Seguidores

terça-feira, 23 de março de 2021

EUROPOLITIQUE: João Crisóstomo Guerreiro de Amorim Pereira - "Cónego de Braga" (filho do Governador de Piauí).

 

O "Cónego de Braga" filho do Governador de Piauí.

 

João Crisóstomo Guerreiro de Amorim Pereira, filho de João de Amorim Pereira e D. Ana Maria Guerreiro (Rocha), (dado como nato em “São Martinho” de Lanhelas, apresenta, em nossa opinião, um equívoco com o lugar vizinho de Gouvim, em Gondarém, berço tradicional da família), cujos irmãos se notabilizaram como “altos funcionários do Reino”, enveredou pela carreira eclesiástica, conforme rezam estes dados na sua “inquirição de genere”. Cf. (Arq. Distrital de Braga, 01.04. 1780).


Os inquéritos “de genere” eram «processos necessários para a ordenação dos párocos. Consistem na inquirição de testemunhas para comprovar a filiação, reputação, bom nome ou “limpeza de sangue” do requerente. Incluem os seguintes documentos: requerimento inicial, carta de comissão, inquirição de genere a testemunhas e declarações dos párocos. Estão incluídos nesta série processos de Justificação de Fraternidade que são requeridos quando há, na família, alguém ordenado e com inquirição de genere elaborada e concluída”, (1616 /1911). Cf. (Arq. Distrital de Braga).

 

Nato no seio de uma família tradicionalmente católica, de onde saíram vários candidatos ao sacerdócio, quase nada obstava a que atingisse o fim almejado. Além disso, vindo de uma família abastada, e, com reputação social, não se configurava um simples lugar em qualquer paróquia abandonada. Por isso, a sua ascendência e o bom nome familiar abriram-lhe o caminho para a categoria de cónego, sem qualquer ofício determinado na Cúria de Braga. Esta classe ou categoria de clérigo associava-se ao conforto espiritual no seio da família, ou, ao empenho pessoal noutras tarefas particulares de ensino e educação, embora dependente da Cúria de Braga. Por isso, uma das tarefas encontradas associa-se à “escola de latim” em Gouvim. Este isolamento das funções clericais suscitava alguma apreensão, como se evidenciava com a polémica do abade de Gondarém.

 

Dois galos na mesma capoeira

 

Por volta de 1820, o abade de Gondarém não se coíbe em divulgar que este clérigo «se encontrava excomungado», apesar do cargo de cónego, e, que permanecia acoitado na encosta, ou, “casas” de Gouvim, na freguesia de Gondarém. Perante este insulto, que «se prende com injúria», o abade da freguesia de Gondarém, António Pedro Pacheco, foi parar ao “mocho” do Tribunal da Comarca de Caminha. Cf. (Arq. Nacional da Torre do Tombo).

 

 «Em casas de seu irmão, João Manuel Guerreiro Amorim, desembargador da Suplicação» permanecia este clérigo, quando se faz referência. aos “autos de visita ao oratório particular a favor de João Crisóstomo Guerreiro de Amorim». No entanto, «para ter oratório particular» «obteve breve apostólico», ou seja, uma espécie de bula que lhe concedia esta prerrogativa, «tanto no Patriarcado de Lisboa, como neste Arcebispado”. Cf. (Arq. Distrital de Braga, 23.11. 1819).

Ora, um “breve apostólico” é uma espécie de documento que confere alguma “bênção” ou “graça” especial, que se estende ao próprio, ou, a qualquer suplicante, cujo despacho confirma tal concessão. Esta prerrogativa podia conduzir ao tratamento pessoal de “monsenhor”. Acresce-se, ainda, que a especificidade de “oratório particular”, ou, “local privado de oração” configurava um pequeno ermitério, ou, capela que não suscitava a admiração do abade Gondarém. Aliás, o título de "breve" era condição necessária e suficiente para poder celebrar missa, num oratório particular. Reza assim, o respetivo documento: «para ter oratório particular, tanto do Patriarcado de Lisboa, como neste Arcebispado, cuja graça se estendeu também ao suplicante, como se vê no despacho junto…». Cf. (Arq. Distrital de Braga, 23.11.1819)  


Os “oratórios particulares”, ou, “domésticos” tornaram-se muito difundidos no Século XVIII: símbolo de pessoas nobres, fidalgos, titulares do Reino, ricos e tementes a Deus, além de serem beneméritos da Igreja. As famílias mais ricas começaram a ter os seus altares particulares, (aliás, cuja tradição, bastante antiga, remonta aos costumes dos lares romanos), mas que, na fé cristã, também é fruto das caravelas portuguesas que levavam os seus oratórios. Os homens do período colonial espalharam-nos pelas suas fazendas, ou, locais de capitania, de onde descende o cónego, a nível paterno. Estes nichos ou armários continham imagens de santos ou padroeiros, que faziam parte da devoção da família. Propícios ao recolhimento e oração, apesar da sua devoção em ambiente privado, abriam caminho para "celebrar missa, realizar casamentos, ou, batizar crianças". Todavia, este clérigo fazia parte do conjunto de cónegos que formavam o “cabido”, ou, a "Cúria de Braga" , e, por isso, estava desligado destas funções.

