«Pousado na cabeça de Luís de Camões, o corvo observa a pracinha. Aquele é o seu território». (pg. 99)
No pequeno território que me faz lembrar Marraquexe; e, onde,
Agualusa diz que “Portugal é grande”, revejo dois ou três corvos, deambulando
por uma nesga de terra que lhes escapa ao seu espaço. Na verde frescura destes
pinhais marítimos do Alentejo, mais concretamente, na costa vicentina, esventra-se
com novas construções um território que às ditas aves pertencia. Os corvos não
pedem licença à natureza, nem esconjuram com hissopos as feridas da mãe
natureza. Grasnando, somente reclamam pelo seu território. Não exibem sinais de
sabedoria, mas deixam um sonoro e rouco grito de lamento. Não partilho totalmente
da crença de Odín - supremo deus dos vikings - que me enviaria dois corvos pelo
mundo para ser informado sobre a ilha de Moçambique e sobre os dois anos da
estadia de Camões, sobrevivendo graças aos seus amigos. Como afirma Agualusa,
mais à frente no seu texto, «o corvo não tem conhecimentos históricos», nem é
bafejado pela memória, que aos homens pertence. O corvo reserva para si este instinto de
propriedade que a natureza lhe concede, e acena aos homens aquilo que lhe
pertence. Com a sua sabedoria grasna no mistério dos deuses.
Negra e trágica como as penas do seu esvoaçar,
paira a incerteza no ar.
Mas firme elegante no seu andar,
reluz como brilho ao luar.
E, é, neste espaço poético, que se estende junto ao mar, onde
os poemas de Camões vão naufragar, que a pena e o sofrimento, nos prelos nos
fazem sonhar!...
E, para estas recordações do poeta e dos poemas : «hoje são muitos os moçambicanos que ostentam com orgulho o patronímico do poeta».(pg.100)
AGUALUSA, José Eduardo "Os vivos e os outros", (pgs.99/100) Editora Quetzal (1.ª Ed.), Lisboa 2020.