Gondarém, cujo
nome deriva de Gunderedo, tem o seu nome espalhado pelo mundo, através da voz de Amália Rodrigues, cujo fado é da
autoria de Pedro Homem de Mello, insigne poeta e admirador do folclore e do
quarteto da "Gota de Gondarém”, divulgada pela rádio e televisão.
Considerada "aldeia do Vaticano", pela construção de vários prédios sociais e culturais,
actualmente, pertencentes à “Junta Fabriqueira da Igreja”, foi por impulso e
vontade do Padre Américo, uma das freguesias mais modernas, a nível
eclesiástico, em meados do século XX.
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Remonta ao período castrejo, o
povoamento desta freguesia, num pequena colina, de nome "Castro",
situada entre dois cursos de água, que dão origem ao seu maior ribeiro, pejado
de moinhos, (cuja origem destes artefactos remontam ao século X). Os seus
habitantes irão viver para outros lugares, refugiando-se num local mais
altaneiro, como Mangoeiro, dedicando-se à caça, criação de gado, produção de
leite, e, outras actividades agrícolas. Esta comunidade primitiva,
possivelmente, estaria interligada com o “Castro
Santa Tegra”, no “Monte Santa Tecla”,
com um numeroso contingente de habitantes (autêntica metrópole), cujas ruínas
são ainda bem visíveis, e, com uma cultura castreja milenar e anterior à era
cristã. (Este paralelismo, encontrá-lo-emos, posteriormente). Apesar dos
vestígios arqueológicos, até ao século X, as referências bibliográficas são
praticamente nulas.
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No século II, a
ocupação pelos romanos desta região, e pelo percurso de uma via secundária, chamada "per loca
marítima", entre Vilar de Mouros e
Santa Maria de Lovelhe, (Cerveira, onde foram encontrados vestígios
romanos), certamente que deram origem a qualquer "villa romana",
de cujas origens surgem,
posteriormente, com o aumento da população, os "casais", com os seus
“senhores”, detendo autoridade e poder sobre os camponeses e servos que
trabalhavam nos campos, pomares, vinhas e moinhos. Posteriormente, o percurso
desta via secundária da época dos romanos, aliás, pouco solidificada, dará
origem aos famosos “Caminhos de Santiago”.
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É, em pleno século X ,que o nome desta
freguesia começa a fixar-se e radicar na palavra – Gondarém -, fazendo jus à
chegada de "jarl" Gunderedo, pelo ano de 966, a quem os árabes
tratavam por "Rey Gunderedo" («navegaron
bajo el mando de su rey Gunderedo»,
conforme relata a “Primera Crónica General de Alfonso X, el Sabio, ed. Ramón Menéndez Pidal, Madrid, 1906). Nome de origem
hispânica, e, cujo famigerado "castelo" se confunde com
"Boega", nome da maior ilha do rio Minho, em frente desta freguesia,
segundo relata o famoso geógrafo árabe Al Idrisi, no seu livro (Descripción de España). Aliás, Al
Idrisi afirma que existia um “castelo de
difícil acesso”. A fama de Gunderedo ficou célebre nos seus ataques a
Santiago de Compostela, pelos anos de 970, correndo a “ferro e fogo” a Galiza
do Norte. Como hábil negociador nunca importunou, quem lhe deu acolhimento,
dominando a Galiza durante dois anos, com a conivência de alguns senhores
da Galiza do Sul.
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Antes da fixação deste nome, e, do séc. X, existia S.
Pedro de Mangoeiro, com a sua “igreja de madeira”, que servia os homens
dedicados à caça, e criação de gado. Por isso, em alguns documentos surgem
citados, ao mesmo tempo, Gondarém e S. Pedro
de Mangoeiro, referentes ao século XIV,
sob domínio do Mosteiro de Oia, em que surgem três casais, demarcados para o
primeiro, ou seja, com três títulos; e, nenhum para o segundo. Quer dizer, que,
pouco a pouco, Gondarém ultrapassa Mangoeiro, que se torna num lugar
secundário.
