Na minha tenra idade escutava os poemas
de “Platero y yo”, com uma avidez e candura própria da inocente e singela juventude, que era o fruto de um aluno "colegialmente bem-ensinado". Através dos tempos e suas vicissitudes, as descrições de Juan Ramón Jiménez flutuaram na minha mente como uma onda e uma vaga ideia dessa longínqua e solitária via, que ao longe se avistava em verdes e hirtos ciprestes, apontando ao céu azul a sua agulha. Rasgavam o horizonte como marcos, esses ciprestes verticais, que na borda desse extenso ponto em zénite se estendia através do ar. Abriam-se sobre a quente e plácida planície,
cuja solidão ombreava como qualquer deserto ou ermo, desafiando o resto da paisagem. O cipreste gosta do seu ar solitário, majestático e sombrio. Recorta-se em si mesmo, como testemunho de qualquer verdade escondida. Ergue-se como testemunha de um silêncio, que qualquer túmulo anseia como refém. E, na sua verticalidade solta-se orgulhoso, desejando testemunhar qualquer data, ou, efeméride. E, longe de querer ser efémero, lança as suas tenazes raízes como lápide de qualquer destino. Acólito de uma oculta eternidade, caminha resistente ao vento, gemendo ao impuldo de um lamento, exibindo um certo sentimento.
Eram os ciprestes que me encantavam em "Platero y yo". Era aquela extensa via, cujo mérito só posso imputar aos romanos. E, na linha do horizonte soltava-se um cântico da cigarra, que me encaminhava para os montes de Delfos, cuja pitonisa grega não deixava de me encantar. Por isso, nunca fui capaz de fugir ao seu feitiço e à sua magia. Navego nesta perenidade, neste cipreste, cuja folha parece não ter idade. Na sua verdura enrija-se a dureza do seu caule e da sua madeira, cuja memória revive no soalho que brilha, através da família real portuguesa na igreja de São Francisco, em terras brasileiras. Não sei se confundo cedros com ciprestes, mas ambos são perenes e eternos. Já lá vão os tempos, em que Silves perdeu o acre aromático do comércio da madeira dos cedros, e do domínio árabe se afastou. E, neste contínuo refulgir de verdes imagens que os verticais ciprestes conservam, ressurgiu o aviso, (metafisicamente expresso), do poema de Fernando Pessoa:
«Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo (…)
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo».
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