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quinta-feira, 12 de março de 2020

(2) - Pelos caminhos do Hotel Boega - A quinta do Cónego - século XVIII - (Um papagaio e duas cotovias)


Em 1580, São Pedro de Mangoeiro encontrava-se “partido em duas partes, a sem cura hé do arcebispo e a com cura de padroeiros leiguos”.Embora o texto não seja explícito, a divisão do território paroquial põe em evidência a isenção do “couto de Mangoeiro”, que alberga a “quinta do Outeiral”. A capela de "Santi Petri Manghoeiro" existe, pelo menos, desde o ano de 1258, zona de pastoreio e criação de gado.

 

 

A propriedade torna-se objeto de disputa entre o poder religioso e o poder civil, ou seja, entre o Mosteiro de Oia e Vila Nova. Assim, já desde 1350, o fidalgo Ruy Lopes de Cerveira aparece como «senhor do “Couto de Mangoeiro” (hoje chamado de Gondarém) e padrinho de S. Pedro Gundarem», (Arquivo do Tombo, 21 de Abril de 1944). Pai do alcaide-mor de Vila Nova, Lopo Rodrigues Cerveira, e casado com Maria Pereira (Cerveira) dá origem às ligações familiares com Fernão Pereira (1540), senhor da quinta de Bertiandos.

 

 

Entre 1444 e 1546 (segundo o censo da diocese de Braga), apesar da expansão dos casais, a quinta ainda não está sob custódia deste arcebispo. Longe estão as disputas entre as dioceses de Braga, Santiago e Toledo. Todavia, o Mosteiro de Oía, continua com as suas prerrogativas, embora, no século XIV, as suas propriedades em Portugal fossem arrebatadas por D.Dinis. Neste interregno de uso e posse da propriedade, a família Pereira, como sócio civil,  insere-se na sua titularidade. Eclesiàsticamente, a margem esquerda do rio Minho permaneceu dependente de Tuy, até ao século XV, ou seja, da sua capital do Baixo Minho -"civitas tudensis".

 

Em pleno século XVII, o fidalgo Francisco Pereira da Siva, casado com Joana de Noronha, senhor da casa de Bertiandos, torna-se padroeiro da Igreja de São Pedro de Gondarém, segundo referência do Arquivo Distrital de Braga (01-04-1648). O padroado abrange um conjunto de privilégios, entre os quais cobrar dízimos (poder económico) e interferir na nomeação do abade (poder eclesiástico), que exerce o citado fidalgo ou deão da quinta de Bertiandos e dos Biscainhos (Braga). Ora, São Pedro de Gondarém era igreja e abadia, e, como tal tinha um “padroeiro leigo”, responsável pela sua administração. Ainda, nesta família, no século XVI, aparece o monge Francisco Pereira, pai de uma filha e senhor do Morgado de Bertiandos. Também, entre 1704 e 1715, o bispo de Faro era António Pereira da Silva, filho de Francisco Perira da Silva, senhor de Bertiandos. Em 1723, a paróquia de Gondarém continua como igreja e abadia, conforme Arq. de Braga (10-12-1738). Somente em 1802 surge uma carta de encomendação da Diocese de Braga, a favor de um serviço de quatro meses pelo pároco vizinho, Costa Pereira (Arq. Distrital de Braga, em 08-11-1802).


Os padroados são criados, sobretudo, a partir do ano de 1532, por intervenção D. João III. Apesar dos seus terrenos e rendimentos, com o seu passal, o padroado da Igreja de Gondarém associa-se a “senhores leigos” que o protegem, e estão conotados com a Quinta do Outeiral. Os senhores (donos das terras) tinham vassalos e camponeses ou servos. Na Idade Média, a instituição mais rica da Europa era a Igreja, detentora de 2/3 das terras. 


É, sobretudo, a partir de 1385, com o conflito entre a diocese de Tui e a Colegiada de Valença, que as freguesias são incorporadas na diocese de Braga, e, retificadas em 1512. Todavia, por sentença, o Padroado de São Pedro de Gondarém queda-se em favor do fidalgo Francisco Pereira da Silva, em 01.04.1648, como já foi referido. Em 1758, esta abadia está ligada, secularmente, a Damião Pereira, senhor da casa de Bertiandos, segundo "Memórias Paroquiais". Por outro lado, é, a partir do século XVII, que na comarca de Valença, começam a surgir os primeiros “registos prediais” das terras destes habitantes com o pagamento das respetivas taxas, e, se prolongam pelo século XVIII.



