«Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo (…)
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo».
«Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo (…)
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo».
«Um chefe normando (alguns lhe dão o título de rei, o que de certo é êrro) chamado Gundarêdo, que no reinado de D. Ramiro III tomou aos mouros a Galliza e varias terras da parte septentrional da província do Minho, fundou esta povoação, pelos anos 970, fazendo aqui um castello à beira do rio de que não há vestígios (provavelmente alguma enchente do Minho o destruiu) e dado o seu nome à povoação, o qual se corrompeu em Gondarém». (Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Vol.III, pg. 302)
Toponímia
e história “corromperam-se” mutuamente, originando que Gundarêdo se
transformasse em Gondarém, segundo a alusão de Pinho Leal. Por isso, não
podemos falar de Gondarém, sem evocar Gundarêdo; e, a localidade de Gondarém não
se pode furtar à narrativa desta histórica personagem. Um forte vínculo
etimológico permanece entre a sua toponímia (Gondarém) e o seu epónimo
(Gundâredo). Pinho Leal estabelece uma ligação indissociável entre a "cartografia geográfica" (Gondarém), e, a "cartografia paternal" de Gundaredo, como fundador desta localidade, a quem testemunha com um «castelo à beira do rio». Esta "pretensa âncora de fundação" remete-nos, anteriormente, em séculos recuados, para o "castelo de difícil acesso", testemunhado pelo geográfo árabe Al Idrisi. Por isso se diz: que não podemos conhecer uma localidade ou lugar sem saber
a sua história; aliás, sem contar a sua narrativa.
Antes
desta historiografia local, Pinho Leal estabelece uma descrição geográfica do
seguinte teor: «situada
parte em bella planície, na margem esquerda do rio Minho (que limita a
freguesia pelo N.) e parte de uma alcantilada serra, ramo da Arga, com formosas
e dilatadas vistas». Assim, e na sua opinião, a íngreme serra ou
encosta, popularmente chamada de “monte Goios”, faz parte da cordilheira que
abraça S. João de Arga. Efetivamente, do alto da serra, avistam-se duas
formosas ilhas, que misteriosamente Pinho Leal não descreve, nem menciona. A relação social entre campo e serra era uma fonte de exploração comum, já que os baldios eram escassos. O
vale ou planície verdejante é descrito da seguinte forma: «é terra muito fértil,
devendo a sua fertilidade aos preciosos nateiros que o rio Minho deposita nas
suas margens». Desde 1948, com a construção das margens do rio Minho
na Galiza, diminuiu a natural fertilidade e depósito de fertilizantes que se
depositavam nestas terras. A fauna e a flora, que fazem parte da agricultura,
são descritas do seguinte modo: «há aqui em abundância, cereaes, vinho e fructas; muito linho, algum
azeite e colmeias. Cria muito e bom gado. É farta de saborosíssimo peixe do rio
e do mar, que apenas lhe fica distante 9 kilómetros ao O». Terra de castanheiros e cerejeiras, das suas macieiras jorravam litros de fruta para fabricar sidra, e juntar-se à produção de vinho. Apesar das pesqueiras da Mota e do Lido,
atualmente, a escassez de peixe é notória. O linho e as suas camisas, tecidas à
mão, desapareceram; ficaram os bordados. Os cereais, como o trigo e centeio,
são raros e escassos. A produção de azeite é nula, e, as colmeias rareiam nas
encostas. A riqueza e abundância da exploração agrícola dos séculos anteriores,
continuada na dita agricultura de “economia fechada”, ou, “subsistência”, tornou-se
diminuta, já que os tempos industriais são outros. Até, os amigos de Baco,
deixaram de ter as suas adegas e “provas de vinho” e seus alambiques com as suas
libações, no “mata-bicho”. Somente, as marés do rio continuam a subir e descer
graças à força do mar.
«Por meio das suas veigas passa a bella
estrada real, feita em 1864».
Autêntico “tapete verde”, Pinho Leal insere o primitivo traçado ondulante da
E.N. n. º 13, em “percursos” que não são atuais, salientando o ano da sua
construção. «A estrada
real, por esses sítios, mais pôde chamar um delicioso e encantador passeio, do
que uma via publica». O progresso instala-se com a nova via, fazendo
esquecer os antigos “Caminhos de Santiago”. Efetivamente, no antigo percurso da
“estrada real” avistava-se um belo cenário, em redor da “Ilha dos Amores”, que
culminava com um pequeno jardim e promontório, chamado de “Parque”, no alto de
uma pequena colina. (O comboio chegará, somente, em 1882; por isso, não se faz
referência).
A
produção agrícola ou píscola engloba lavradores ou pescadores, profissões que
surgem mencionadas em vários documentos: os “honrados lavradores de
Gondarém”. À pesca estavam reservadas outras atividades, um pouco fora
da lei, o contrabando: “Gondarém – terra de contrabandistas”,
segundo reza o canto e a musa Amália Rodrigues. Mas, a freguesia, também é
conhecida como “terra de fidalgos”. E, nesta senda da fidalguia
surgem as quintas e os seus solares, (sem mencionar a “Quinta do Outeiral”). «É aqui o solar dos Cadavaes,
fidalgos oriundos da Galiza. É hoje representante d’esta família o sr.
Francisco de Sousa Cadaval, aqui residente.(…) O nobre apellido Cadaval d’esta família, não vem
do Cadaval portuguez, mas da povoação do Cadabal, na Galiza, cujo solar o sr.
