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sábado, 24 de abril de 2021

EUROPOLOTIQUE: "Por quem os sinos dobram... " (1961 - 1974), a "Guerra do Ultramar"

 

Cresci a ouvir a telefonia, com os “plangentes e sonoros sinos, a dobrar a finados” sobre a queda de Goa, Damão e Diu, já que as tropas indianas ocuparam estas terras em 18 de dezembro de 1961. Por ironia do destino, mais tarde, em Cuba, encontrei um filho de um soldado português, cujo pai vagueou um mês por terras da Índia até chegar a Portugal. Desde o ano de 1956, que a maioria dos países africanos se tornaram livres e independentes. Nesta senda de emancipação africana, alguns políticos internacionais tentavam convencer o regime português para a autonomia destes povos. Apesar das promessas e ajudas financeiras ao País permaneceu o atavismo e conservadorismo político, com alguma conivência da hierarquia católica. Já, em 8 de junho de 1958, a simplicidade de muitos portugueses, não impediu que se votasse em Humberto Delgado, apesar de uma derrotada orquestrada. Por isso, três anos após estas fraudulentas eleições, a “Guerra do Ultramar” explodiu. E, com as “lágrimas nos olhos” partiam os primeiros mancebos do Alto Minho e de Gondarém para a guerra do Ultramar, desde a estação ferroviária de Viana do Castelo, em “comboio militar”.

Com o despontar da “guerrilha” no Norte de Angola, inicia-se a “Guerra do Ultramar”, no ano de 1961. E, desde a cidade do Porto, onde se cruzavam as linhas de comboios do Norte do País, as carruagens enchiam-se de tropa. Consta-se que a nível geral do País, se atingisse os 80 mil de mobilizados, para uma guerra colonial que custou 9 mil mortos e 30 mil feridos.

Em 14 de dezembro de 1972, faleceu José Maria Sobrosa Araújo, em terras de Timor-Leste, cujo corpo foi reenviado para Gondarém, em fevereiro de 1973. Anteriormente, em trinta de dezembro de 1970, também tinha sido sepultado em Gondarém, José Rodrigues de Carvalho Lopes, apesar de ter nascido na freguesia de Loivo. Felizmente, grande número de combatentes nas outras “províncias ultramarinas” não sofreram tal sorte.

Em 1972, a «primavera marcelista» nada trouxera de novo; já que, desde janeiro de 1969, Marcelo Caetano estava no poder. E, a audiência papal de Paulo VI, aos líderes do “movimento de libertação”, em julho de 1970, não influenciou qualquer decisão política. (Paulo VI esteve em Fátima, em 13 de maio de 1967).  Nestes tempos, apesar da reunião de cinco mil jovens católicos, na capital portuguesa, o arcebispo de Lisboa D. António não tomou qualquer posição política, acerca da Guerra do Ultramar. Somente, as detenções e prisões na “Capela do Rato”, em 30 de dezembro de 1972, tiveram grande eco nos meios católicos, e, no País.

Desde o ano de 1961 até 25 de Abril de 1974, durante mais de 13 anos, sucediam-se as convocatórias para o serviço militar obrigatório, ao qual “nem os coxos escapavam”. (Em 1964 deflagra a guerrilha em Moçambique, sem esquecer a mais complicada e temida guerra da Guiné-Bissau, em 1963). O grupo de jovens desta localidade, na maioria aptos e convocados, eram acompanhados pelo som da concertina do Tio Benigno, até ao local da inspeção, nos Paços do Concelho. Para muitos mancebos, era uma festa e uma honra cumprir o serviço militar, a cuja experiência não resistiam certas moçoilas. Contudo, logo a seguir a este inicial fervor e entusiasmo pelas “Armas”, ou, Forças Armadas, como não se vislumbrassem nenhuns princípios de solução política, surgiram três tipos de infratores: os compelidos (ausentes à inspeção), os refratários (aptos e convocados, mas desaparecidos) e desertores (militares em fuga). As fronteiras fechavam-se com avisos de captura por terra, mar e ar. Os mais audazes e revolucionários ultrapassavam estas barreiras, outros ficavam detidos nas suas masmorras; detidos, ou, presos.

Esta tripla tipologia atingiu vários mancebos de Gondarém; alguns foram intimidados com dupla convocatória: “via militar” e “via dos serviços da Justiça”. A vigilância social fazia-se através do papel dos “bufos”, ou, “serviços secretos” da PIDE. Contudo, a maioria dos jovens desta freguesia cumpria honradamente o serviço militar; quer na marinha, artilharia, ou, força aérea. Honrava-se devidamente a instituição das “Forças Armadas; ainda que, por vezes, (segundo consta) os alvos militares na Guiné se afastassem deliberadamente, ou, as folhas das mangueiras escondem-se os condutores de “carros de combate”. Sucediam-se os “pequenos relatos” das galinhas apanhadas com o andamento do comboio, na via-férrea de Tete. À recolha de notas “angolares e meticais” aplicava-se o seu respetivo câmbio, como forma de introdução do recente recruta, nesta ou naquela província ultramarina. As “divisas de sargento ou capitão” exibiam-se com distinção e orgulho, ao mesmo tempo que se lamentava a falta de respeito por quem não reconhecia o sargento da terra natal. Os «furriéis milicianos” faziam a delícia dos seus amigos com o fumo dos seus maços baratos de tabaco, quando não se perdiam em copos de whisky. (De salientar que este curso criado em 1969, como “quadro especial de oficiais”, era um cargo que rapidamente dava origem a capitão).

Entre 1961 e 1974, esta sangria da juventude local alia-se a outra fase da emigração, gerando uma grande crise demográfica. Parece insólito, mas alguns emigrantes voltaram para as fileiras militares, com orgulho na defesa da Pátria. Mas as feridas destes combates, a nível geral do País, deixaram 30 mil feridos, e, 4500 mutilados; além de perto de 10 mil mortos. Muitos combatentes ficaram alucinados, psicologicamente, por causa dos efeitos da guerra. Algum marinheiro escapou deste infortúnio, ainda que a “fragata a carvão” desaparecesse em pleno naufrágio.

Muitas histórias familiares de “índole e memória pessoal” perduram com as suas “versões e seus pontos de vista”, por isso deixámos ao imaginário coletivo a sua recordação.

PS. «Crismado pelo bispo auxiliar de Braga D. António, na igreja de Gondarém; e, presente na reunião de jovens na capital, com o mesmo clérigo, sendo  já Arcebispo de Lisboa».  Nota do redator.

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