O azeviche acre dos seus cabelos recaía sobre os seios rubicundos que uma pele acetinada de cobre debruava em negritude fugidia. Florêncio Silva deambulava, um pouco atónito, pelos cadeirões do salão de beleza e seus espelhos, que exibiam a recente e esbelta empregada, ciosa e cuidadosa do seu ofício.
Embora sem grande experiência no seu ofício, a sua presença e “glamour” enchiam e preenchiam os requisitos necessários e suficientes para tal função. Se, por acaso, a inveja, a intriga ou o ciúme despontassem no seu alvoroço dentro do meio feminino, certamente que rapidamente seriam abafados pela cortesia e elegância que naturalmente despontavam de tal presença.
Florêncio Silva não andava nas nuvens, simplesmente planava num “tapete voador”. E, para desviar a imagem do seu sonho que saltitava na sua imaginação, lançou-se às encomendas dos produtos de beleza que encomendava de uma capital europeia. Estar na vanguarda do progresso e da inovação na arte dos cabelos e sua estética, impunha-se como sinónimo de ser pioneiro em terras africanas. Nunca, consigo, certo tipo de anátemas de atraso funcionariam por força de estar em África. Sistematicamente ligado aos salões de beleza de Lisboa, encomendava os produtos, perfumes e bálsamo mais modernos e adequados às exigentes clientes africanas. Aliás, a importação dos produtos estéticos sofriam de uma taxa penalizadora que habilmente era amortecida pela troca de remessa e câmbios mais caseiros, oportunos e pessoais.
O salão de beleza regurgitava de uma clientela bastante razoável. Corria de boca em boca que Florêncio vivia confortavelmente, embora esse conforto não se vislumbrasse na simplicidade que o caracterizava. Avesso à política, às questões sociais, somente o seu pequeno negócio reluzia na sua mente como símbolo de bem-estar e tranquilidade pessoal. Convivia tranquilamente com qualquer tipo de pessoas, sem exibir grandes luxos externos. Os lucros do negócio eram aplicados no contínuo melhoramento do seu espaço. Território limpo, asseado e cheiroso, ainda mais quando a mais recente funcionária ilustrava, como um quadro, a paisagem que harmoniosamente compunha o seu ideal de salão de beleza.
Contudo, Florêncio Silva não escapava ao olhar matreiro de certos artistas, amigos do alheio. Como, externamente não exibia grandes traços de luxo, presumia-se que internamente escondia algo de mais precioso. A vigilância entre o espaço comercial e o rumo habitual para sua casa foi marcada e remarcada pela força e urgência de malévolas circunstâncias.
Florêncio Silva acordou, despertou do sono e sonho que continuamente martelava a sua imaginação por causa da recente imagem da nova funcionária, porque empregada é um termo de menor condição, mas sentiu uma linha horizontal que se prolongava um palmo acima da sua cabeça. A cama e o seu complemento, ou seja, o estrado, tinham desaparecido, encontrando-se simplesmente deitado no colchão, ele, Florêncio Silva e a sua ilusão.
“Roubaram-me a cama” – Rosnou, placidamente com a tranquiladade que o caracterizava. Olhou em redor, e, reparou que alguns objectos, também tinham desaparecido.
Levantou-se com tantas outras histórias que já tinha ouvido, e pelas quais passara incólume, mas que nesse dia, recaíram sobre si. Mas toda esta desgraça caseira, que uma certa nudez desvendara, toda ela era preenchida com a beleza que deslumbrava nos seus olhos quando se concentrava no salão de beleza. E, logo de manhã cedo estava a abrir as portas do salão de beleza às suas empregadas, ou melhor dito, às suas funcionárias.
“Dormiu bem, patrão” – questionaram, docemente as empregadas.
“Ora, se dormi. Nem dei conta de acordar, sem a minha a cama” – retorquiu, secamente, Florêncio Silva.
“Não diga que foi roubado, patrão!...” - indagaram, de novo, as empregadas.
“Sim, a cama fugiu!...” – Anui, quase sorridente, Florêncio Silva.
“Se calhar não era cama, era um tapete voador” – Ripostou, uma das empregadas, a quem o entusiasmo e encantamento pela nova funcionária não escapara.
“Tapete voador”.
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