Francisco de Sousa herdou». Em 1825, com o casamento de António de
Sousa Ferraz de Novais com D. Maria Josefa Cadaval Correa, filha dos senhores
da Casa de Goyan surge esta linhagem que se inscreve, também no “Solar da
Loureira”, através do filho deste casal, ou seja, Francisco de Sousa Cadaval. A
inscrição desta fidalguia procura salientar a nobre origem dos habitantes de
Gondarém, em que a parte se confunde com o todo, e vice-versa. «Os descendentes de Gundâredo
foram senhores de Gondarém por muitos anos e se intitulavam os Gondarens ou
Gondares, e aqui tinham o seu solar. Este sr. Cadaval em quem já falei, consta
ser descendente d’essa família; entretanto o seu ramo primogénito (dos
Gondarens) extinguiu-se, sendo a sua grande casa dividida por vários herdeiros».
Apesar das várias vicissitudes familiares, os proprietários ou senhores do
Solar da Loureira sempre souberam zelar pelo seu património. A tentativa de
inserção histórica pretende enobrecer o sentido de apego e apropriação às
terras que devem o seu tributo a Gundâredo: «note-se que Gundâredo só fundou o castelo e a povoação
próxima a elle, (…)». Pinho Leal pretende salientar que Gondarém,
geograficamente, cresce do Sul para o Norte, da beira rio para o centro da
freguesia: «porquanto
já então aqui havia uma freguesia chamada Mangoeiro, que com o andar dos tempos
veio a perder o nome, tomando-o de Gondarém». Ou seja, o crescimento
populacional da parte Sul da freguesia, que já tinha bem assimilado o seu nome,
sobrepôs-se à parte mais antiga e altaneira da freguesia: «ainda nesta freguesia há uma
aldeia chamada Mangoeiro, onde estava a primittiva egreja», hoje, transformada
em capela de São Tomé. Faz parte da historiografia desta freguesia o
reconhecimento primordial destes “criadores de gado”, que se instalaram nas encostas superiores
desta localidade, junto à floresta, refugiando-se nos seus recantos e outeiros,
ainda que permanecem vestígios da existência de um antigo castro, numa encosta
inferior, que se inscreve na cultura megalítica, com a descoberta de um sílex. Por
volta do século X, a introdução dos moinhos de água e novas culturas favoreceu
o desenvolvimento das terras do vale, gerando grande prosperidade; cuja
influência e domínio estavam reservados aos filhos de Gundâredo.
«Como eram
christãos, os reis de Hespanha por algumas vezes recorreram ao seu auxílio,
nas guerras contra os mouros. Por fim, attrahidos pela
amenidade e fertilidade do clima, se foram estabelecendo por estes sítios,
fundando vários castelos e povoações, nas proximidades do litoral e as margens
dos rios navegáveis, e por fim, vieram a formar uma e mesma nação com os
antigos povos que por aqui estacionavam».
Pinho
Leal descreve sumariamente a fixação de alguns normandos nestas paragens,
embora a colaboração com estas gentes nem sempre foi pacífica. (Historicamente,
“os adoradores do fogo” aliaram-se aos cristãos para combaterem os infiéis, ou,
“homens azuis”, sob a proteção ao Apóstolo “Mata-mouros”). Mas, a estadia de
Gundâredo não foi nada pacífica, em relação à Galiza do Norte. Após os seus
feitos guerreiros em terras da Normandia, este líder ou “rei” dos normandos,
assumia-se como comandante de homens e terras, de cujas proezas a Galiza não se
pode orgulhar. Há quem levante suspeitas da radicação nestes sítios, com
desejos de prolongada estadia, a que não é alheia a construção de um castelo. O
barco para um viking era tão importante como uma mulher. Por isso, ao contrário
dos autóctones, os estuários dos rios e as suas margens exerciam uma forte
atração para sua permanência ou estadia. Em nossa opinião, por volta dos fins
da Primavera de 966, este numeroso grupo de normandos, sob comando de
Gundâredo, oriundos da Normandia, estabeleceram-se em terras de Gondarém.
«Parece que alguns por cá foram
ficando, e fundaram ou reedificaram algumas povoações, quasi todas perto do mar
ou de rios; pois vemos que ainda hoje algumas povoações portuguesas conservam
os nomes, que eram os próprios de chefes nórmandos. Taes são – Gondarem (corrupção
de Gundâredo) da freguesia do rio Minho, do concelho e 3 kilómetros ao O. de
Villa-Nova-da-Cerveira)». (Pinho
Leal, Vol.VI, pg.155). Esta referência surge mais tarde, na rubrica sobre os
normandos, segundo Pinho Leal. As várias “invasões vikings” disseminaram muita
gente sobre as costas ibéricas, cuja miscigenação hereditária atinge pelos
menos 1% dos seus genes. A nomenclatura e sua referência revestem os vestígios
humanitários mais evidentes, aos quais se acrescem os vínculos sociais ou
históricos. Somente a fama e o prestígio merecem alguma consideração ou
respeito pelos seus vindouros.
