Se a terceira incursão viking, comandada por
Gunderedo ao Noroeste Peninsular, foi a mais longa e terrível a que a Galiza
assistiu em 968, já que este chefe ou “rei dos mares” dominou completamente Santiago
de Compostela e arredores; o quarto ataque normando da história da Galiza, a
mando de Olaf, não ficou sem deixar sangrentos rastos ou vestígios da sua destruição,
aos quais não escapou a diocese de Tui.
Na senda destas aventuras de rapina e de saque,
seguiu-se a chegada de “ULF – O Galego”, por volta do ano de 1028. Este
epíteto deriva mais da longevidade da sua estadia, do que da sua bravura. A sua permanência
nas costas da Galiza é de tal forma constante que a sua estadia que se tornava
incómoda e intolerável. Apesar dos esforços na construção naval, a Galiza não
possuía barcos capazes de enfrentar estes náuticos inimigos, que até os árabes
temiam.
A este bando de
proscritos, não lhes chegando as zonas costeiras, onde tinham os seus barcos
ancorados, nada os impedia de se afoitarem até aos íngremes penhascos para se
aliarem a qualquer senhor leigo, carente de algum auxílio. Porventura é
demasiado situá-los nas pedras do que hoje é o santuário da Penha, para exibição
dos seus dotes de guerreiros e aventureiros. Todavia, consta-se, que já pelos
anos de 1032, à semelhança de outras alianças árabes desta época, prestam um
precioso auxílio ao conde galego Rodrigo Ramoriz na sua luta contra “uns mercenários
bascos” que se tinham instalado nos penhascos de uma “Penna”. Esta aliança deu
os seus frutos e manteve-se noutros ataques, junto da região de Lugo, mas
continuando a controlar as zonas marítimas galegas, em frente à ria de Vigo.
Todavia, o
primeiro desaire de Ulf em relação à cidade de Compostela, tornou-o num espécie
de aventureiro, num “salteador de terra e mar”, num “mercenário de rios e
costas” que desafiavam as pacatas gentes da Galiza, habituadas ao trabalho dos
campos e ao pastoreio. Aliás, o lema dos monges agrícolas era “reza e trabalha”
– “ora et labora”. Por isso, as alianças com certos senhores leigos corriam-lhe
de feição, já que também beneficiavam do apoio de “alguns patrícios” espalhados
pelas costas e areais da Galiza do Sul. Disso é testemunha, o célebre grupo de
pescadores da Póvoa desta época, peritos na arte da pesca, cuja origem é
normanda, e cuja lancha “poveira” mantém a sua marca simbólica.
Este “bando de
mercenários ou proscritos” não se coaduna com a tradição dos usos e costumes
que começam a imperar nos peregrinos e “caminhos de Santiago”. Nos meados do
século X, Santiago de Compostela já goza de algumas peregrinações que se
dirigem ao seu santuário. Uma das primeiras peregrinações é justamente do bispo
francês Gotescaldo, da região de Puy de Dome, pelos anos de 950 ou 951. Ou
seja, desde o ataque de Gunderedo a Compostela, em 968, que os caminhos estão
abertos até esta cidade, mas somente no século XII atingem o seu auge. Os seus
devotos e romeiros rumavam junto ao túmulo do Apóstolo, que suscitava a
conversão ao cristianismo de muitos normandos.
As costas e a ria
de Vigo, com as suas redondezas, eram o “espaço marítimo” de eleição de Ulf- “O
Galego”, durante os seus 15 anos de estadia, nesta região. Todavia, pelos anos de 1047 ou 1048, as
cavalgadas de Ulf vão encontrar um adversário temível. Crescónio era bispo de
Iria Flavia e amigo da diocese de Compostela, cujas muralhas lhe devem o seu
reforço. Como chefe espiritual e comandante militar, Crescónio já tinha mandado
refortificar as famosas “Torres de Oeste” (Castellum Honestium), na baía de
Arousa. Frente a este ousado adversário armou um exército organizado e
apetrechado que afastou das suas costas e limites, este chefe viking e seu
grupo.
As cavalgadas de “Ulf-
O Galego” pelo Condado de Toronho, que duraram 15 anos, deixaram vestígios de
grande razia e favoreceram os senhores portucalenses. Cada vez mais, as
planícies de Braga, Famalicão e Guimarães se fortalecem nas suas gentes e nas
suas atividades agrícolas, criando as condições para uma maior riqueza, independência e autonomia.
A “Era Viking” caminhava lentamente para o seu declínio, que acontece por volta
do ano de 1066, quando acontece a morte de Crescónio, junto às Torres de Oeste. Se o ano de 966 marca a chegada de Gunderedo, o ano de 1066 assinala o fim da “Era Viking”, e, o ano de 1166 culmina com a conquista de Évora, por Geraldes "Sem Pavor" e Afonso Henriques. Os encontros belicosos e
conflituosos entre escandinavos e galegos transformaram-se em relações
amistosas e cooperativas. Por ironia do destino, anos mais tarde, serão
chamados arquitetos normandos para a reconstrução da catedral de Santiago de Compostela.
Obs: "Mas em 1049, o Papa Leão IX (1048-1054) temendo um cisma excomungou o Bispo Crescôncio por pretensão de querer equiparar Santiago de Compostela a Roma". (Peregrinos e Peregrinação na Idade Média, vários autores, Ed. Vozes - São Paulo, 2018).