Introdução
“Vila
Nova, a duas léguas de Caminha”, encontra no estuário do Minho, a sua porta de
entrada para o comércio marítimo, para a cobrança de taxas alfandegárias, em
que a segurança e vigilância se estendia pelas margens deste rio, através dos
“postos de guarda fiscal”. A sul de Vila Nova, O “Posto das Faias”, e, o “Posto
da Mota”, com as suas guaritas, são símbolo desta fiscalização. A pesca, fonte
de alimentação e riqueza, não escapava às suas taxas, quer senhoriais, quer eclesiásticas,
das quais resulta, posteriormente, a “cédula de pescador. O último reduto desta riqueza piscícola
surge com a “antiga praça ou mercado do peixe”, em Cerveira, símbolo máximo d’
“Art Nouveau”, com as suas grades em ferro forjado.
Desde o início da formação da nacionalidade portuguesa, que na zona do Condado de Portucale, pelo ano de 1123, surgem as primeiras disputas entre a Coroa, a Mitra e o Cabido da Sé do Porto. Está em causa o direito de cobrança dos impostos pela intensa atividade comercial e marítima. O foral concedido a D. Hugo por D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, desencadeou uma luta entre os “senhores leigos” e os “senhores eclesiásticos”, na disputa dos direitos de cobrança pelas mercadorias, na zona ribeirinha do Porto.
Decorrerão várias dezenas de anos, e, intervenções régias sobre o poder senhorial e o poder eclesiástico, na região do Porto, às quais não devem estar isentas outras e posteriores, em Caminha: quer por causa da Sé de Tui, quer por causa da Sé de Braga, conforme certos relatos. Embora, a cidade do Porto seja pioneira no comércio e formação das alfândegas, por causa desta doação de D. Teresa, pouco a pouco, perderá o seu principal estatuto em relação a Lisboa, futura capital do comércio mundial. D. Afonso Henriques, além de conquistador, ancorava dois barcos, em frente do Mosteiro de Santa Maria de Oia, na Galiza, que mais tarde, perdeu. A passagem e estadia dos “Homens do Norte”, normandos ou vikings, nesta zona ribeirinha e marítima, deixou vastos conhecimentos sobre a construção naval, da qual eram exímios executantes.
- Século XIV
Alvitra-se que o “direito de imposto” sobre as mercadorias atingisse 10% do seu valor, ou seja, o chamado “dízimo”. Por isso, as disputas entre os “senhores laicos” (Coroa) e os “senhores eclesiásticos” (bispos) acerca do “direito de impostos” sobre as mercadorias continuavam, de tal forma que o rei D. Afonso IV, em 1325, mandou construir a existente e renovada “Casa do Infante” para sua própria alfândega. A partir desta data, os “impostos alfandegários” começam a reverter para os cofres da Coroa Portuguesa.
Aliás, a casa da “Alfândega Velha”, prenúncio de aventura e descoberta, foi o local de nascimento do Infante D. Henrique, no ano de 1394, que, mais tarde criou as suas alfândegas. Por tradição e natureza, a laboriosa cidade do Porto sempre foi uma urbe mercantil, de comerciantes e negócios. O edifício da “Alfândega Velha”, com as suas duas torres sobranceiras ao rio Douro, também albergava a Casa da Moeda, onde trabalhou Pero Vaz Caminha.
- Século XV
Em1410, à “Alfândega do Porto” são lhe concedidos “direitos e deveres” alfandegários, cujos regulamentos servirão de base legislativa para outros portos, inclusive o denominado “porto seco” de Vila Nova (Cerveira). O comércio marítimo é uma “fonte de receitas” das zonas citadinas e ribeirinhas que, pouco a pouco, se estende aos portos secundários, incluindo os do rio Minho, que se inserem nas Alfândegas do Reino. Ainda de forma rudimentar, mas sistemática, a extensão das alfândegas, como “fonte de receitas” prolonga-se pelas margens do rio Minho, e, seus locais habitacionais, como: Caminha, Valença, Monção e Vila Nova. O porto de Caminha tem um papel importante, quer a nível da sua periferia, quer internacionalmente. Convém salientar que a “Alfândega do Funchal” foi criada em 15 de março de 1477.