«No tempo de D. Ramiro III, porém, o
chefe (alguns dizem rei) normando Gundâredo, com uma esquadra de cem navios,
invadiu as costas da actual provincia do Minho e as da Galliza, fazendo-se
senhor de todo este território, no anno 967 de J.C., e alli permaneceu três
annos até que, em 970, sendo derrotados, pelo conde D. Gonçalo Sanches, em uma
sanguinolenta batalha, fugiram muito poucos, nos poucos navios que poderam escapar, pois que os portugueses lhes queimaram quasi
todos, e Gundâredo morreu na batalha» (pg.155)
Os
ecos das façanhas de viking Gundâredo ainda não tinham chegado às terras da
Galiza, mas a impressionante e numerosa quantidade de barcos, atemorizou todas
as gentes da Galiza do Norte e do Sul. Os cronistas da Normandia relatam as
suas glórias passadas, um século depois; e, sobre Gundâredo são totalmente
omissas, exaltando com é evidente os seus duques, desde Rolão. Acerca do
conflito entre Ricardo I (Sem Medo) e Gundãredo ressalta somente uma dignificante
despedida entre os dois homens, repleto de víveres e conduzidos por experientes
marinheiros, durante algum tempo. Gundâredo dirige-se ao Noroeste Peninsular,
com uma grande “esquadra”, que após atravessar a “costa da morte”, no extremo
norte da Galiza, estaciona, presumivelmente, em águas do rio Minho. A
controversa estadia de Gundâredo em terras de Gondarém desafia o maior
ceticismo entre vários historiadores. Os cronistas árabes tratam-no como “rei
dos normandos”, a que não é alheia a historiografia hispânica, que o trata por
Gunderedo. Associa-se ao seu castelo o nome de “Boega”, pelo geógrafo árabe Al
Idrisi. Apesar da falta de vestígios, o lugar da Mota, suscita, através do seu
próprio nome, os velhos castrejos, ou, motes, pequenos castelos de madeira,
também chamadas de paliçadas. As condições orográficas ou ribeirinhas em nada
obstavam à construção destas fortificações; e, sua fraca perenidade
contribuíram para o seu desaparecimento.
Pinho
Leal relata que Gundâredo ocupou «as costas da actual provincia do Minho e as da Galliza, fazendo-se
senhor de todo este território, no anno 967 de J.C.». A chegada de
Gundâredo, em nossa opinião, dá-se em finais da Primavera do ano 966. Durante
os dois primeiros anos, a sua estadia foi pacífica; e não consta qualquer
ataque desferido contra a cidade e capital da Galiza, ou seja, Tui. Reinou a
paz e o sossego nestas terras da Galiza, apesar dos calafrios suscitados por
bandas de Guimarães, que começa a construir o seu pequeno castelo. Uma incursão destes normandos pelas costas
ocidentais, em Silves, resultou num autêntico fracasso, com a perda de muitos
barcos. O elevado número de normandos, nesta incursão, criou sobressaltos na
região, mas o sistema informativo, típico destes povos, desfez os vários medos
ou tremores, suscitados aos residentes ou autóctones. Gundâredo, além de grande
chefe e guerreiro, tinha desenvolvido qualidades diplomáticos na guerra contra
os francos da Gália. A sua mestria tornou pacífica a sua estadia, imiscuindo-se
pacificamente junto dos galegos do Sul. Somente, após a morte do rei Sancho (o Gordo)
da Galiza, cuja seta envenenada não o deixou passar as margens do rio Minho
desencadearam-se duras contendas e desconfianças. E, da possível criação de um
segundo ducado da Normandia, (como alguém, alvitrou), resultou uma guerra feroz
contra Santiago de Compostela. Reservámos às “nacionalistas fontes galegas” o
panegírico sobre a vitória contra Gundâredo, ainda que discordemos com a
implicação de “forças portuguesas” nesta derrota. A contribuição de Gundâredo
para o fortalecimento das gentes da Galiza do Sul que, pouco a pouco, caminharam
para sua autonomia e independência surge mais que evidente, na nossa opinião.
As débeis forças da arquidiocese de Braga ganharam novo estímulo com as ruínas
de Santiago, graças a Gundâredo. As férteis terras do condado portucalense e de
Límia favoreceram o emergir de independentes guerreiros, cujos contornos
históricos conservam alguma penumbra no seu desenvolvimento.
«Em 1757 tinha 253 fogos. Orago S. Pedro,
apóstolo. Arcebispado de Braga, districto administrativo de Vianna. A casa de
Britiandos apresentava o abbade, que tinha 300$000 réis annuaes». .
.
Sociologicamente,
a descrição demográfica de Pinho Leal aponta para 1.300 pessoas (referência
atribuída a 253 fogos), cujo valor corresponde ao número de habitantes em 1950,
apesar de terem passado dois séculos. A partir dos anos sessenta do século XX,
a população diminui, drasticamente, por causa da emigração. Em 2011 residiam
510 habitantes. As riquezas das terras da “Quinta do Outeiral” sustentavam as
obrigações religiosas, cuja referência é feita através da “Casa de Britiandos”,
senhores destes territórios, naqueles tempos. Hoje, junto à sua igreja
paroquial repousam aqueles que na sua frente se deparam com o antigo “castro de
Gondarém”, com ou sem “antas ou menires”, já que datam mil anos antes da era
cristã, (sem falar da descoberta de sílex da era do neolítico), cuja aurora
desponta nos “montanheiros”, ou, “homens da criação do gado” e da época romana,
para se deixar marcar pelo signo de Gundâredo, e, por aqueles que os acusam de “Gondarens”.
Aos céticos de Gundaredo por estas terras ou paragens, aos pirrónicos sobre o seu castelo ou castrejo, não deixamos pairar a “dúvida metódica” sem alguma certeza ou paternidade, já que Pinho Leal ilustra este local como uma cidade: a “civitas” de Gundâredo, em que cada cidadão, se revê nele “sem medo”.
P.S. «A presença viking em territótio nacional despertou interesse pela primeira vez no século XVIII, quando Carvalho da Costa atribui origem viking ao topónimo Gondarém, freguesia de Vila Nova de Cerveira no Minho, o que é "pouco provável", segundo Hélio Pires, que afirmou"não ser muito prciso, pois antes dos vikings tocaren as costas portuguesas houve as invasões germânicas, no século V, e Gondarém é um dos antropónimos de origem germânica, que já existiam antes da chegada dos vikings». JORNAL DE NOTICIAS em 22.12.1917.