 

Estas funções religiosas estavam reservadas ao papel da paróquia, de forma que o Padre João Crisóstomo Guerreiro de Amorim Pereira enveredou pelo ensino da gramática latina e do grego, instruindo os candidatos à carreira religiosa. Entre os anos de 1827 e 1835, a Cúria de Braga encontra-se em “sede vacante”, mas tendo como “administrador apostólico” Manuel Pires de Azevedo Loureiro.  Como órgão colegial, alvitra-se que o cónego João Crisóstomo Guerreiro Amorim Pereira tenha desempenhado funções de “Cónego de Braga”, de onde lhe vem este epíteto, popularmente atribuído. A crise dinástica do Reino de Portugal, entre 20 de março de 1826 a 27 de junho de 1832, não favoreceu a nomeação de um bispo para Braga; posto isso, oficialmente, não aparece o nome deste propalado “Cónego”.

 

Todavia, através dos seus rendimentos, quer de bens familiares, quer da sua atividade clerical, torna-se senhor da “Quinta do Outeiral”. A edificação ao lado do Paço, nesta casa senhorial, ou seja, a dita casa do “feitor”, atribui-se às obras efetuadas por este Cónego. À intenção da compra e posse desta quinta juntava-se a vontade de que alguém zelasse pelos cuidados da sua saúde, nos últimos dias da sua vida. Ora, o cónego de Braga tinha conhecimento de que um rico “brasileiro” de “São Mamede de Ferreira”, da comarca de Paredes de Coura, pretendia encontrar uma moça prendada para seu casamento.  Assim, unindo a sabedoria à astúcia, acalentou o melhor meio de fazer um casamento prendado para a sua estimada sobrinha, com a condição de zelar pelo seu futuro.  

 

Um papagaio e duas cotovias

O feliz e venturoso António Joaquim Fernandes Lima deixou Paredes de Coura para se casar com a sobrinha do Cónego; mas, rapidamente surgiram as desavenças e conflitos com este clérigo. A juntar-se à discórdia entre ambos, surge a morte prematura da sobrinha do Cónego. Uma vez que existia uma doação de bens, feita à sobrinha, e, por causa da morte desta, o “brasileiro” Lima desalojou o Cónego dos seus bens e propriedade, remetendo-o para casa das suas irmãs, na vizinha freguesia de Loivo.

 

Quis o destino e a praga do infortúnio ou azar, que as vozes das saudosas irmãs se juntassem em “uníssono coro” de duas maviosas cotovias que desafiavam à porfia contra o antigo orador, pregador, ou, clérigo que não passava de um papagaio arrependido, sendo ele "boca de oiro", ou, "Crisóstomo". A “reforma dourada” do Cónego foi substituída pela caridade das irmãs, que cheias de pena e compaixão, o acolheram e lhe deram guarida fraternal, sem nunca lhe perdoar o mal. Por bastante tempo perdurou, popularmente, a “Quinta do Lima”. Mas, a 5 de outubro de 1855, desapareceu o famigerado “Cónego de Braga”, em terras da “Quinta da Torre”, na freguesia de Loivo. A desdita, “por mor de bem casar uma sobrinha” inspirou o poeta Pedro Homem de Melo, que mais tarde brindou Gondarém, com o poema:

«Por mor de aprender o vira.

Fui traído. Mas por fim,

Sei hoje, que era a mentira.”  (no fado “Vim morrer a Gondarém”).

Obs:

«Autos de visita ao oratório do Padre João Crisóstomo Guerreiro de Amorim, assistente na freguesia de São Pedro de Gondarém, concelho de Vila Nova de Cerveira, em casas de seu irmão, João Manuel Guerreiro de Amorim Pereira, desembargador da Suplicação, que ele obteve breve apostólico, para ter oratório particular, tanto no Patriarcado de Lisboa, como neste Arcebispado, cuja graça se estendeu também ao suplicante, como se vê no despacho junto....» Cf. (Arq, Distrital de Braga, 13.11,1819).

Vide: Diário do Minho, 08 fevereiro de 2015.


EUROPOLITIQUE: Recordando "Platero y Yo" ....Juan Ramón Jiménez

  Na minha tenra idade escutava os poemas de “ Platero y yo” , com uma avidez e candura própria da inocente e singela juventude, que era o ...