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Os casais e os seus
títulos (3) revelam a existência de senhorios que eram proprietários,
responsáveis perante a autoridade fiscal, ou seja, o Mosteiro de Santa Maria de
Oia, pelo pagamento de impostos e pelo exercício da autoridade. Calcula-se que
a média de cada “casal” rondava os 30 habitantes. Deste modo a população de
Gondarém, em pleno século X, não atingia os cem habitantes, de forma que a
estadia do “rei dos mares” (Lord of
ocean), ou, “jarl” Gunderedo, com a sua exagerada frota de cem barcos, não
encontrou qualquer obstáculo para a sua fixação. No entanto, nessa época,
Gondarém ultrapassava a população de Cerveira. Além disso, uma antiga e sólida
habitação no lugar que permanece como "Couto", remete para a figura de algum
senhor, detentor de certos privilégios e imunidade, com liberdade
administrativa, judicial e financeira.
Estes três senhores de Gondarém protegiam os seus
camponeses e servos, que lhes deviam obediência, trabalho e impostos;
estabelecendo a lei, exercendo a justiça, e, limitando a sua liberdade.
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Mas, a “Ecclesia de Mangueiro”, segundo o Arquivo Nacional/Torre do Tombo
(1258-1259), continua com a sua primazia, contribuindo com uma taxa de 75
libras na dita luta contra os mouros, ainda que esteja dependente do bispado de
Tui;, e, somente em 1513 retorna ao arcebispado de Braga. (Aliás, o conflito
acerca do poder eclesiástico entre a arquidiocese de “Bracara Augusta” e
Santiago de Compostela foram constantes e seculares; e, consta-se que Gunderedo
nunca desferiu qualquer ataque contra Tui). A descoberta do túmulo de Santiago,
por volta do ano 813, reduziu a influência eclesiástica da arquidiocese de
Braga, com os seus concílios, e, com a antiga influência dos seus bispos, como
São Frutuoso e São Martinho de Dume. De certo modo, Braga abdicou do seu
título de dignidade metropolitana face
à pressão de Compostela, segundo o «El
Crónicon Iriense») .
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Portanto, antes da criação da fronteira
política no século XII, com o nascimento de Portugal, até ao século XIV,
Gondarém prestava ainda tributo e pagava os seus impostos ao Mosteiro de Oia,
sob a tutela do bispado de Tui. O Mosteiro de Oia possuía um total de 69
títulos, onde se incluía os nomes de Gondarém e S. Pedro de Mangoeiro, entre
Minho e Lima.
Encaixado no antigo Condado de Toronho (em frente a Gondarém),
e, com o lema “Ora et Labora” dos monges de Santa Maria de Oia, que se
dedicavam, tanto à oração, como à agricultura, este Mosteiro detinha um vasto
património, cujo “escritório” garantia os seus direitos, aos quais Gondarém e
Mangoeiro estavam filiados, segundo relata José Marques em Sep.da Revista de
História, em 1958.
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Pouco a pouco, com a independência de
Portugal, Gondarém encaixa-se em Cerveira, sede municipal, com o seu castelo,
que possuía alcaide e tabelião, e, que procurava emancipar-se do mosteiro de
Oia, ainda que sob forte influência eclesiástica da Colegiada de Valença, que
exercia um domínio senhorial na extensa e rica “Granja da Silva”, (com os seus
24 títulos), cujo conjunto de quintas eram exploradas e trabalhadas pelos
monges leigos, sujeitos aos seus mosteiros. A implantação de fortificações e
castelos contribui para a defesa e independência de Portugal face à Galiza do
Norte. (Ainda, que o Condado de Toronho, com o seu Mosteiro de Oia, tenha sido
a maior desilusão do primeiro rei de Portugal, onde possuía dois barcos, e,
onde se apaixonou pela filha do seu conde).
