O ataque desferido contra as “câmaras devedoras” por causa da celebração do Carnaval visa acabar com a tradição portuguesa desta festa mundana e pagã.
Em velhos tempos, “tempos de exame”, um célebre professor de origem polaca, evocava Nietzsche com a sua “transmutação de valores” na radicalização desta festa no Brasil, em referência às suas origens lusas.
Em tempos taciturnos em que a escravização relembra também os velhos tempos romanos, “pão e circo” constituíam um lenitivo ao trabalho das classes desfavorecidas pelo Império.
Apesar da sacrossanta tradição católica portuguesa não “morrer de amores” por tal tradição, ela ressurge como o “destampar da panela” que o povo carece para gáudio da sua folia. E nesta pequena e saudável folia e “mania” (loucura, roubada aos deuses) desencanta-se o inconsciente popular em mera crítica rocambolesca de gigantes sátiros, relembrando as bacantes de Dioniso. Até aqui os emigrantes estrangeiros enaltecem o colorido musical, imagem pálida de um Brasil multicor e ofegante.
Enquanto que em terras angolanas, o Chefe de Estado considerou que “são iniciativas desta natureza que contribuem, de facto, para o reforço dos laços de amizade e de cooperação existentes entre os povos de Angola e do Brasil”, em Portugal retrocede-se no velho arquétipo de um país cinzento.
Se o poder se mantém adverso a estes folguedos, que pelo menos as câmaras continuem a beneficiar da “tolerância de ponto”, já que um povo não vive única e exclusivamente do trabalho, mas também das alegrias das arenas, e do espectáculo que inebria os seus sentimentos.
O carnaval faz parte da língua portuguesa, e a língua é a nossa pátria nas suas diversas latitudes.