Escola Primária de Gondarém |
Os antecedentes da antiga escola do Calvário: "Gouvim e o ensino do Latim"
Ainda que, desde 1498,
por decisão da Corte, todos os fidalgos portugueses tivessem a obrigação de
ensinar os seus filhos a “ler e escrever”, dada a carência de "mestres
públicos" recorria-se aos clérigos, ou, "padres de família", para
exercerem esta função educativa. Até, ao ano de 1759, a aprendizagem de "ler,
escrever e contar" estava a cargo dos mosteiros, ou, ordens religiosas;
aliás, como era o caso exemplar das abadessas de Santa Marinha, na freguesia
vizinha de Loivo, que tinham o seu "scriptoria". Nalgumas famílias abastadas, com tradição didática, esta
tarefa educativa incluía o ensino da gramática latina, e, do grego. Assim, acontecia
na casa da abastada “família Guerreiro”, no lugar de Gouvim, na freguesia de Gondarém, em cujo seio florescia uma tradição
geracional de vocações sacerdotais. Esta "pequena escola particular" deve
a sua origem à influência do seminário de Braga, obra de Frei Bartolomeu
dos Mártires, em 1571. É, sobretudo, a partir do século XVI, que se desenvolvem
estas tradições familiares de índole religiosa e didática, de onde desponta o ensino da "gramática latina", e, do grego, «em casas de seu
irmão, João Manuel Guerreiro de Amorim Pereira, desembargador da Suplicação,
que ele obteve breve apostólico, para ter oratório particular, tanto no
Patriarcado de Lisboa, como neste Arcebispado…». Cf. (Arq. Distrital
de Braga, 23.11.1819). Neste exercíco escolar faz-se referência ao controverso padre João
Crisóstomo Guerreiro de Amorim Pereira, que chegou ao cargo de
"Cónego de Braga"; e, mais tarde, senhor e dono da "Quinta do
Outeiral". O exercício deste "múnus eclesiástico e didático" não
fica isento de uma acesa polémica, por causa de invejas ou "injúrias
de excomungado", atribuídas pelo abade de Gondarém, António Pedro
Pacheco ao Cónego de Braga, corria o ano de 1820. Cf (Arq. Nacional da Torre do Tombo).
"Per se" o cargo de "cónego" dava-lhe o grau de
"mestre"; quer em "ofícios eclesiásticos", quer na
"atividade docente". Consequentemente, usufruía do pleno direito de dirigir
ou orientar uma escola. O famigerado "cónego de Braga", dado como
nato em Lanhelas, comarca de Caminha, aparece com a menção do lugar de "São Martinho". Ora, aqui existe um certo equívoco de local, já que o sítio vizinho e ao seu lado, se chama,
precisamente de Gouvim, pertencente à freguesia de Gondarém. Após, estas vicissitudes, consta que o
"Cónego de Braga" tenha falecido, em 5 de outubro de 1855, na
vizinha freguesia de Loivo, tendo sido desapossado da sua propriedade, a Quinta do Outeiral. Aliás,
as duas casas existentes no lugar de Gouvim, e, pertencentes à
"família Guerreiro", estiveram muito desleixadas até meados do século
XX; ainda que estas edificações remontam ao ano de 1524, conforme inscrição
encontrada.
Tradicionalmente, nas
famílias católicas e abastadas, vigorava o costume de "consagrar" um
dos filhos aos "serviços sacrossantos" da Igreja. Nesta tradição,
inscreve-se a família dos "Guerreiros" de Gondarém, que através deste
costume exibem a demonstração do seu "oratório particular". Acresce-se, que o "breve apostólico" do "Cónego de Braga, com "graça e
bênção" especial, ajudava a manter esta dádiva de "consagração
religiosa", que se desenvolvia numa pedagogia para a aprendizagem
eclesiástica. Este vínculo e afinco pela educação pode remontar a uma antiga tradição, à
qual está ligada o culto da Capela de Santa Ana, da "Quinta do
Outeiral". Além disso, aos seus padroeiros estavam ligados os "benefícios", oriundos do antigo "Padroado de Gondarém" e da sua abadia para auxíliar a formação de jovens. Já, na Idade Média, junto a qualquer catedral, abadia ou padroado,
havia sempre a possibilidade de alguma aprendizagem pelo saber elementar de
"ler ou escrever".
A “Escola do Calvário”
Oficialmente, o ensino
primário, cujas aulas elementares se restringem às competências básicas de
saber “ler, escrever e contar” encontram-se assinaladas na
freguesia de Gondarém, através de uma casa, sita no lugar do Calvário, que «está
arrendada para a escola da freguesia de ensino oficial e
rende anualmente dezasseis escudos»: ou seja, a "Escola do Calvário". Cf.
(Arq. Nacional da Torre do Tombo, 15.03. 1928).
É, à
"imagem" do seu padroeiro Sam Payo, e, dos seus
"benefícios", segundo consta, que surge esta escola, dedicada a
toda a população. Refugiam-se na proteção deste santo e dos seus monges,
aqueles que se dedicavam ao "trabalho e oração (ora & labore),
e, agora, os primeiros alunos ou discípulos que a frequentam, no começo do
século XX. No início deste século, segundo testemunhos orais", havia
um professor, além de outros docentes. Se, nos é permitido fazer uma certa "sociologia da
educação", nestes tempos e nesta localidade, em pleno século XX,
distinguimos três gerações, em análise. A primeira, a partir do princípio do
século XX, em que acontece a primeira etapa da alfabetização, que carateriza a
1.ª geração. A segunda, até à criação das escolas pelo “Estado Novo”,
pelos anos trinta e quarenta do século XX, em que se situa a 2.ª geração.