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Entre os séculos XII a XIV, segundo
relata o livro "Inventário Colectivo
dos Registros Paroquiais",
Vol. 2, Norte Arquivos Nacionais /Torre do Tombo: "Em 1258, com o nome de Mangoeiro, é citada na lista das igrejas,
situadas no território de Entre Lima e Minho, que pertenciam ao bispado de Tui". No entanto, em 1320, aparece enquadrada
no arcediago de Cerveira, sendo uma das igrejas do bispado de Tui, no
território de Entre Lima e Minho. Nesse ano, e como se refere no inventário
daquelas igrejas, mandado elaborar por D. Dinis, à igreja de São Pedro de
Mangoeiro, foi aplicada uma taxa de 75 libras.
Portanto, durante dois séculos, e, com as inquirições do
ano de 1258, relativas ao rei Bolonhês, a Freguesia de Gondarém teria a
designação de Mangoeiro, contrariamente à importância dada pelos documentos do
Mosteiro de Oia.
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Somente, em princípios do século XVI, as freguesias de
Entre Lima e Minho foram incorporadas na diocese de Braga, por D. Diogo de
Sousa que mandou avaliá-las. O seu rendimento foi então calculado em 714 réis e
7 pretos.
No ano de 1546, São Pedro de Mangoeiro,
actualmente Gondarém, encontrava-se inserido na Terra de Vila Nova de Cerveira,
rendendo 70 mil réis. O Censual de D. Frei Baltasar Limpo, na cópia de 1580,
utilizada pelo Padre Avelino J. da Costa, na elaboração do seu livro "A
Comarca Eclesiástica de Valença do Minho", refere que, nesta época, São
Pedro de Mangoeiro se encontrava "partido
em duas partes, a sem cura hé do arcebispo e a com cura de padroeiros
leiguos".
A
igreja matriz, cuja construção está datada pelos anos de 1559 e 1565,
com uma capela-mor de relevo arquitectónico, marca definitivamente a
consagração do nome de Gondarém, já que, até 1513, predominava a “Ecclesia
Mangueiro".
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Acresce ainda, que a edificação da nova igreja, no centro
de duas colinas, monte "Castro" e a elevação do “Couto”, aponta para
o nome definitivo da freguesia de Gondarém, segundo relatos do Padre António
Carvalho da Costa, célebre historiador da "Chorographia
Portuguesa", que destaca também Gunderedo, na sua origem etimológica.
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Segundo
afirma o Padre António Carvalho da Costa,
na sua "Chorographia Portuguesa", a freguesia de
Gondarém era abadia,
rendendo a metade curada
"que
presentão os senhores da Casa de Bertiandos
por a família dos Cerveyras. cujo
Morgado possuo
aqui Manoel Ferreira d' Eça, senhor da Casa de
Cavalleiros, por
descendente de filho mais velho. 300
mil réis e a outra metade, simples, data
do Ordinário,
rende 120 mil réis'. O antigo lugar do Passal, hoje,
Igreja
atesta que certos terrenos faziam parte deste
antigo património, que
considerava Gondarém como
abadia. Além de abadia, possuía um patrono, ligado à
família Bertiandos, segundo as “Memórias Paroquiais”
do ano de 1758, cujo nome
era Damião Pereira,
responsável pelo pagamento de tributos eclesiásticos.
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No
século XVII surgem duas construções que marcam o “património estético” da
freguesia de Gondarém. O Solar ou Casa da Loureira, cuja construção inicial
remonta ao final do séc. XVI, mas finalizada com a sua imponente fachada, tipo
castelo, no século XVII, pertence à família Coutinho. Este solar alberga um
certo património artístico, em que se inclui uma capela particular e um belo
fontanário. A mansão senhorial da Quinta da Boega, (cujo nome, o famoso
geógrafo árabe Al-Idrisi apelidava de “castelo de Gunderedo”), também, remonta
ao séc. XVII, cuja utilidade está dedicada ao turismo, mas foi ilustrada pela
família Almeida Braga. No seu local, presume-se, que funcionou um antigo
albergue de peregrinos, em direcção a Santiago de Compostela. A conjunção da
via secundária romana “per loca maritima” com os “Caminhos de Santiago”
encontraram aqui um lugar de encontro, conforto e refúgio.