«Em 1952, ano em que a rede ferroviária em serviço atingiu o seu valor máximo, Portugal tinha 3.620 quilómetros (km) de linhas férreas. Atualmente tem 2.526 km em exploraçõa. Dos 1094 km desativados, cerca de 332 km estão transformados em ecopistas» (Revista Expresso, 21.05.2021)
«Ninguém entra num lugar se não lhe conhecer
a sua história» Mia Couto “O universo num grão de areia”, pg. 211, Ed. Caminho, Lx, 2019.
No silêncio da palavra Gondarém há uma voz que se levanta, e diz: «eu sou Gundarêdo». O fundador desta povoação, que ousou enfrentar a cidade de Compostela, não deixou órfãos os seus filhos, já que não se renega a paternidade a quem não renuncia ao seu nome. Esta herança coletiva, a todos pertence, desde que reclamem a sua filiação. Esta identificação histórica não se resume a uma simples figura simbólica, mas inscreve-se numa identidade individual e coletiva, que jaz entre a "casa" e a terra paterna; entre um "eu" e um "tu", já que somos e pertencemos a este lugar, e estamos inscritos nesta história, incorporados no plural e no singular.
Nesta viagem, e, neste percurso, seguimos a via de “Pinho Leal”, melhor dito, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa Pinho Leal, em pleno século XIX, que em “Portugal Antigo e Moderno” relata: «se estas são notáveis por serem pátria d’homens celebres, por batalhas ou noutros factos importantes que nellas tiveram logar, por serem solares de familias nobres, ou, por monumentos de qualquer natureza, alli existentes» não deixa de descrever Gondarém, como terra de Gundarêdo. «Por meio das suas veigas passa a bella estrada real, feita em 1864». E, por estradas e caminhos, fomos à procura daqueles que conservam afinidades com Gondarém.
1)
Gondarém serrano
Pinho
Leal descreve outro Gondarém, “bonita aldeia, Douro, freguesia da Raiva,
concelho e 10 kilómetros de Paiva». Onde, predominam habitações de xisto
nas suas encostas agrestes, virada para o rio Douro. Efetivamente,
a “aldeia de xisto de Gondarém” está implantada numa encosta da margem esquerda
do rio Douro, da qual se avista uma paisagem deslumbrante, a dez quilómetros de
Castelo de Paiva. (Midões e Gondarém, da freguesia da Raiva, partilham a mesma
indicação, embora em sentidos opostos). No fundo desta encosta, encontra-se um “cais de
acostagem” ou ancoradouro, que permite o
acesso à “Ilha do Castelo”, mais conhecida, como “Ilha dos Amores”. A “aldeia
serrana” de Gondarém, constituída por “30 fogos”, na descrição de Pinho
Leal, atualmente encontra-se quase despovoada, apesar das últimas cinco pessoas que teimam
em habitá-la. Pinho Leal atribui-lhe «a mesma etymologia, isto é, vem
do nome próprio de homem, Gundarêdo. Talvez o mesmo que fundou o
Gondarém da margem esquerda do Minho fundasse este; ou outro normando do mesmo
nome – ou seria senhor d’este lugar um Gondarêdo». (Pinho Leal, O.C., Vol. III, pg.302).
A origem da palavra etimológica que «vem do nome próprio de homem» tem o sentido de antropónimo, (neste caso específico, de Gundarêdo) – constituindo-se, desta forma como o seu epónimo - ao referir-se a uma personalidade histórica, que se concretiza e prolonga através do nome de Gondarém. A representação de Gondarém remete logicamente para o símbolo de Gundarêdo. Nele, se incrusta a sua identificação, de forma que os seus habitantes pertencem a esta família, ou clã; são filhos de Gundarêdo. Pinho Leal reserva esta identificação, única e exclusivamente para os habitantes da margem esquerda do rio Minho; ou seja, estes são os autênticos Gondarenos. «Os descendentes de Gundarêdo foram senhores de Gondarem por muitos annos e se intitulavam os Gondarens ou Gondares, (…)», cf. (Pinho Leal). Neste sentido, qualquer “orgulhoso normando” pode ter dado origem à “aldeia serrana” de Gondarém, relembrando os seus feitos, e, a sua história. Aliás, nas várias incursões vikings sobre a Galiza, muitos normandos espalharam-se pela costa portuguesa, dedicando-se à pesca e outras atividades, cujo núcleo mais famoso se constituiu na Póvoa de Varzim. As ilhas e os locais junto aos rios exerciam uma forte atração pela sua permanência nestes “homens do Norte”. Por isso, no fundo da encosta e no meio do rio Douro, permanece uma encantadora ilha, com um pequeno cais de acostagem, cujo nome rivaliza com a “Ilha dos Amores” do rio Minho – esta "Ilha Castelo". Assim, na confluência do rio Paiva com o rio Douro, a “Ilha do Castelo” ressurge na plenitude da sua verdura e beleza, como "Ilha dos Amores"; onde, se presume escondida, uma pequena ermida do século XV.
“Como não há uma, sem duas”, acresce-se outra aldeia, com o nome de Gondarém, por terras do interior de Portugal, na zona de Bastos. Na freguesia de S. Nicolau, em Cabeceiras de Basto, existe um lugar com o nome de Gondarém. Nada menos de 78 habitantes, segundo o censo de 2011, moram nesta pequena localidade, a cerca de 10 km da Vila de Cabeceiras de Basto. Desconhece-se a razão da origem da etimologia deste lugar; no entanto, a sua nomenclatura remete, hipoteticamente, para qualquer descendente de filhos de Gundarêdo.
