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sábado, 15 de maio de 2021

EUROPOLITIQUE: «Em nome de Gundarêdo e sua história» , segundo Pinho Leal in "Portugal moderno e antigo".

 

«Ninguém entra num lugar se não lhe conhecer a sua história»   Mia Couto “O universo num grão de areia”, pg. 211, Ed. Caminho, Lx, 2019.

No silêncio da palavra Gondarém há uma voz que se levanta, e diz: «eu sou Gundarêdo». O fundador desta povoação, que ousou enfrentar a cidade de Compostela, não deixou órfãos os seus filhos, já que não se renega a paternidade a quem não renuncia ao seu nome. Esta herança coletiva, a todos pertence, desde que reclamem a sua filiação. Esta identificação histórica não se resume a uma simples figura simbólica, mas inscreve-se numa identidade individual e coletiva, que jaz entre a "casa" e a terra paterna; entre um "eu" e um "tu", já que somos e pertencemos a este lugar, e estamos inscritos nesta história, incorporados no plural e no singular.

Nesta viagem, e, neste percurso, seguimos a via de “Pinho Leal”, melhor dito, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa Pinho Leal, em pleno século XIX, que em “Portugal Antigo e Moderno” relata: «se estas são notáveis por serem pátria d’homens celebres, por batalhas ou noutros factos importantes que nellas tiveram logar, por serem solares de familias nobres, ou, por monumentos de qualquer natureza, alli existentes» não deixa de descrever Gondarém, como terra de Gundarêdo. «Por meio das suas veigas passa a bella estrada real, feita em 1864». E, por estradas e caminhos, fomos à procura daqueles que conservam afinidades com Gondarém.

 

1)  Gondarém serrano

Pinho Leal descreve outro Gondarém, “bonita aldeia, Douro, freguesia da Raiva, concelho e 10 kilómetros de Paiva». Onde, predominam habitações de xisto nas suas encostas agrestes, virada para o rio Douro. Efetivamente, a “aldeia de xisto de Gondarém” está implantada numa encosta da margem esquerda do rio Douro, da qual se avista uma paisagem deslumbrante, a dez quilómetros de Castelo de Paiva. (Midões e Gondarém, da freguesia da Raiva, partilham a mesma indicação, embora em sentidos opostos).  No fundo desta encosta, encontra-se um “cais de acostagem” ou ancoradouro,  que permite o acesso à “Ilha do Castelo”, mais conhecida, como “Ilha dos Amores”. A “aldeia serrana” de Gondarém, constituída por “30 fogos”, na descrição de Pinho Leal, atualmente encontra-se quase despovoada, apesar das últimas cinco pessoas que teimam em habitá-la. Pinho Leal atribui-lhe «a mesma etymologia, isto é, vem do nome próprio de homem, Gundarêdo. Talvez o mesmo que fundou o Gondarém da margem esquerda do Minho fundasse este; ou outro normando do mesmo nome – ou seria senhor d’este lugar um Gondarêdo». (Pinho Leal, O.C., Vol. III,  pg.302).

A origem da palavra etimológica que «vem do nome próprio de homem» tem o sentido de antropónimo, (neste caso específico, de Gundarêdo) – constituindo-se, desta forma como o seu epónimo - ao referir-se a uma personalidade histórica, que se concretiza e prolonga através do nome de Gondarém. A representação de Gondarém remete logicamente para o símbolo de Gundarêdo. Nele, se incrusta a sua identificação, de forma que os seus habitantes pertencem a esta família, ou clã; são filhos de Gundarêdo. Pinho Leal reserva esta identificação, única e exclusivamente para os habitantes da margem esquerda do rio Minho; ou seja, estes são os autênticos Gondarenos. «Os descendentes de Gundarêdo foram senhores de Gondarem por muitos annos e se intitulavam os Gondarens ou Gondares, (…)», cf. (Pinho Leal). Neste sentido, qualquer “orgulhoso normando” pode ter dado origem à “aldeia serrana” de Gondarém, relembrando os seus feitos, e, a sua história. Aliás, nas várias incursões vikings sobre a Galiza, muitos normandos espalharam-se pela costa portuguesa, dedicando-se à pesca e outras atividades, cujo núcleo mais famoso se constituiu na Póvoa de Varzim. As ilhas e os locais junto aos rios exerciam uma forte atração pela sua permanência nestes “homens do Norte”. Por isso, no fundo da encosta e no meio do rio Douro, permanece uma encantadora ilha, com um pequeno cais de acostagem, cujo nome rivaliza com a “Ilha dos Amores” do rio Minho – esta "Ilha Castelo". Assim, na confluência do rio Paiva com o rio Douro, a “Ilha do Castelo” ressurge na plenitude da sua verdura e beleza, como "Ilha dos Amores"; onde, se presume escondida, uma pequena ermida do século XV.