Aliás, a geração intermédia da idade das trevas e obscuridade, com uma
transição para a escolaridade obrigatória; aliás, acompanhada dos efeitos da
emigração nos anos sessenta e setenta. A terceira geração, que já engloba os
anos sessenta e setenta, em que predomina o "ensino obrigatório", a
dita era dos "alfabetizados". Nesta terceira
geração aparecem os simples alfabetizados e aqueles que prosseguem para o
ensino secundário, donde emerge um pequeno grupo de licenciados. Esta
simplificada análise, remete-nos para um comentário do popular artista
Quim Barreiros: "a minha avó era professoras primária; e a minha
mãe era analfabeta" (Entrevista de Júlia Pinheiro, SIC, 2021).
Na 1.ª geração, (início do século XX), encontram-se os “honrados lavradores” e “hábeis pescadores” de Gondarém que se refugiam numa” agricultura de subsistência”. A ausência de comércio e a industrialização faziam com que as ditas “competências profissionais” permanecessem nos parâmetros dos ofícios tradicionais. Os "valores de honra" e "palavra dada" associavam-se a uma certa "cultura conservadora e oral", dando origem a uma escassa emigração, para o Brasil e América. O ensino, a nível nacional, com a expulsão dos jesuítas, em 1759, gerou um certo vazio no Reino, apesar da criação das escolas por “Carta de Lei de 06.11.1772”, em que se pretendia laicizar a aprendizagem, com a figura de “Mestres”. A reforma pombalina procedeu ao "monopólio do ensino", através das “aulas régias”, cujos propósitos, em nossa opinião, dão origem à “Escola do Calvário”. No entanto, se durante o século XIX, o ensino primário não era obrigatório e faltavam os mestres públicos, deixando, por isso, grandes lacunas no processo educativo nacional. Ao contrário de muitos países europeus, que no final do século XIX, alfabetizaram os seus cidadãos, o número de analfabetos era enorme neste País. No entanto, em 1911, para se destacar da Monarquia, a 1.ª República avançou com uma "reforma do ensino" que deu alguns frutos, nos quais se insere a “Escola do Calvário", com os seus três anos de ensino oficial.
A "primária" e a "Escola dos Centenários"
Na 2.ª geração, (anos trinta do século XX), assiste-se a uma” explosão demográfica”, que atravessa várias vicissitudes históricas e sociais, mas dentro da qual pouco se valoriza o ensino. No entanto, e, lentamente, começa-se a instituir o “ensino primário obrigatório” com a criação de escolas pelo Estado Novo. A “Escola de Gondarém” insere-se na tipologia do “Plano dos Centenários” (1941-1969), refletindo a arquitetura deste “modelo de escolas”, que foram disseminadas por todo o País. Presume-se, que na década de 50, surja a instalação desta escola primária, cuja construção inicial era simplesmente de rés-do-chão, e, tinha como objetivo essencial combater o analfabetismo, com o seu “ensino obrigatório”. (Nesta geração surgem escassos licenciados em "engenharia e direito", nas famílias abastadas). A trilogia de "Deus, Pátria e Família" constitui um arquétipo nacional e educacional, em que o ensino-aprendizagem passa pela "catequese", pela "escola primária" e pelo "valores familiares". As condições socioeconómicas da industrialização e do comércio escasseiam, ou, são quase nulas, apesar do desiderato de alguma pessoa influente que temia a sua instalação nesta localidade; ao contrário das indústrias do rio Ave. Nos anos sessenta e setenta do Século XX, assiste-se ao grande fluxo emigratório para os países europeus, e, outros. Nesta época, a 4.ª classe torna-se o passaporte para muitos empregos e funções sociais. Apesar do esforço governamental do Estado Novo, esta 2.ª geração revelou um nível de analfabetismo elevado, até ao 25 de Abril de 1974, embora tenha uma época de transição, ou, intermédia. Todavia, a partir dos anos sessenta, e, sobretudo setenta, dá-se uma viragem nas ambições escolares.
Na 3.ª geração
inscrevem-se, obrigatoriamente, os "alfabetizados" por causa da
obrigatoriedade do "ensino primário", ou seja, ninguém podia escapar
à escola. E, lentamente caminha-se para o patamar seguinte, ou seja,
o acesso ao ensino secundário: os liceus, e, as escolas comerciais e
industriais. Todas as capitais de distrito têm ensino secundário, e, para lá
são encaminhados alguns afortunados. A qualificação para certos empregos
implica habilitações do ensino secundário, já que o “ensino primário” se torna
ultrapassado e insuficiente. Nesta 3.ª geração surge o grupo mais extenso de
licenciados. No dealbar da democracia e anos seguintes emerge este grupo de
licenciados que se espalha por outras paragens.
Obs:
«À capela do Santuário do Calvário ainda pertence uma casa existente junto à mesma pelo lado nascente, que pertence à imagem de S. Paio, erecta na dita capela, ali muito venerada. Está arrendada para a escola da freguezia de ensino oficial e rende anualmente dezasseis escudos». Cf. (Arq. Nacional da Torre do Tombo, 15.03.1928).
"Breve apostólico” é uma espécie de “bula”, que envolve “bênçãos, privilégios ou funções”, neste caso, desconhecidas, mas que fizeram dele o futuro cónego de Braga, e senhor da Quinta do Outeiral. À falta de uma capela, ou, ermida erguia-se um “Oratório”, como meio de devoção e oração. Faleceu em Loivo, em 5 de outubro de 1855. Regista-se, o seguinte testemunho: «os meus ancestros clérigos da casa de Gouvim (…) dedicavam-se a ensinar Gramática, Latim e Grego aos adolescentes que almejavam seguir a carreira eclesiástica» (Cf. Dr. Álvaro Guerreiro Silva, V.C.)“