A
«rua» e a «praia» de Gondarém que estão assinaladas na foz do rio Douro, na
sua margem direita, são sentinelas ou marcas de Gundarêdo, a cuja passagem ou incursão, os normandos ou “filhos de Gondarém” estão interligados. Qualquer vestígio ou rasto ficou
registado na “foz do rio Douro” para que se evocasse esta afiliação, como marca
indelével desta personagem mítica ou lendária, que é Gundarêdo. A terceira
incursão normanda, comandada por viking Gundarêdo foi a mais terrível e
destruidora na sua devastação, sobretudo, na Galiza do Norte, e, em especial, em Santiago de Compostela. O
numeroso grupo de normandos percorreu toda a costa portuguesa até Silves, onde
se perderam algumas embarcações. Na margem direita do rio Douro, em terras
portucalenses, ainda se conserva alguma memória destes aventureiros de Gondarêdo, que, certamente suscitaram algum ensejo de autonomia e independência
face à Galiza do Norte. O Condado Portucalense nutria um grau muito forte de
autonomia e independência face aos senhores da Galiza do Norte; e, à cidade do
Porto estava reservado o estatuto de futura capital para o primeiro reinado de
um hipotético “Rex Portucale”. As vicissitudes históricas foram adversas, já
que Nunes Mendes não conseguiu a independência e o título de Portugal, em 1070.
Apesar da derrota, em 18 de janeiro de 1071, nem o ambicioso Garcia, filho do
rei Fernando I de Leão e Castela, conseguiu ser aclamado “rex portugalliae et
galleciae”, por oposição dos seus irmãos. (Ainda que alguém alvitre que o
primeiro rei de Portugal possa ser o rei Garcia, filho de Fernando Magno de
Leão e Castela). Mais tarde, em 1094, foi restabelecido o Condado Portucale por
Henrique de Borgonha, casado com D. Teresa, e, pai de Afonso Henriques.
P.S.
(1) «Um documento setecentista, que indica os limites do couto de S. João da Foz, diz que este começava «na ponte da praia, junto ao mar, que fica por baixo do Castelo», e daí seguindo sempre pela beira-mar, «vai continuando até um lugar que chamam Gondarém...» - «...que parte pelo ribeiro de Gondarém...», diz-se noutro lugar. ("Toponímia Portuense" de Andrea da Cunha e Freitas)».
(2)"Gondarém (Pt. e Gz.) - de Gunduredi, genit. de Gunduredu, antropónimo germânico. como dizer "propriedade ou quinta de Gunduredu". graf. altern. (Gz.): Gondarén. variante: Gondarei (Gz.) - graf. altern. Gondarey." Toponímia galego-portuguesa e brasileira
Certamente que para a cultura intelectual francesa “Magalhães”
é um nome exponencial que ultrapassa a "simples e modesta memória popular" gaulesa de
Eusébio ou Amália Rodriguez. A sua elocução
ou recitação intelectual francesa faz esquecer a "memória da identidade portuguesa" acerca de Vasco da
Gama ou Camões; sobretudo, no momento ou na época, em que era descoberto Fernando Pessoa, em finais do século XX.
Quando lemos a obra de Stefan Zweig (1881, Áustria -1942, Brasil) sobre as atribulações deste distinto
navegador da circum-navegação mundial, começamos a entender melhor o objeto desta
distinção entre a dita classe dos intelectuais franceses.
Em 10 de agosto de 1519, partiram de Sevilha cinco embarcações,
financiadas por vários negociantes e pelo Rei de Espanha, à procura da
mercadoria mais preciosa da época: o cravinho (nas Molucas, Indonésia). Mas, por detrás
do comércio e seu negócio, aquilo que ficou para a história, foi a certeza que a “terra redonda” era navegável e globalizada, graças à epopeia de Fernão de Magalhães.
A teimosia de Fernão Magalhães acarretou-lhe a sua morte em 27
de abril de 1521; por isso, no dia do seu V Centenário merece que os
portugueses vivam e não esqueçam este “herói do mar (do) nobre povo, nação valente”.
Quando nos retemos neste pequeno retângulo à beira-mar plantado, não podemos esquecer, que entre 28 de novembro de 1520, e, 16 de março de 1521, na viagem de Magalhães, somente o céu azul flutuava nas águas do Oceano Pacífico, demonstrando que este “planeta azul” não é uma ilusão lunar, mas um lugar digno para se habitar. E, se desde o rio da Prata até às Ilhas Filipinas rondam 20.000 Km, ou seja, metade da dimensão circular da Terra, nos nossos "costados" até à vizinha Espanha, somente arquejam sobre os seus ombros, cem vezes menos desta distância, o que nos concede 1% do seu valor. E, se dez é o exponente máximo da força humana, dez vezes dez, é este colosso, que se chama Fernão Magalhães. E, se as elites falham neste País, os colossos erguem-se de forma única: Magallanes.
Cresci a ouvir a telefonia, com os “plangentes e sonoros sinos, a dobrar a finados” sobre a queda de Goa, Damão e Diu, já que as tropas indianas ocuparam estas terras em 18 de dezembro de 1961. Por ironia do destino, mais tarde, em Cuba, encontrei um filho de um soldado português, cujo pai vagueou um mês por terras da Índia até chegar a Portugal. Desde o ano de 1956, que a maioria dos países africanos se tornaram livres e independentes. Nesta senda de emancipação africana, alguns políticos internacionais tentavam convencer o regime português para a autonomia destes povos. Apesar das promessas e ajudas financeiras ao País permaneceu o atavismo e conservadorismo político, com alguma conivência da hierarquia católica. Já, em 8 de junho de 1958, a simplicidade de muitos portugueses, não impediu que se votasse em Humberto Delgado, apesar de uma derrotada orquestrada. Por isso, três anos após estas fraudulentas eleições, a “Guerra do Ultramar” explodiu. E, com as “lágrimas nos olhos” partiam os primeiros mancebos do Alto Minho e de Gondarém para a guerra do Ultramar, desde a estação ferroviária de Viana do Castelo, em “comboio militar”.
