«Um chefe normando (alguns lhe dão o título de rei, o que de certo é êrro) chamado Gundarêdo, que no reinado de D. Ramiro III tomou aos mouros a Galliza e varias terras da parte septentrional da província do Minho, fundou esta povoação, pelos anos 970, fazendo aqui um castello à beira do rio de que não há vestígios (provavelmente alguma enchente do Minho o destruiu) e dado o seu nome à povoação, o qual se corrompeu em Gondarém». (Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Vol.III, pg. 302)
Toponímia
e história “corromperam-se” mutuamente, originando que Gundarêdo se
transformasse em Gondarém, segundo a alusão de Pinho Leal. Por isso, não
podemos falar de Gondarém, sem evocar Gundarêdo; e, a localidade de Gondarém não
se pode furtar à narrativa desta histórica personagem. Um forte vínculo
etimológico permanece entre a sua toponímia (Gondarém) e o seu epónimo
(Gundâredo). Pinho Leal estabelece uma ligação indissociável entre a "cartografia geográfica" (Gondarém), e, a "cartografia paternal" de Gundaredo, como fundador desta localidade, a quem testemunha com um «castelo à beira do rio». Esta "pretensa âncora de fundação" remete-nos, anteriormente, em séculos recuados, para o "castelo de difícil acesso", testemunhado pelo geográfo árabe Al Idrisi. Por isso se diz: que não podemos conhecer uma localidade ou lugar sem saber
a sua história; aliás, sem contar a sua narrativa.
Antes
desta historiografia local, Pinho Leal estabelece uma descrição geográfica do
seguinte teor: «situada
parte em bella planície, na margem esquerda do rio Minho (que limita a
freguesia pelo N.) e parte de uma alcantilada serra, ramo da Arga, com formosas
e dilatadas vistas». Assim, e na sua opinião, a íngreme serra ou
encosta, popularmente chamada de “monte Goios”, faz parte da cordilheira que
abraça S. João de Arga. Efetivamente, do alto da serra, avistam-se duas
formosas ilhas, que misteriosamente Pinho Leal não descreve, nem menciona. A relação social entre campo e serra era uma fonte de exploração comum, já que os baldios eram escassos. O
vale ou planície verdejante é descrito da seguinte forma: «é terra muito fértil,
devendo a sua fertilidade aos preciosos nateiros que o rio Minho deposita nas
suas margens». Desde 1948, com a construção das margens do rio Minho
na Galiza, diminuiu a natural fertilidade e depósito de fertilizantes que se
depositavam nestas terras. A fauna e a flora, que fazem parte da agricultura,
são descritas do seguinte modo: «há aqui em abundância, cereaes, vinho e fructas; muito linho, algum
azeite e colmeias. Cria muito e bom gado. É farta de saborosíssimo peixe do rio
e do mar, que apenas lhe fica distante 9 kilómetros ao O». Terra de castanheiros e cerejeiras, das suas macieiras jorravam litros de fruta para fabricar sidra, e juntar-se à produção de vinho. Apesar das pesqueiras da Mota e do Lido,
atualmente, a escassez de peixe é notória. O linho e as suas camisas, tecidas à
mão, desapareceram; ficaram os bordados. Os cereais, como o trigo e centeio,
são raros e escassos. A produção de azeite é nula, e, as colmeias rareiam nas
encostas. A riqueza e abundância da exploração agrícola dos séculos anteriores,
continuada na dita agricultura de “economia fechada”, ou, “subsistência”, tornou-se
diminuta, já que os tempos industriais são outros. Até, os amigos de Baco,
deixaram de ter as suas adegas e “provas de vinho” e seus alambiques com as suas
libações, no “mata-bicho”. Somente, as marés do rio continuam a subir e descer
graças à força do mar.
«Por meio das suas veigas passa a bella
estrada real, feita em 1864».