Juntamente com o transporte de mercadorias circulam pessoas entre as zonas mais populosas do País. As naus e caravelas asseguram o mundo dos negócios e das transações. O comércio de importação e exportação entre o Minho e a Galiza ganha grande fôlego com as trocas entre as várias zonas marítimas, sobretudo entre Baiona e Caminha. O pescado, os têxteis e a madeira da Galiza permutam-se pelo sal, vinhos e frutos secos de Portugal. Em 1456, os procuradores de Valença, Caminha e Vila Nova (Cerveira) apresentam um pedido conjunto, nas Cortes, para a constituição de alfândegas nas respetivas zonas ribeirinhas. Em 22 de abril de 1484, a Alfândega do Porto seguirá os ditames do novo Foral de Alfândegas de Lisboa, capital do comércio marítimo português.
- Século XVI
Em 1503, é criada, na cidade de Lisboa, a “Casa da Índia”, cujo objetivo era controlar o desembarque e venda de especiarias e mercadorias, bem como a navegação e o comércio externo, (que dura até 17 de setembro de 1833). É, no período do desenvolvimento do comércio com as Índias, que surge a figura do “despachante oficial”, ou seja, o homem responsável pelas mercadorias e pelos seus intervenientes, junto das autoridades alfandegárias. Caminha, terra de pescadores e barqueiros, torna-se mais próxima de Cerveira, graças um caminho empedrado, pelo ano de 1512. Alvitra-se, portanto, que o início da formação da sua alfândega surja a partir desta época.
Entre os anos de 1534 e 1540 surgem as primeiras
alfândegas no Brasil, juntamente com as capitanias hereditárias. Os vários
“Regimentos e Alvarás”, revelam variadas formas legislativas e cartas régias, durante os anos de 1521 e 1564. No ano de 1539, aparece o primeiro pedido expresso a
D. João III, pelo corregedor de Valença, para a constituição definitiva de duas
alfândegas: uma, em Valença; outra, a duas léguas de Vila Nova, ou seja, em
Caminha. Também, no ano de 1544, os frades do Forte da Ínsua, em Caminha, ressurgem
como “vigilantes” da entrada e saída de mercadorias, relatando que “entrou uma
nau carregada de panos”. Por vezes, as caravelas estacionavam na foz do rio
Minho, fazendo o transbordo para outras naus ou embarcações. Por vezes, a navegabilidade
do rio Minho constituía um grave problema para o percurso das embarcações.
Todavia, no ano de 1559, a ocupação de Portugal pelas forças filipinas, originou uma grande quebra na fonte de receitas sobre as transações de mercadorias com a Espanha. Presume-se que os cerca de “60 postos aduaneiros” diminuíram as suas receitas, por causa desta política comercial, que gerou grande contestação e revolta. O impacto e falhanço desta política alfandegária implicou a introdução do famoso “Papel Selado”, como “fonte de receita” pública. Inicialmente detestada pela burguesia, mais tarde, assumida pelo povo, porque qualquer documento implicava o seu uso.
- Século XVII
Em 16 de maio de 1656, o "Conselho de Fazenda" ordena o
alargamento da Alfândega do Porto, devido ao reduzido espaço para as suas
mercadorias e transações. Durante este tempo de obras, os serviços alfandegários
funcionaram nas dependências da Casa da Moeda. Juntamente com estas obras, a nível legislativo, reaparece o Regimento das Alfândegas dos “Portos Secos, Molhados e Vedados”, com data de
1668.
Nestes tempos circulam relatos sobre o assoreamento do
rio Minho, dificultando a sua navegabilidade. Apesar destes percalços fluviais,
os registos das atividades alfandegárias de Vila Nova são intensos.
- Século XVIII
Em 1 de Janeiro de 1769, institui-se o “livro oficial” da Alfândega de Vila Nova de Cerveira para o devido registo de “ordens, provimentos e provisões”.
«Os registos de provimento e ordens, autos de suspensão, termos de depósito dos direitos reais, registos de cartas e termos de avaliações» constituem as diversas tarefas que incubem a este serviço de fronteiras. Este “livro oficial”, encadernado em pergaminho, tem o seu «termo de abertura feito pelo Administrador-Geral da Alfândega de Lisboa e Feitor-Mor» do Reino, «para a escrituração das guias de finanças». No entanto, desde o ano de 1756, existe a “receita dos donativos 4%”, conforme o “Livro n.º 1, dos anos de 1756 a1759” (Arquivo da Torre do Tombo).