Com o despontar da “guerrilha” no Norte
de Angola, inicia-se a “Guerra do Ultramar”, no ano de 1961. E, desde a cidade
do Porto, onde se cruzavam as linhas de comboios do Norte do País, as
carruagens enchiam-se de tropa. Consta-se que a nível geral do País, se
atingisse os 80 mil de mobilizados, para uma guerra colonial que custou 9 mil
mortos e 30 mil feridos.
Em 14 de dezembro de 1972, faleceu
José Maria Sobrosa Araújo, em terras de Timor-Leste, cujo corpo foi reenviado para
Gondarém, em fevereiro de 1973. Anteriormente, em trinta de dezembro de 1970, também
tinha sido sepultado em Gondarém, José Rodrigues de Carvalho Lopes, apesar de
ter nascido na freguesia de Loivo. Felizmente, grande número de combatentes nas
outras “províncias ultramarinas” não sofreram tal sorte.
Em 1972, a «primavera marcelista» nada
trouxera de novo; já que, desde janeiro de 1969, Marcelo Caetano estava no
poder. E, a audiência papal de Paulo VI, aos líderes do “movimento de
libertação”, em julho de 1970, não influenciou qualquer decisão política.
(Paulo VI esteve em Fátima, em 13 de maio de 1967). Nestes tempos, apesar da reunião de cinco mil
jovens católicos, na capital portuguesa, o arcebispo de Lisboa D. António não
tomou qualquer posição política, acerca da Guerra do Ultramar. Somente, as
detenções e prisões na “Capela do Rato”, em 30 de dezembro de 1972, tiveram
grande eco nos meios católicos, e, no País.
Desde o ano de 1961 até 25 de Abril
de 1974, durante mais de 13 anos, sucediam-se as convocatórias para o serviço
militar obrigatório, ao qual “nem os coxos escapavam”. (Em 1964
deflagra a guerrilha em Moçambique, sem esquecer a mais complicada e temida
guerra da Guiné-Bissau, em 1963). O grupo de jovens desta localidade, na maioria aptos e
convocados, eram acompanhados pelo som da concertina do Tio Benigno, até ao
local da inspeção, nos Paços do Concelho. Para muitos mancebos, era uma festa e
uma honra cumprir o serviço militar, a cuja experiência não resistiam certas
moçoilas. Contudo, logo a seguir a este inicial fervor e entusiasmo pelas
“Armas”, ou, Forças Armadas, como não se vislumbrassem nenhuns princípios de solução
política, surgiram três tipos de infratores: os compelidos (ausentes à
inspeção), os refratários (aptos e convocados, mas desaparecidos) e desertores
(militares em fuga). As fronteiras fechavam-se com avisos de captura por terra,
mar e ar. Os mais audazes e revolucionários ultrapassavam estas barreiras,
outros ficavam detidos nas suas masmorras; detidos, ou, presos.
Esta tripla tipologia atingiu vários mancebos de Gondarém; alguns foram intimidados com dupla convocatória: “via militar” e “via dos serviços da Justiça”. A vigilância social fazia-se através do papel dos “bufos”, ou, “serviços secretos” da PIDE. Contudo, a maioria dos jovens desta freguesia cumpria honradamente o serviço militar; quer na marinha, artilharia, ou, força aérea. Honrava-se devidamente a instituição das “Forças Armadas; ainda que, por vezes, (segundo consta) os alvos militares na Guiné se afastassem deliberadamente, ou, as folhas das mangueiras escondem-se os condutores de “carros de combate”. Sucediam-se os “pequenos relatos” das galinhas apanhadas com o andamento do comboio, na via-férrea de Tete. À recolha de notas “angolares e meticais” aplicava-se o seu respetivo câmbio, como forma de introdução do recente recruta, nesta ou naquela província ultramarina. As “divisas de sargento ou capitão” exibiam-se com distinção e orgulho, ao mesmo tempo que se lamentava a falta de respeito por quem não reconhecia o sargento da terra natal. Os «furriéis milicianos” faziam a delícia dos seus amigos com o fumo dos seus maços baratos de tabaco, quando não se perdiam em copos de whisky. (De salientar que este curso criado em 1969, como “quadro especial de oficiais”, era um cargo que rapidamente dava origem a capitão).
Entre 1961 e 1974, esta sangria da
juventude local alia-se a outra fase da emigração, gerando uma grande crise
demográfica. Parece insólito, mas alguns emigrantes voltaram para as fileiras
militares, com orgulho na defesa da Pátria. Mas as feridas destes combates, a
nível geral do País, deixaram 30 mil feridos, e, 4500 mutilados; além de perto
de 10 mil mortos. Muitos combatentes ficaram alucinados, psicologicamente, por
causa dos efeitos da guerra. Algum marinheiro escapou deste infortúnio, ainda
que a “fragata a carvão” desaparecesse em pleno naufrágio.
Muitas histórias familiares de “índole
e memória pessoal” perduram com as suas “versões e seus pontos de vista”,
por isso deixámos ao imaginário coletivo a sua recordação.
PS. «Crismado pelo bispo auxiliar de Braga D. António, na igreja de Gondarém; e, presente na reunião de jovens na capital, com o mesmo clérigo, sendo já Arcebispo de Lisboa». Nota do redator.
