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terça-feira, 24 de novembro de 2020

EUROPOLITIQUE: Um fingimento que é dor sentida em que o "poeta é um fingidor" - Fernando Pessoa.

 

O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

 

E os que lêem o que escreve

Na dor lida sentem bem

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

 

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão

Esse comboio de corda

Que se chama o coração.     (1 - 4 - 1931)


«Cada uma das suas quadras representa um conceito» (pg. 51), ou seja, (a conclusão de um hermético silogismo: “o poeta é um fingidor), aliás, como faz referência João Gaspar, e bem, “o poeta não finge”.

Efetivamente, o poeta sofre e sofre demais, que o diga o "agrilhoado" Fernando Pessoa, que parece um Prometeu, roubando aos deuses algum segredo.

«Não basta a etimologia da palavra máscara, para me iludir como pessoa. Como, a sua própria sonoridade não fosse objeto de comunicação. E, no teatro da vida não sofresse esta metamorfose que me angustia». O poeta sofre de tal forma que procura iludir que não há sofrimento.

Não é, por acaso, que F. Pessoa chama o poema de “Autopsicografia”. Psicólogo da sua própria pessoa, ou, máscara, que se afirma como fingidor. Embora, alguém diga: «por isso é legítimo, e simultaneamente errado, afirmar que esta poesia é autobiográfica. Seria mais seguro dizer que reflete e recompõe muita materia autobiográfica» (1)

Exala das suas entranhas uma angústia existencial, que somente o fingimento revela como dor incarnada. Todavia, o poeta é também um ator, que utlizando uma máscara, esconde o seu interior.

Esta minha dor, totalmente minha, pessoal, e, intransmissível aproxima-se daquela dor filosófica: “ this is my pain” de Ludwig Wittgenstein nas suas “Investigações Filosóficas”. O poeta diz: «não as duas que ele teve”, aquela que é comunicada e a outra que é intransmissível; ou seja, aquela que é visível, e a outra que permanece “invisível”.

Objetivamente, o poeta tenta “comunicar esta dor, mas queda-se como fingidor, já que não consegue "relançar no vazio" uma experiência de dor, que os outros nunca tiveram ou não têm.

«Em conclusão "Autopsicografia" encerra, em verdade o pensamento justificativo daquilo a que temos de chamar o «caminho alquímico», através do qual Fernando Pessoa comunica como Absoluto» (pg. 53). Apesar do conteúdo notável da hermenêutica literária de João Gaspar Simões, não relançamos o Absoluto como "porta de saída" do seu poema.

Recentrámos, o poeta, neste jogo do tempo e do mundo, em que o “motor do coração”, como máquina das sensações e dos sentimentos, se afirma através do seu movimento, e, deste modo se desvincula da razão.

Em vez de transcendência, gira-se um imanentismo, tipicamente pessoal e "pessoano " Eu sou um poeta, diria Pessoa, “eu sou um fingidor”, que carrega em si a dor.

É pelo movimento da sua poesia, pelas épocas vindouras que o tempo arrasta que o apreço da sua obra se deve concluir. No centro da dor e do fingimento permanece o coração no seu movimento.

«Os que lêem o escrito/escritor», não sou eu “o que escreve»?

(1) Poesia Ortonónima - Fernando Pessoa, obra essencial por Richard Zenith, ( in prefácio , o drama de ser "eu") pg. 5, Aletheia Editore,  Pub. Expresso, Lisboa  2015

 N.B. (pg. 51 e 53) - SIMÕES, João Gaspar "Fernando PESSOA" - ensaio interpretativo da sua Vida e Obra - Ed. Texto Editores  e Edições Expresso, Lisboa 2011.

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