.11.1772”, em que se pretendia laicizar a aprendizagem, com a figura de “Mestres”. A reforma pombalina procedeu ao "monopólio do ensino", através das “aulas régias”, cujos propósitos, em nossa opinião, dão origem à “Escola do Calvário”.  No entanto, se durante o século XIX, o ensino primário não era obrigatório e faltavam os mestres públicos, deixando, por isso, grandes lacunas no processo educativo nacional.  Ao contrário de muitos países europeus, que no final do século XIX, alfabetizaram os seus cidadãos, o número de analfabetos era enorme neste País. No entanto, em 1911, para se destacar da Monarquia, a 1.ª República avançou com uma "reforma do ensino" que deu alguns frutos, nos quais se insere a “Escola do Calvário", com os seus três anos de ensino oficial.

A "primária" e  a  "Escola dos Centenários"

 Na 2.ª geração, (anos trinta do século XX), assiste-se a uma” explosão demográfica”, que atravessa várias vicissitudes históricas e sociais, mas dentro da qual pouco se valoriza o ensino. No entanto, e, lentamente, começa-se a instituir o “ensino primário obrigatório” com a criação de escolas pelo Estado Novo. A “Escola de Gondarém” insere-se na tipologia do “Plano dos Centenários” (1941-1969), refletindo a arquitetura deste “modelo de escolas”, que foram disseminadas por todo o País. Presume-se, que na década de 50, surja a instalação desta escola primária, cuja construção inicial era simplesmente de rés-do-chão, e, tinha como objetivo essencial combater o analfabetismo, com o seu “ensino obrigatório”. (Nesta geração surgem escassos licenciados em "engenharia e direito", nas famílias abastadas). A trilogia de "Deus, Pátria e Família" constitui um arquétipo nacional e educacional, em que o ensino-aprendizagem passa pela "catequese", pela "escola primária" e pelo "valores familiares". As condições socioeconómicas da industrialização e do comércio escasseiam, ou, são quase nulas, apesar do desiderato de alguma pessoa influente que temia a sua instalação nesta localidade; ao contrário das indústrias do rio Ave. Nos anos sessenta e setenta do Século XX, assiste-se ao grande fluxo emigratório para os países europeus, e, outros. Nesta época, a 4.ª classe torna-se o passaporte para muitos empregos e funções sociais. Apesar do esforço governamental do Estado Novo, esta 2.ª geração revelou um nível de analfabetismo elevado, até ao 25 de Abril de 1974, embora tenha uma época de transição, ou, intermédia. Todavia, a partir dos anos sessenta, e, sobretudo setenta, dá-se uma viragem nas ambições escolares.

Na 3.ª geração inscrevem-se, obrigatoriamente, os "alfabetizados" por causa da obrigatoriedade do "ensino primário", ou seja, ninguém podia escapar à escola. E, lentamente caminha-se para o patamar seguinte, ou seja, o acesso ao ensino secundário: os liceus, e, as escolas comerciais e industriais. Todas as capitais de distrito têm ensino secundário, e, para lá são encaminhados alguns afortunados. A qualificação para certos empregos implica habilitações do ensino secundário, já que o “ensino primário” se torna ultrapassado e insuficiente. Nesta 3.ª geração surge o grupo mais extenso de licenciados. No dealbar da democracia e anos seguintes emerge este grupo de licenciados que se espalha por outras paragens.

    Obs:

«À capela do Santuário do Calvário ainda pertence uma casa existente junto à mesma pelo lado nascente, que pertence à imagem de S. Paio, erecta na dita capela, ali muito venerada. Está arrendada para a escola da freguezia de ensino oficial e rende anualmente dezasseis escudos».  Cf. (Arq. Nacional da Torre do Tombo, 15.03.1928).

"Breve apostólico” é uma espécie de “bula”, que envolve “bênçãos, privilégios ou funções”, neste caso, desconhecidas, mas que fizeram dele o futuro cónego de Braga, e senhor da Quinta do Outeiral. À falta de uma capela, ou, ermida erguia-se um “Oratório”, como meio de devoção e oração. Faleceu em Loivo, em 5 de outubro de 1855. Regista-se, o seguinte testemunho: «os meus ancestros clérigos da casa de Gouvim (…) dedicavam-se a ensinar Gramática, Latim e Grego aos adolescentes que almejavam seguir a carreira eclesiástica» (Cf. Dr. Álvaro Guerreiro Silva, V.C.)

quinta-feira, 1 de abril de 2021

EUROPOLITIQUE: Em busca do "Terrorista Elegante" - à procura de Mia Couto e Eduardo Agualusa

 Em busca do "Terrorista Elegante"