Escola Primária de Gondarém |
Os antecedentes da antiga escola do Calvário: "Gouvim e o ensino do Latim"
Ainda que, desde 1498,
por decisão da Corte, todos os fidalgos portugueses tivessem a obrigação de
ensinar os seus filhos a “ler e escrever”, dada a carência de "mestres
públicos" recorria-se aos clérigos, ou, "padres de família", para
exercerem esta função educativa. Até, ao ano de 1759, a aprendizagem de "ler,
escrever e contar" estava a cargo dos mosteiros, ou, ordens religiosas;
aliás, como era o caso exemplar das abadessas de Santa Marinha, na freguesia
vizinha de Loivo, que tinham o seu "scriptoria". Nalgumas famílias abastadas, com tradição didática, esta
tarefa educativa incluía o ensino da gramática latina, e, do grego. Assim, acontecia
na casa da abastada “família Guerreiro”, no lugar de Gouvim, na freguesia de Gondarém, em cujo seio florescia uma tradição
geracional de vocações sacerdotais. Esta "pequena escola particular" deve
a sua origem à influência do seminário de Braga, obra de Frei Bartolomeu
dos Mártires, em 1571. É, sobretudo, a partir do século XVI, que se desenvolvem
estas tradições familiares de índole religiosa e didática, de onde desponta o ensino da "gramática latina", e, do grego, «em casas de seu
irmão, João Manuel Guerreiro de Amorim Pereira, desembargador da Suplicação,
que ele obteve breve apostólico, para ter oratório particular, tanto no
Patriarcado de Lisboa, como neste Arcebispado…». Cf. (Arq. Distrital
de Braga, 23.11.1819). Neste exercíco escolar faz-se referência ao controverso padre João
Crisóstomo Guerreiro de Amorim Pereira, que chegou ao cargo de
"Cónego de Braga"; e, mais tarde, senhor e dono da "Quinta do
Outeiral". O exercício deste "múnus eclesiástico e didático" não
fica isento de uma acesa polémica, por causa de invejas ou "injúrias
de excomungado", atribuídas pelo abade de Gondarém, António Pedro
Pacheco ao Cónego de Braga, corria o ano de 1820. Cf (Arq. Nacional da Torre do Tombo).
"Per se" o cargo de "cónego" dava-lhe o grau de
"mestre"; quer em "ofícios eclesiásticos", quer na
"atividade docente". Consequentemente, usufruía do pleno direito de dirigir
ou orientar uma escola. O famigerado "cónego de Braga", dado como
nato em Lanhelas, comarca de Caminha, aparece com a menção do lugar de "São Martinho". Ora, aqui existe um certo equívoco de local, já que o sítio vizinho e ao seu lado, se chama,
precisamente de Gouvim, pertencente à freguesia de Gondarém. Após, estas vicissitudes, consta que o
"Cónego de Braga" tenha falecido, em 5 de outubro de 1855, na
vizinha freguesia de Loivo, tendo sido desapossado da sua propriedade, a Quinta do Outeiral. Aliás,
as duas casas existentes no lugar de Gouvim, e, pertencentes à
"família Guerreiro", estiveram muito desleixadas até meados do século
XX; ainda que estas edificações remontam ao ano de 1524, conforme inscrição
encontrada.
Tradicionalmente, nas
famílias católicas e abastadas, vigorava o costume de "consagrar" um
dos filhos aos "serviços sacrossantos" da Igreja. Nesta tradição,
inscreve-se a família dos "Guerreiros" de Gondarém, que através deste
costume exibem a demonstração do seu "oratório particular". Acresce-se, que o "breve apostólico" do "Cónego de Braga, com "graça e
bênção" especial, ajudava a manter esta dádiva de "consagração
religiosa", que se desenvolvia numa pedagogia para a aprendizagem
eclesiástica. Este vínculo e afinco pela educação pode remontar a uma antiga tradição, à
qual está ligada o culto da Capela de Santa Ana, da "Quinta do
Outeiral". Além disso, aos seus padroeiros estavam ligados os "benefícios", oriundos do antigo "Padroado de Gondarém" e da sua abadia para auxíliar a formação de jovens. Já, na Idade Média, junto a qualquer catedral, abadia ou padroado,
havia sempre a possibilidade de alguma aprendizagem pelo saber elementar de
"ler ou escrever".
A “Escola do Calvário”
Oficialmente, o ensino
primário, cujas aulas elementares se restringem às competências básicas de
saber “ler, escrever e contar” encontram-se assinaladas na
freguesia de Gondarém, através de uma casa, sita no lugar do Calvário, que «está
arrendada para a escola da freguesia de ensino oficial e
rende anualmente dezasseis escudos»: ou seja, a "Escola do Calvário". Cf.
(Arq. Nacional da Torre do Tombo, 15.03. 1928).
É, à
"imagem" do seu padroeiro Sam Payo, e, dos seus
"benefícios", segundo consta, que surge esta escola, dedicada a
toda a população. Refugiam-se na proteção deste santo e dos seus monges,
aqueles que se dedicavam ao "trabalho e oração (ora & labore),
e, agora, os primeiros alunos ou discípulos que a frequentam, no começo do
século XX. No início deste século, segundo testemunhos orais", havia
um professor, além de outros docentes. Se, nos é permitido fazer uma certa "sociologia da
educação", nestes tempos e nesta localidade, em pleno século XX,
distinguimos três gerações, em análise. A primeira, a partir do princípio do
século XX, em que acontece a primeira etapa da alfabetização, que carateriza a
1.ª geração. A segunda, até à criação das escolas pelo “Estado Novo”,
pelos anos trinta e quarenta do século XX, em que se situa a 2.ª geração.
