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domingo, 20 de dezembro de 2020

EUROPOLITIQUE: O Jovem Demóstenes das águas do rio "Mínius"

E, do mais profundo mundo soava: ....
«Senatori Romani...Senatori Romani..."

 

E vós, Tágides minhas, pois criado

Tendes em mi um novo engenho ardente

Se sempre, em verso humilde, celebrado

Foi de mi vosso rio alegremente  .......(Camões, Canto 1, Estrofe 4)


 

Remoía-se o poeta em convulsões líricas, cujas musas indecifráveis sopravam no seu espírito atribulado. Não era a pretensão do estro de Camões, que na sua gloriosa epopeia, evocava as suas Tágides, nem eram as mais recentes candidatas a este estatuto - as musas Miníades - que pretendiam instalar-se em renovada força inspiradora deste rio, cujo batismo romano era de "Mínius". Estas mais recentes musas eram escravas de Baco, a quem os Lusitanos também deviam alguma filiação; e, desta tribo também se afastava o jovem Demóstenes, já que pertencia aos “galaicos”. Mas, a cartografia de uma localidade nem sempre coincide necessariamente com a geografia visível, em que as águas do rio Minho tinham devorado três inocentes crianças, por causa do feitiço e do encanto da sua bela “ilha dos Amores”. Por isso, o trio das musas Miníades não podiam implorar a clemência do seu deus com o rapto destas três inocentes criaturas, que as águas lhes ofereceram sem qualquer tributo, e, em forma de angélica oferenda. Neste momento, o trio das inocentes criaturas ascendia,  pela voz do poeta, agora, transformado em tribuno, a uma operação maior que a sua cartografia representava, elevando-se à categoria de uma menção discursiva, somente, auditada pela Cúria Romana.


Esta operação de desmontagem através do tempo e da história, pretendia ultrapassar a relação de espaço geográfico e visível, (ainda que, não longe da sua localidade, se avistasse uma ponte de origem romana), para se incrustar nas fendas imaginárias da sua projeção que a retórica convocatória pressupõe como desígnio reivindicativo de um passado ainda presente. Para além de convocar a assembleia dos distintos tribunos romanos, pretendia-se chamar e reclamar a atenção de um mapa, em que o seu lugar habitual gire em torno de notável mundividência. No alto das suas verdes margens ecoava a mais pura língua latina na sua origem. 

«Senatori Romani...  // Se..na..to..ri...  Ro..ma..ni...»

Esta paisagem que vemos e admiramos, bucolicamente bela na sua exuberante natureza, encobre imprevisíveis eclipses históricos, que a romanização deixou como peugada da sua influência militar e jurídica. Não nos bastou receber a fonte do direito e a técnica da sua engenharia como herança, mas também, o cunho e registo deste rio romano, cujo nome senão é no seu sentido de menoridade, ou, “mínimo”, foi nomeado “mínius”, ou seja, Minho. Caudaloso nos seus invernos, e, temível na força das suas águas somente se deixavam atravessar em suas águas mínimas. Dos mais célebres romanos, que atravessaram as suas águas, ergue-se Decimus Junius Brutus, (180-113 -A.C) cujo nome ficou associado às suas façanhas, como o “Gallaecus”, após duras batalhas com os galaicos. Ainda, hoje, as vias romanas são testemunho das suas campanhas. Mais tarde, Caius Julius Caesar (100-44 a.C.) diria destes “galaicos” que «há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar». Este orgulho da sua independência teve a sua mestria em Viriato que, por três vezes, derrotou os romanos. Mas ao Império Romano nada escapava e o Noroeste Peninsular tornou-se na mais extrema província romana – a Gallaecia.

 

A “Gallaecia” era a última extremidade do Império Romano, a província do Noroeste Peninsular, onde foi assinalado um promontório como “finis terra”, indicando que o fim do mundo acabava neste plano planisfério. Associado ao cabo de “fim de terra” surgia a fantasmagoria do “fim do mundo” com os seus monstros, as suas bestas negras e os seus mostrengos, (que, mais tarde, também emergiam nos relatos dos escritores árabes, acerca dos perigos deste mar). Ora, no ano de 136 (A.C.), chegando às águas tranquilas e sonolentas do rio do “esquecimento”, ou seja, o rio Lethes (da morte), as tropas romanas, temerosas e assustadas com os fantasmas destes monstros, estancaram aterrorizadas e perplexas, plenas de receios e medos. E, temendo esquecer a sua identidade e pátria com a ousadia de atravessar o rio Lethes, desafiaram o seu chefe a ser o pioneiro desta façanha, que foi obrigado a chamá-los pelos seus nomes, tendo erguido o seu estandarte romano, na outra margem, como símbolo da sua audácia. Mas, os medos e temores surgiram, de igual modo, na aproximação às águas do rio Minho. Somente, após o sono refeito, e, após o acampamento no lugar da Gandra (Valença do Minho), refizeram o seu caminho militar por terras acima, até à futura cidade de Lugo. 