Procura-se angolano assimilado, que fala com os pássaros, “mestre em espíritos, domador de demónios e dragões”, cuja base de treino se situa nos “scriptoria” do rio Umbeluzi; e, que se tornou um “terrorista elegante”, depois de sair da Síria, e atuar nos palcos e nas ruas das terras do Ocidente, espalhando o terror dos seus feitiços.
Partida:
Saímos numa canoa de vela triangular, em direção à foz do rio Umbeluzi, na baía de Maputo. Deixamos o cais desta baía, que se encontra encastrado junto de um edifício ministerial, cuja construção clama pelos ditos presos chineses. Mais à frente, e, em plena e tranquila enseada, reluz a mais recente joia de Maputo, a ponte de Katembe, que do reino dos “tembes” faz parte da sua história.
A ponte suspensa, grandiosa obra chinesa, que não é dádiva e somente resgate de investimento futuro, inscreve-se como fruto de um outro consórcio de bancos de Moçambique, para orgulho nacional. A baía do Espírito Santo tem quatro rios: Matola, Infulene, Umbeluzi e Tembe; destes, esquecido fica o rio de Maputo, junto ao mar. Mas, Katembe, diariamente, enamora-se com a sua luzidia ponte, que de noite acena com as suas duas belas torres ou pilares, assinalando aos visitantes, que nas suas imensas praias estão extensos e dourados areais.
Consta-se que a economia do estado moçambicano ronda o “produto interno alentejano. Todavia, qualquer leigo em economia dirá que a grandiosidade desta imponente ponte, cujo custo rondou os 700 milhões de dólares, é um brilharete para gáudio da cidade de Maputo, e  digno cartão de visitas da sua geométrica capital.
As longas ruas, “a régua e esquadro”, de Maputo não configuram as curvas e meandros da sua baía, que se espraia por terra e mar. Nas várias lagoas serpenteiam as águas quentes do Índico. Mas, na sua imensidão navega uma pequena noz, com a sua branca vela triangular, perdida e acariciada pelos ventos, de marés tranquilas e bonomia, que ruma em direção à base e refúgio de treino do "Terrorista Elegante".
A "canoa de vela erguida" navega em direção ao estuário do rio Umbeluzi, ao fundo da baía de Maputo, (esquecendo-se destas maravilhas diplomáticas chinesas. e , da sua ponte), para ancorar na estreita e apertada curva do bairro “Belo Horizonte”, avistando o “famoso alpendre”, cujo negro colmo cobre o seu teto e abafa a alvura da sua casa, rodeada de suaves tons de verde-escuro. Os verdes bambus e altos muros impedem qualquer passagem para o seu interior. Se não é um fortim, é uma fortaleza, em cujas ameias e alpendres , se avista a doce curvatura do rio Umbeluzi.
Lá, o rio corre em suaves e doces meandros. É, lá que queremos encontrar o “Terrorista Elegante”, que dois célebres escritores ocultaram numa caverna, gruta, ou, escondida mansão. Durante quinze dias estiveram enclausurados no silêncio da escrita e da reflexão, para encontrarem a solidão necessária para tão explosiva violência narrativa. Manipularam as suas mãos, que em vez de quatro mãos são duas, que sendo dois autores é só um terceiro – ou seja, talvez, um terrorista - e, que dizendo ser um único autor foram dois escritores, ao mesmo tempo.
Tal duplicidade de ação e profissão, embora faça lembrar o “Homem Duplicado” de Saramago, implica que não aconteça algum trocadilho que transforme o T. E. (Terrorista Elegante) num E. T. (Extra Terrestre), vindo da selva africana; escapando à sua territorialidade. Já que foi ali, naquele lendário lugar, que nasceu o terrível “Terrorista Elegante”, cujo local de nascimento teve como parto duas hábeis parteiras de quatro mãos.
Para logro público dizem que ele é angolano, que fala com os pássaros, gosta de gravatas e coisas caras, em particular, mulheres; mas, não passa de um inocente charlatão. Viajou até à Síria, comeu e copulou, mas o seu passaporte corre com "risco de morte". Morte ao Ocidente. Morte aos pagãos, cristãos ou ateus. Pois, Alá está do lado de cá e de lá, dos bons, maus e perfeitos, pois ele é Grande; e não aquela dita América. Da abundância e da riqueza nasce a ganância, cuja mãe virtuosa é Africa, e, Angola sua filha, em parte. O Ocidente que se cure da sua doença, porque quem manda é o "Salvífico Oriente". (O estado de terror aliou-se ao terror de Estado, mas exibir em palco esta tragédia é fazer uma comédia com os americanos). Por fim, que venha um Rambo para desbaratar esta triste figura quixotesca deste “terrorista elegante”. Por isso, talvez, não convenha espalhar esta história africana na angústia e tragédia da humanidade.
Subitamente dos meandros do rio Umbeluzi, que serpenteiam Belo Horizonte, uma chuva de aves e pássaros abeiram-se da canoa e dizem: “vade retro satana”, porque este peixe, não é para ti, "cana verde".
A nuvem espalhou-se pelas encostas e suas ilhas verdes, evocando os rápidos e velozes "raids" dos "Homens do Norte", que ainda persistem e perduram vivos e elegantes, nos estuários dos rios e no assalto aos conventos; enquanto. no coro dos copistas medievais ecoa esta oração: “Livrai-nos, Senhor, do terror...” – gritam, aos céus, estes monacais. Ao mesmo tempo que esconjuram os invasores dos seus escritórios (scriptoria), outros vândalos invadem os nossos territórios; e, dizem: - "Livrai-nos..."
«Livrai-nos, Senhor, do terror destes autores»
«Livrai-nos, Senhor, do pecado da sua escrita»
«Livrai-nos, Senhor, da escrita pedante
e do “terrorista elegante”».

EUROPOLITIQUE: Recordando "Platero y Yo" ....Juan Ramón Jiménez

  Na minha tenra idade escutava os poemas de “ Platero y yo” , com uma avidez e candura própria da inocente e singela juventude, que era o ...