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sábado, 13 de março de 2021

EUROPOLITIQUE; A via dorsal do século XX nas horas da emigração

 

A via dorsal de Gondarém

«Os lugares pequenos têm braços longos e ombros estreitos.

Os braços querem abarcar o mundo.                                         

Os ombros, porém, impedem que nos afastemos de nós.» (1)

 

Nos lugares pequenos, todos proclamam o amor à terra, ou, elogiamos a sua beleza natural; mas, por vezes, sentimos o desejo de viajar, ou, até a necessidade de emigrar. Infelizmente, a emigração deserdou muitos daqueles que se afeiçoaram, não só,  aos maternos, como aos paternos lugares, na esperança de novas oportunidades de vida, que através desta via, se encaminharam para outras paragens.


Estamos a fazer referencia à via longitudinal, ou, à antiga estrada de “macadame”, que sobe desde a Estação dos Caminhos de Ferro até Mangoeiro, pelo centro da freguesia de Gondarém, tornando-se na sua espinha dorsal. Como artéria principal, dá acesso à Igreja paroquial, e, através dela cruzam-se outras vias, de forma direta ou indireta. O seu traçado vertical, com um declive acentuado, afasta-se das linhas horizontais, quer da antiga via romana, quer dos Caminhos de Santiago, que seguem em sentido paralelo ao curso do rio. Esta via, com as suas curvas acentuadas,  emergiu do vale até à montanha, transportando o progresso e a modernidade, que o comboio trazia, durante o Século XX. Mas, em sentido inverso, levando os braços daqueles que nutriam a esperança de novas e promissoras vidas.


 A via longitudinal entre a estação do Caminho de Ferro, em Gondarém, até à intersecção com a estrada Municipal de Vila Nova de Cerveira em direção a Covas, passando pela freguesia de Sopo, foi adjudicada, no final do Século XIX. Por ela, várias gerações deambularam para América, África, e, Europa,, sobretudo, nos anos sessenta do século XX. Construída na velha técnica do macadame, apresenta-se, nos tempos atuais, totalmente asfaltada e delimitada nas suas valetas. Remonta, ao seu primeiro “caderno de encargos”, a devida “memória descritiva e justificativa”, cuja  construção envolveu um “mapa de expropriações”.  Este troço de estrada ficou classificado como o “lanço da estação de Gondarém a Fião”, cujo prazo de construção rondou os cinco anos, ou seja, de 1898 a 1904.  Cf. (Arq. Distrital de Viana do Castelo, 01.01.1889).

 

Esta técnica de construção em “macadame” deve-se ao engenheiro escocês John Loudon McAdam que, em 1820, criou este sistema de camadas de “pedra britada”, que comprimidas com saibro, caracterizavam este tipo de estradas do século XIX, e, que perduram durante o século XX.  As valetas destas estradas deixavam escorrer a água; mas, por vezes, a gravilha soltava-se por causa das chuvas e falta de conservação. Em 1956, procedeu-se à "reparação dos estragos, causados pelos temporais na estrada de Mangoeriro à estação de Gondarém", obra realizada a cargo da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, cujos trabalhos foram efetuados, entre 02 de agosto de 1956 e 11 de fevereiro de 1957. Cf. (Arq. Distrital de Viana do Castelo, 1957). 

  •   «Os braços querem abarcar o mundo.                                         
  •   Os ombros, porém, impedem que nos afastemos de nós.» 

Esta via dorsal da freguesia de Gondarém é o seu "cartão de visita". Através dela espraia-se a panorâmica, quer através do casario que faz parte da terra, quer  através das duas ilhas, em pleno rio Minho, que se revelam nas suas águas. Um local idílico que contrasta com uma forte emigração, que nos anos sessenta do século XX atingiu o seu apogeu. Como diz o poeta: "os braços querem abarcar o mundo", mas apesar do afastamento e da nostalgia "carrega-se sobre os ombros" esta saudade que nos faz retornar ao seio natural, ao lugar que algum dia nos abrigou. Neste retorno não há traidores nem corajosos, somente se procura a partilha daquela via, que a meio do seu curso tem a escadaria do Calvário. E, cada um carrega a sua  cruz, em “ombros”, que nos “impedem que nos afastemos.”

(1)               MIA COUTO, “O Mapeador de Ausências”, pg. 327, Ed. Caminho, Lisboa, 2020.

(2)               Arquivo: Secretaria geral da Economia.         

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