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domingo, 17 de janeiro de 2021

Europolitique: A “Escola de latim” na Casa de Gouvim - Gondarém (V:N:C:)


Caminho de Santiago na Casa de Gouvim em Gondarém

“Seduziu e engravidou, o Abade..." não era qualquer título ou capítulo das "novelas" de  Camilo Castelo Branco, mas um fato concreto de uma querela na "Comarca do Tribunal de Caminha" que decorria contra um eclesiástico das redondezas, nos tempos em que se preparavam os noviços, ou, os candidatos para as funções eclesiásticas, (junto aos caminhos de Santiago), para as quais era imprescindível a língua latina.

Se, Camilo Castelo Branco, nas suas “Novelas do Minho”, se deleita na descrição destes candidatos da Igreja a uma “barriga farta”, numa “aldeia com recursos”; assim como , assinala o ensino desta língua latina por ilustres mestres, em casas abastadas de ricos lavradores, para a qual nem todos tinham aptidão, a casa de Gouvim, pertencente à família "Guerreiro", exercia uma função benemérita neste múnus.

Por volta do início do século XIX, um morador de S. Pedro de Gondarém candidata-se a “capelão”, cuja origem se deve a uma  abastada casa de lavoura em São Pedro de Gondarém, no lugar de Gouvim, que, juntamente com "Linhares" surge em algumas referências dos "Caminhos de Santiago".

Assim reza, o texto: «requerimento do padre Manuel João Lourenço Guerreiro, morador na freguesia de São Pedro de Gondarém, solicitando a confirmação da sua nomeação como capelão, efectuado pelo abade, o D. Prior-mor de Avis» (Arquivo Torre do Tombo, 1811). Antes deste pedido surge um "processo necessário para a ordenação de pároco", com o nome deste clérigo, ainda com data do século anterior. (Cf. Arq. Distrital de Braga em 02.20.1783). 

Ainda que apareça pedido idêntico para João Manuel Guerreiro, (Cf. reza o Arq. Distrital de Braga, em 30.05.1787); e, também, para Bernardo José Guerreiro, em 22.02.1809, (Cf. Arq. Distrital de Braga).

Mais tarde, em 1819, surge outro pedido de confirmação para possível ordenação em padre, com o nome de João Crisóstomo Guerreiro Amorim, (Cf. Arq. Distrital de Braga, em 23.11.1819). Rezam os "autos de visita ao oratório do Padre João Crisóstomo Guerreiro de Amorim, assistente na freguesia de São Pedro de Gondarém, em casas de seu irmão, João Manuel Guerreiro de Amorim Pereira, desembargador da Suplicação, que ele obteve breve apostólico, para ter oratório particular, tanto no Patriarcado de Lisboa, como neste Arcebispado, cuja graça estendeu também ao suplicante, como se vê no despacho junto». (Cf. Arq. Distrital de Braga, 23.11.1819).

Ora, todos estes eclesiásticos, presume-se que pertenciam à família Guerreiro, sendo os proprietários da Casa Gouvim, casa farta, e, de lavoura. Além de padres na família, com funções privadas ou públicas, como abades ou párocos, exerciam funções de secretariado, como acontece numa visita de trabalho nas freguesias de Braga, no ano de 1758, (Cf. Arq. Distrital de Braga, 1795). O "alforge" destas vocações suscitou o ensino da língua latina para candidatos a funções na Igreja Católica. Alfredo José Martins Guerreiro (15.01.1889) e Inocêncio Carmo Martins Guerreiro (28.02.1889) surgem como candidatos a funções religiosas, conforme o Arq. Distrital de Braga (1889).

Implantada numa encosta do Monte de Góios, e, paralela aos Caminhos de Santiago, a quinta do Gouvim floresceu pela sua riqueza material e espiritual, até finais do século XVIII. Nessa época, já não existia o “chamado baixo clero” da Idade Média, rude e inculto; nem tinham nascido os seminários diocesanos do século XIX, como relata Camilo Castelo Branco. De forma que, à semelhança dos velhos tempos medievais, os discípulos aprendiam na “casa dos mestres”, quer dizer, faziam parte integral da família. Esta tradição manteve-se na memória de muitos patrícios, que ainda nos anos sessenta do século XX, diziam que Gondarém tinha tido oito padres. Deste autêntico “alforge” clerical saíram genuínas vocações para esplendor da Igreja Católica.

É graças, a esta pequena escola de latim, que nascem os vários candidatos às profissões religiosas. Mas, remonta ao ano de 1524, a origem desta casa, que após a sua consolidação como casa agrícola, reuniu uma geração familiar suficientemente abastada e religiosa, para instaurar e prolongar o seu múnus pedagógico do ensino do latim, já que esta função estava reservada aos mosteiros e conventos.

Somente, em 1563, através do Concílio de Trento surge a recomendação da criação de seminários em cada diocese. Ainda que, desde o ano de 1215, pelo Concílio de Latrão IV se ditasse a obrigação da "missa dominical, da confissão e comunhão anual" («mandamentos da igreja»); do mesmo modo, que cada catedral tivesse o seu mestre de ensino religioso. É, em 1288, que D. Dinis pede autorização papal para erguer a Universidade de Coimbra. E, desde 1498, por decisão da Corte, todos os fidalgos portugueses tinham obrigação de ensinar os seus filhos a "ler e escrever", em suas casas. A carência de mestres públicos e de meios para pagar a sua função originou que pessoas mais dedicadas e preocupadas com o ensino do latim exercessem este múnus. Por isso, durante quase dois séculos a família Guerreiro foi uma escola de latim, neste lugar de Gouvim.

Na vizinha freguesia de Santa Marinha de Loivo, também desponta a família "Costa" com a sua "geração de padres",  que, por vezes, rendem serviços religiosos a São Pedro de Gondarém, como é o caso de Padre Manuel António da Costa, em 11.08.1802, (e, outros);  (Cf. Arq. Distrital de Braga).

Mas, antes da primeira escola pública no lugar do Calvário”, cuja origem é do século XIX, e da central escola do "Estado Novo", a freguesia de Gondarém beneficiou desta obra particular e exemplar e destes mestres, durante quase dois séculos, e, que coabitaram na Quinta do Gouvim.

N.B. As pessoas citadas foram objeto de "Inquirições de género":

«Processos necessários para a ordenação dos párocos. Consistem na inquirição de testemunhas para comprovar a filiação, reputação, bom nome ou "limpeza de sangue" do requerente. Incluem os seguintes documentos: requerimento inicial, carta de comissão, inquirições de genere a testemunhas e declarações dos párocos. Estão incluídos nesta série processos de Justificação de Fraternidade que são requeridos quando há, na família, alguém ordenado e com inquirição de genere elaborada e concluída». (Arquivo Distrital de Braga)

1783 - Manuel João Lourenço Guerreiro

1787 - João Manuel Guerreiro

1809 – Bernardo José Guerreiro 

1819 - João Crisóstomo Guerreiro Amorim

1889 – Inocêncio Carmo Martins Guerreiro

1889 – Alfredo José Martins Guerreiro





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