Aliás, a Praça de Lisboa estabelece um donativo de 4% sobre as taxas e impostos cobrados, segundo o Decreto de 29 de março de 1756. Acresce-se, ainda, as várias instruções para os “recebedores e escrivães”, conforme a Junta de Comércio, e, segundo os decretos reais de 14 de abril e de 2 de junho de 1756.
Portanto,
é, em pleno século XVIII, que Vila Nova de Cerveira se confirma como “Porto
Seco”, entre os seus concorrentes de Caminha e Valença, sem esquecer Tui. É
relevante que durante 103 anos, ou seja, desde 1756 a 1859, religiosamente, as
receitas dos donativos de 4% sejam registadas pela Junta da Alfândega de Vila
Nova de Cerveira.
- Século XIX
Entre os anos de 1800 e 1830 dá-se o grande colapso do comércio externo português. Calcula-se, que a fonte de receitas da Coroa seja da ordem de 60% a 80%, que vinha totalmente do tráfego comercial, durante o Império. Em 7 de Setembro de 1822, perdeu-se o principal parceiro comercial – o Brasil (com a sua independência); e, com ele desapareceu 50% do comércio externo português. A taxa generalizada de 15% sobre todas as Alfândegas do Reino, imposta por D. Pedro IV, foi um certo fracasso.
A aplicação do termo «Porto Seco de Vila Nova de Cerveira» (segundo o Arquivo da Torre do Tombo) não condiz com a noção real do seu «porto fluvial e ribeirinho», ancorado na margem esquerda do rio Minho, cujo castelo lhe beija os pés. De forma genérica, a noção de “porto seco” aplica-se a locais distantes das margens de rios, lagoas, mar ou lagos. Como “Porto Seco” de Vila Nova de Cerveira, recaem sobre si, os “reais impostos” em que estão envolvidos o tesoureiro, o escrivão, o despachante, o fiador, o representante e a respetiva mercadoria ou produto, (cujo tempo não deve ultrapassar quatro meses), e, que expressa o «depósito dos direitos reais, registo de cartas e termos de avaliações» Aliás, em épocas anteriores, o Regimento das Alfândegas, segundo o decreto de 10 de Setembro de 1668, menciona três categorias: os «Portos Secos, Molhados e Vedados»
Em 1837 entra em vigor o Código das Alfândegas com as suas taxas e tarifas alfandegárias, que são aplicadas aos diversos produtos. A pauta aduaneira adapta-se às várias mercadorias, das quais se destaca o tabaco.
Em 25 de Setembro de 1859, por obra do arquiteto
francês Jean François Colson, inicia-se a construção da nova alfândega do
Porto. Inaugurada em 1869, o sumptuoso edifício, implantado na antiga praia de
Miragaia, implicou 10 anos de construção. Em 1888, fica ligada por caminho de
ferro – Ramal da Alfândega. Com um enorme cais, a sua plataforma de mercadorias
procura responder ao tráfego fluvial e marítimo desta cidade, até ao
desenvolvimento do porto de Leixões. A emblemática e moderna Alfândega, na zona ribeirinha
do Porto, embora sem grande uso alfandegário, dará utilidade a novas funções culturais.
Em 13 de julho de 1884, inicia-se a construção
do porto de Leixões, considerada a maior obra de engenharia deste século, em
Portugal. Situado na foz do rio Leça, em Matosinhos, a sua inauguração acontece
em 1892, tornando-se num moderno porto comercial, com a sua respetiva
alfândega.
As alfandegas ribeirinhas do rio Minho atingem a sua decadência por volta de 1920. Os novos serviços das finanças ocupam o seu lugar na receção de impostos.
Nos anos de 1990, e, dado o desenvolvimento do Porto de Leixões, a "Alfândega do Porto", na sua zona ribeirinha, por obra do arquiteto Eduardo Souto Moura, foi restaurado e requalificado para se afirmar como Centro de Congressos. Apresenta-se, também, como Museu de Transporte e Comunicações, sociedade privada, criada em fevereiro de 1992. As obras de restauro foram concluías em 1993.
A alfândega de Vila Nova de Cerveira foi uma "fonte de receitas", durante vários séculos, nesta zona raiana, cujo castelo alberga as mais diversas peripécias da sua história e memória, até ser relançada para a Rua dos Pescadores, junto ao seu cais.