Aliás, a geração intermédia da idade das trevas e obscuridade, com uma
transição para a escolaridade obrigatória; aliás, acompanhada dos efeitos da
emigração nos anos sessenta e setenta. A terceira geração, que já engloba os
anos sessenta e setenta, em que predomina o "ensino obrigatório", a
dita era dos "alfabetizados". Nesta terceira
geração aparecem os simples alfabetizados e aqueles que prosseguem para o
ensino secundário, donde emerge um pequeno grupo de licenciados. Esta
simplificada análise, remete-nos para um comentário do popular artista
Quim Barreiros: "a minha avó era professoras primária; e a minha
mãe era analfabeta" (Entrevista de Júlia Pinheiro, SIC, 2021).
Na 1.ª geração, (início do século XX), encontram-se os “honrados lavradores” e “hábeis pescadores” de Gondarém que se refugiam numa” agricultura de subsistência”. A ausência de comércio e a industrialização faziam com que as ditas “competências profissionais” permanecessem nos parâmetros dos ofícios tradicionais. Os "valores de honra" e "palavra dada" associavam-se a uma certa "cultura conservadora e oral", dando origem a uma escassa emigração, para o Brasil e América. O ensino, a nível nacional, com a expulsão dos jesuítas, em 1759, gerou um certo vazio no Reino, apesar da criação das escolas por “Carta de Lei de 06.11.1772”, em que se pretendia laicizar a aprendizagem, com a figura de “Mestres”. A reforma pombalina procedeu ao "monopólio do ensino", através das “aulas régias”, cujos propósitos, em nossa opinião, dão origem à “Escola do Calvário”. No entanto, se durante o século XIX, o ensino primário não era obrigatório e faltavam os mestres públicos, deixando, por isso, grandes lacunas no processo educativo nacional. Ao contrário de muitos países europeus, que no final do século XIX, alfabetizaram os seus cidadãos, o número de analfabetos era enorme neste País. No entanto, em 1911, para se destacar da Monarquia, a 1.ª República avançou com uma "reforma do ensino" que deu alguns frutos, nos quais se insere a “Escola do Calvário", com os seus três anos de ensino oficial.
A "primária" e a "Escola dos Centenários"
Na 2.ª geração, (anos trinta do século XX), assiste-se a uma” explosão demográfica”, que atravessa várias vicissitudes históricas e sociais, mas dentro da qual pouco se valoriza o ensino. No entanto, e, lentamente, começa-se a instituir o “ensino primário obrigatório” com a criação de escolas pelo Estado Novo. A “Escola de Gondarém” insere-se na tipologia do “Plano dos Centenários” (1941-1969), refletindo a arquitetura deste “modelo de escolas”, que foram disseminadas por todo o País. Presume-se, que na década de 50, surja a instalação desta escola primária, cuja construção inicial era simplesmente de rés-do-chão, e, tinha como objetivo essencial combater o analfabetismo, com o seu “ensino obrigatório”. (Nesta geração surgem escassos licenciados em "engenharia e direito", nas famílias abastadas). A trilogia de "Deus, Pátria e Família" constitui um arquétipo nacional e educacional, em que o ensino-aprendizagem passa pela "catequese", pela "escola primária" e pelo "valores familiares". As condições socioeconómicas da industrialização e do comércio escasseiam, ou, são quase nulas, apesar do desiderato de alguma pessoa influente que temia a sua instalação nesta localidade; ao contrário das indústrias do rio Ave. Nos anos sessenta e setenta do Século XX, assiste-se ao grande fluxo emigratório para os países europeus, e, outros. Nesta época, a 4.ª classe torna-se o passaporte para muitos empregos e funções sociais. Apesar do esforço governamental do Estado Novo, esta 2.ª geração revelou um nível de analfabetismo elevado, até ao 25 de Abril de 1974, embora tenha uma época de transição, ou, intermédia. Todavia, a partir dos anos sessenta, e, sobretudo setenta, dá-se uma viragem nas ambições escolares.
Na 3.ª geração
inscrevem-se, obrigatoriamente, os "alfabetizados" por causa da
obrigatoriedade do "ensino primário", ou seja, ninguém podia escapar
à escola. E, lentamente caminha-se para o patamar seguinte, ou seja,
o acesso ao ensino secundário: os liceus, e, as escolas comerciais e
industriais. Todas as capitais de distrito têm ensino secundário, e, para lá
são encaminhados alguns afortunados. A qualificação para certos empregos
implica habilitações do ensino secundário, já que o “ensino primário” se torna
ultrapassado e insuficiente. Nesta 3.ª geração surge o grupo mais extenso de
licenciados. No dealbar da democracia e anos seguintes emerge este grupo de
licenciados que se espalha por outras paragens.
Obs:
«À capela do Santuário do Calvário ainda pertence uma casa existente junto à mesma pelo lado nascente, que pertence à imagem de S. Paio, erecta na dita capela, ali muito venerada. Está arrendada para a escola da freguezia de ensino oficial e rende anualmente dezasseis escudos». Cf. (Arq. Nacional da Torre do Tombo, 15.03.1928).
"Breve apostólico” é uma espécie de “bula”, que envolve “bênçãos, privilégios ou funções”, neste caso, desconhecidas, mas que fizeram dele o futuro cónego de Braga, e senhor da Quinta do Outeiral. À falta de uma capela, ou, ermida erguia-se um “Oratório”, como meio de devoção e oração. Faleceu em Loivo, em 5 de outubro de 1855. Regista-se, o seguinte testemunho: «os meus ancestros clérigos da casa de Gouvim (…) dedicavam-se a ensinar Gramática, Latim e Grego aos adolescentes que almejavam seguir a carreira eclesiástica» (Cf. Dr. Álvaro Guerreiro Silva, V.C.)“
Em busca do "Terrorista Elegante"
Na minha tenra idade escutava os poemas de “ Platero y yo” , com uma avidez e candura própria da inocente e singela juventude, que era o ...