“Como não há uma, sem duas”, acresce-se outra aldeia, com o nome de Gondarém, por terras do interior de Portugal, na zona de Bastos. Na freguesia de S. Nicolau, em Cabeceiras de Basto, existe um lugar com o nome de Gondarém. Nada menos de 78 habitantes, segundo o censo de 2011, moram nesta pequena localidade, a cerca de 10 km da Vila de Cabeceiras de Basto. Desconhece-se a razão da origem da etimologia deste lugar; no entanto, a sua nomenclatura remete, hipoteticamente, para qualquer descendente de filhos de Gundarêdo.



2)
Gondarém citadino

A «rua» e a «praia» de Gondarém que estão assinaladas na foz do rio Douro, na sua margem direita, são sentinelas ou marcas de Gundarêdo, a cuja passagem ou incursão, os normandos ou “filhos de Gondarém” estão interligados. Qualquer vestígio ou rasto ficou registado na “foz do rio Douro” para que se evocasse esta afiliação, como marca indelével desta personagem mítica ou lendária, que é Gundarêdo. A terceira incursão normanda, comandada por viking Gundarêdo foi a mais terrível e destruidora na sua devastação, sobretudo, na Galiza do Norte, e, em especial, em Santiago de Compostela. O numeroso grupo de normandos percorreu toda a costa portuguesa até Silves, onde se perderam algumas embarcações. Na margem direita do rio Douro, em terras portucalenses, ainda se conserva alguma memória destes aventureiros de Gondarêdo, que, certamente suscitaram algum ensejo de autonomia e independência face à Galiza do Norte. O Condado Portucalense nutria um grau muito forte de autonomia e independência face aos senhores da Galiza do Norte; e, à cidade do Porto estava reservado o estatuto de futura capital para o primeiro reinado de um hipotético “Rex Portucale”. As vicissitudes históricas foram adversas, já que Nunes Mendes não conseguiu a independência e o título de Portugal, em 1070. Apesar da derrota, em 18 de janeiro de 1071, nem o ambicioso Garcia, filho do rei Fernando I de Leão e Castela, conseguiu ser aclamado “rex portugalliae et galleciae”, por oposição dos seus irmãos. (Ainda que alguém alvitre que o primeiro rei de Portugal possa ser o rei Garcia, filho de Fernando Magno de Leão e Castela). Mais tarde, em 1094, foi restabelecido o Condado Portucale por Henrique de Borgonha, casado com D. Teresa, e, pai de Afonso Henriques.

P.S.

(1) «Um documento setecentista, que indica os limites do couto de S. João da Foz, diz que este começava «na ponte da praia, junto ao mar, que fica por baixo do Castelo», e daí seguindo sempre pela beira-mar, «vai continuando até um lugar que chamam Gondarém...» - «...que parte pelo ribeiro de Gondarém...», diz-se noutro lugar. ("Toponímia Portuense" de Andrea da Cunha e Freitas)».

(2)"Gondarém (Pt. e Gz.) - de Gunduredi, genit. de Gunduredu, antropónimo germânico. como dizer "propriedade ou quinta de Gunduredu". graf. altern. (Gz.): Gondarén. variante: Gondarei (Gz.) - graf. altern. Gondarey."  Toponímia galego-portuguesa e brasileira 


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