Portanto, desde o século XVI até 1834, que a estrutura da "arquidiocese de Braga" abrangia a "comarca de Valença" (aliás, nessa época, eram cinco comarcas), o "arcediago de Vila Nova de Cerveira" e o "Padroado/Abadia de São Pedro de Gondarém". «No século XIX, aparecem os primeiros indícios de pagamento de impostos, a nível geral da sua população. A freguesia de Gondarém, em termos administrativos, aparece na comarca de Monção em 1839 e, posteriormente, na comarca de Valença, em 1852. Por decreto de 12 de Julho de 1895, a freguesia foi anexada ao concelho de Caminha, regressando ao de Vila Nova de Cerveira, depois da sua restauração, feita por decreto de 13 de Janeiro de 1898».


Os tempos conturbados prolongam-se sobre a posse e uso da quinta, até à história de "um papagaio e duas cotovias", em cuja narrativa surge um cónego de Braga, como  dono e senhor desta propriedade, no século XIX.. Parece que, posteriormente, em pleno século XX, esta saga causará inspiração ao poeta Pedro Homem de Melo, após dois séculos: 

“por mor de aprender o vira

Fui traído...  “ 

(Mas por fim sei hoje que é mentira) - diz o poeta.

  

"Por mor de casar um sobrinha..."  

"Fui enganado..."-  saga do Cónego da Sé de Braga.                                                         

Por mor de bem casar a sobrinha, o cónego da Sé de Braga, João Crisóstomo Guerreiro de Amorim Pereira, engenhou comprar uma quinta, como dote. O cónego de Braga tinha conhecimento de que um rico “brasileiro” de São Mamede de Ferreira, Paredes de Coura, carecia de uma esposa prendada. Assim, unindo a sabedoria à astúcia, acalentou a melhor forma de constituir um “sacrossanto casamento”, prendado e ornamentado, que de mundano pouco tinha de consagrado. Movia-o, evidentemente, o comum interesse dos mortais, que nos últimos da sua vida, alguém cuida-se de si. 

 

Posto isto, deitou mãos à obra e inicia a reconstrução e remodelação da atual chamada “Casa do Presidente”, onde outrora se erguia um albergue que aos peregrinos do Caminho de Santiago dava guarida. Os alicerces de granito e grossas paredes apresentam uma estrutura pesada e fortificada. Para maior solidez de compromisso, uma doação em vida seria a chave de entrada de um dote anunciado.


Quis o destino que o infortúnio ou azar, caísse sobre o caridoso cónego de Braga, sendo relegado dos seus bens e propriedade, por conflitos com o feliz venturoso António Joaquim Fernandes Lima. Os motivos de tal discórdia estão longe de ser esclarecidos. Mas, a morte prematura de sua consorte ditaram este desfecho infeliz, rapidamente colmatado por outro casamento.

O retorno do Cónego da Sé de Braga, homem da Igreja e do poder eclesiástico, às suas terras não se resumiu a uma "reforma dourada", como tinha habilmente planeado, mas a um exílio penoso. Um "triste papagaio, preso na sua gaiola", ou, melhor dito, vítima da sua ambição. Sem a sua rica propriedade e seus recursos, foi amigavelmente acolhido pelas suas duas irmãs, que por caridade e compaixão, lhe deram guarida, na vizinha freguesia de Loivo. 

 

 A narrativa de um "papagaio e duas cotovias" desenrola-se no papel das alegres viúvas, suas irmãs, que desafiavam a actividade canora do antigo célebre orador, caído em desgraça. Entretanto, o novo senhor da quinta, António Joaquim Fernandes Lima, reconfortava-se na voz popular, esconjurando as pragas e lamúrias que o Cónego de Braga lhe sentenciava em silencioso sofrimento. Para gáudio pessoal e popular avançava com novas obras na quinta.  O paço ou a "casa do senhor" será o melhor dote que sua filha devia ter, como homenagem da capela e da sua padroeira - D. Ana.




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