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No século XVIII, à imitação do Bom Jesus de Braga,
surge
a capela/igreja do Calvário. Local de
penitência
e romaria, as suas festividades atraíam os vizinhos
galegos. A sua
construção remonta ao ano de 1758,
que além da pequena igreja detém um conjunto
de
pequenas capelas, com uma longa escadaria. Na sua
totalidade, o conjunto de
capelas públicas e
particulares (Quinta e Estalagem da Boega e Quinta
da
Loureira), além dos cruzeiros e “alminhas” formam
um rico património
eclesiástico, que engrandece a
freguesia de Gondarém. Por outro lado, a
sociedade
civil constituiu formas de organização social, das quais
se destacam
as “tabuletas” de distribuição de água e a
sua “sociedade de gado”. A
actividade pesqueira
acantonava-se nos lugares da “Mota” e de “Ligo”. Nos
tempos, em que a ilha da Boega, ainda pertencia a
vários particulares, estava
ligada pelo serviço de uma
“pequena barca” de transporte de animais, e,
pessoas.
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No século XIX, aparecem os primeiros
indícios de pagamento de impostos, a nível geral da sua população. A freguesia
de Gondarém, em termos administrativos, aparece na comarca de Monção em 1839 e,
posteriormente, na comarca de Valença, em 1852.
Por decreto de 12 de Julho de 1895, a
freguesia foi anexada ao concelho de Caminha, regressando ao de Vila Nova de
Cerveira, depois da sua restauração, feita por decreto de 13 de Janeiro de
1898".
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A restauração do concelho de Vila Nova
de Cerveira reuniu documentação dispersa das comarcas de Valença e Caminha, e,
somente em 9 de Abril de 1921, com a inauguração da sua nova sede municipal,
surgiram as repartições do Tribunal Judicial, e, as Conservatórias do Registo
Civil e Predial, nas quais os "honrados lavradores e pescadores" de
Gondarém pagavam a Sisa (Serviços de Impostos de Sua Alteza) e Imposto de
Barco. A agricultura e a pesca foram os principais meios de subsistência da população
de Gondarém, durante muitos séculos.
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À antiga figura do regedor e do seu
secretário, com o 25 de Abril de 1974, inaugura-se um novo ciclo democrático. A
casa da Junta da Freguesia de Gondarém é dirigida por um presidente, secretário
e tesoureiro, e por um presidente da assembleia de freguesia.
A “sociedade civil” emerge com quatro
associações: “Grupo Desportivo e Recreativo de Gondarém”, “Cervo Cultural”, sob
direcção do jornalista e escritor Alfredo Castro, e, “Rancho Folclórico
Infantil de Gondarém”. Acresce-se, ainda, as actividades da associação do
“Centro Social e Paroquial de Gondarém”, no serviço de apoio domiciliário aos
idosos.
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Ao evocar a figura e personagem de
Gunderedo, símbolo de autonomia e independência, a freguesia de Gondarém,
incrustada na periferia da história portuguesa, renova estes ideais, que as
suas forças democráticas podem e devem consagrar.
Com um cenário paisagístico que se conjuga com um
rico património físico, social, cultural e religioso, em que se destacam as
ilhas da Boega e dos Amores, o rio Minho torna-se a face e o espelho de uma
Galiza enamorada, que sempre manteve laços históricos e amistosos com Gondarém;
e, que somente perspectiva no seu olhar a ponte reluzente com a palavra
“Amizade”, em Vila Nova de Cerveira, à qual está vinculada.