A sua ousadia oratória não recaía naquela paixão de quem o tratava por “patrício”. Nem se atribuía a uma simples afinidade local, mas, por retomada cultura latina, reivindicava alguma suposta descendência das famílias romanas, cujos fundadores de Roma, tinham o direito de participar na Cúria. Apesar de “homem livre”, e, longe da escravidão, ascendia às ilustres clãs romanas, onde o seu  Senado Romano se compunha de um venerado “conselho de anciões”, cuja argúcia e talento, somente podia ser despertada pela voz deste tribuno.

 

Relembrava-se que os autênticos “galaicos” residiram na região da foz do rio Minho, e, que os seus castros, apesar de estarem no cume das montanhas, se distinguiam dos montanheiros “galaicos lucenses” e dos vaqueiros “galaicos brácaros”, cujos povoados se dispersavam em amontoados de tipo “castella”. Nas terras dos autênticos galaicos escondiam-se os verdadeiros monstros que se transformavam em autênticos fantasmas, ou, figuras míticas, aterrorizando as tropas romanas. Por isso, desta longínqua província do Império Romano, soltava-se o mais lancinante grito que jamais tinha ecoado no Noroeste Peninsular.

«Senatori Romani…senatori romani…»

Este digno introito, dirigido aos senadores de Roma, não tinha nada de profético, se não tivesse sido proclamado por Tito Lívio: «vai e anuncia aos Romanos que a vontade dos Deuses é que a minha Roma se torne capital do mundo. Que eles se tornem proficientes na arte militar e passem para os seus filhos que nenhum poder na terra pode resistir às armas romanas» (Cf. Titus Livio, “ab urbe condita”. Liber 1.16).

 

Todavia, a locução de “senatori romani” se não era o retorno de alguma clemência perante a cúria senatorial, tão do agrado da distinta assembleia romana, que dos seus elogios gravitava na sua clemência, tornava-se, agora, uma forma de anátema ou infâmia, que destemperava, no aval judicativo, os mais distintos e credíveis tribunos.

 

Tinha chegado a hora de convocar todos os deuses romanos, todas as forças ditas divindades católicas e apostólicas, todos os “delfos” perdidos pelos vândalos, que através da história, marcaram a terra perdida desta longínqua província romana. Através da língua da “Cidade Eterna” e da nova língua do poeta do Lusíades, ressuscitavam-se dois impérios tão distintos que imbricavam na jurisdição romana do poder, mas a cuja jurisdição a Roma competia. Nem a autoridade papal, nem o sacrossanto império franco, destronavam a língua dos poetas bucólicos romanos, que emergiam como murmúrios nas serenas águas do rio, quiçá, desse rio do esquecimento. A sua natureza poética ressurgia dentro de uma força abissal, que aos antigos mostrengos marítimos fazia relembrar. E, na profundeza oratória arrastava-se pelos ares, num impulso, a palavra do jovem orador. Como movimento de um moinho de vento rodopiava na sua língua romana:

«Senatori romani…senatori romani…»” 

Ouvi, senadores romanos, onde está essa “Espanha cravada de metais, tais como: chumbo, ferro, cobre prata e ouro”, dizíeis, vós, na vossa língua: «Mettalis plumbi, ferri, aeris, argenti, auri, tota ferme Hispania scatet.».

Ouvi, senadores: onde está esse rio, onde corria ouro e prata, que as vossas moedas faziam luzir?

Ouvi, senadores: onde estão os vossos barcos, já que as legiões romanas deixaram vazio o leito deste rio?

Onde está o rasto e percurso da “via per loca marítima”, cuja ponte jaz detrás desta minha montanha?

Onde estão as vossas quintas romanas que se embelezavam com as duas ilhas do meu rio?

«Senatori…romani…senatori…»




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