Nos anos sessenta do século XX, ainda deambulavam lobos pelas serranias da Pena. As raposas já faziam parte da tradição no assalto das
capoeiras, mas, os javalis tornavam- se raros nos campos de milho. Se algum
potro encimava o alto do monte, os veados já não desciam à beira-rio. E, nas
terras do veado, que se tornara vila recordavam-se os tempos dos seus três
conventos medievais: São Paio, Valboa e Santa Marinha.
«O lobo olhou-me, em cima da fraga. O seu olhar fixou-se em mim. Parei. A distância não era grande. Não hesitei frente ao seu olhar. Fiquei em pé, estudando a reação do animal. O lobo deu meia-volta e deixou-me plantado, inerte no solo. Sozinho, o meu desafio e a minha tarefa de visitar o Convento São Paio ficou a meio do seu destino».
Noutros tempos, existiam pedaços de território que escapavam à legislação
régia ou eclesiástica. Estes aglomerados populacionais eram o refúgio de alguns “foras
de lei”, que tinham sido ladrões ou salteadores de estrada, que estiveram doentes ou foram alienados, e, se
escondiam por trás de cerros com os seus fraguedos. Os cerros de montanha funcionavam como abrigo e refúgio, por isso eram zonas do território
isoladas e distantes da comunidade, onde se escondiam estas pessoas fugidas da
sociedade, ou, até da escravidão. Quase seminómadas, além do cultivo das suas
pequenas parcelas de hortas, dedicavam-se ao pastoreio de rebanhos de ovelhas e cabras. Com a sua coragem desafiavam
os lobos e outros animais. Não pagavam taxas, nem dízimos, e, deste modo, gozavam de certa autonomia de liberdade, já que, muitas vezes, se mantinham escondidos, como alienados ou desquitados da sociedade. A sua arte e engenho desenvolvia-se
nas tarefas de pastoreio, muitas vezes, “sem eira nem beira”. Estes locais fechados e escondidos, que abrigavam simples pastores, com
o tempo, inseriram-se nas sociedades ao redor, construindo as suas capelas,
num processo de identificação com as suas comunidades.
Este recondito lugar da “Bagoada" da freguesia de Loivo, no sopé do monte de Pena, situa-se entre os seus dois conventos: convento de São Paio e convento de Santa Marinha, para não dizer um terceiro,
já que em Campos existia o convento de Valboa, fazendo parte da comarca de Via Nova de Cerveira. Ou seja, o centro administrativo e
militar de Cerveira, os ditos conventos, e, as zonas do vale e quintas adjacentes junto ao rio, com os seus “honrados lavradores” e exímios pescadores, deixavam à deriva
uma zona, cujo território propício,era, não só, para lobos e raposas, ou, até
javalis e veados; mas também, para aqueles ousados pastores com as suas cabras e
ovelhas. Se era refúgio de “navalhistas impenitentes”, ou, “madalenas arrependidas”, que das fragas tiravam a sua coragem de vida, persistem algumas incógnitas. No entanto, nestes cerros de montanha viviam os proscritos e amaldiçoados da sociedade, onde se acotovelava uma pinha de cabanas de colmo, de encosto aos
cabeços das fragas.