Autêntico “tapete verde”, Pinho Leal insere o primitivo traçado ondulante da
E.N. n. º 13, em “percursos” que não são atuais, salientando o ano da sua
construção. «A estrada
real, por esses sítios, mais pôde chamar um delicioso e encantador passeio, do
que uma via publica». O progresso instala-se com a nova via, fazendo
esquecer os antigos “Caminhos de Santiago”. Efetivamente, no antigo percurso da
“estrada real” avistava-se um belo cenário, em redor da “Ilha dos Amores”, que
culminava com um pequeno jardim e promontório, chamado de “Parque”, no alto de
uma pequena colina. (O comboio chegará, somente, em 1882; por isso, não se faz
referência).
A
produção agrícola ou píscola engloba lavradores ou pescadores, profissões que
surgem mencionadas em vários documentos: os “honrados lavradores de
Gondarém”. À pesca estavam reservadas outras atividades, um pouco fora
da lei, o contrabando: “Gondarém – terra de contrabandistas”,
segundo reza o canto e a musa Amália Rodrigues. Mas, a freguesia, também é
conhecida como “terra de fidalgos”. E, nesta senda da fidalguia
surgem as quintas e os seus solares, (sem mencionar a “Quinta do Outeiral”). «É aqui o solar dos Cadavaes,
fidalgos oriundos da Galiza. É hoje representante d’esta família o sr.
Francisco de Sousa Cadaval, aqui residente.(…) O nobre apellido Cadaval d’esta família, não vem
do Cadaval portuguez, mas da povoação do Cadabal, na Galiza, cujo solar o sr.
Francisco de Sousa herdou». Em 1825, com o casamento de António de
Sousa Ferraz de Novais com D. Maria Josefa Cadaval Correa, filha dos senhores
da Casa de Goyan surge esta linhagem que se inscreve, também no “Solar da
Loureira”, através do filho deste casal, ou seja, Francisco de Sousa Cadaval. A
inscrição desta fidalguia procura salientar a nobre origem dos habitantes de
Gondarém, em que a parte se confunde com o todo, e vice-versa. «Os descendentes de Gundâredo
foram senhores de Gondarém por muitos anos e se intitulavam os Gondarens ou
Gondares, e aqui tinham o seu solar. Este sr. Cadaval em quem já falei, consta
ser descendente d’essa família; entretanto o seu ramo primogénito (dos
Gondarens) extinguiu-se, sendo a sua grande casa dividida por vários herdeiros».
Apesar das várias vicissitudes familiares, os proprietários ou senhores do
Solar da Loureira sempre souberam zelar pelo seu património. A tentativa de
inserção histórica pretende enobrecer o sentido de apego e apropriação às
terras que devem o seu tributo a Gundâredo: «note-se que Gundâredo só fundou o castelo e a povoação
próxima a elle, (…)». Pinho Leal pretende salientar que Gondarém,
geograficamente, cresce do Sul para o Norte, da beira rio para o centro da
freguesia: «porquanto
já então aqui havia uma freguesia chamada Mangoeiro, que com o andar dos tempos
veio a perder o nome, tomando-o de Gondarém». Ou seja, o crescimento
populacional da parte Sul da freguesia, que já tinha bem assimilado o seu nome,
sobrepôs-se à parte mais antiga e altaneira da freguesia: «ainda nesta freguesia há uma
aldeia chamada Mangoeiro, onde estava a primittiva egreja», hoje, transformada
em capela de São Tomé. Faz parte da historiografia desta freguesia o
reconhecimento primordial destes “criadores de gado”, que se instalaram nas encostas superiores
desta localidade, junto à floresta, refugiando-se nos seus recantos e outeiros,
ainda que permanecem vestígios da existência de um antigo castro, numa encosta
inferior, que se inscreve na cultura megalítica, com a descoberta de um sílex. Por
volta do século X, a introdução dos moinhos de água e novas culturas favoreceu
o desenvolvimento das terras do vale, gerando grande prosperidade; cuja
influência e domínio estavam reservados aos filhos de Gundâredo.
«Como eram
christãos, os reis de Hespanha por algumas vezes recorreram ao seu auxílio,
nas guerras contra os mouros. Por fim, attrahidos pela
amenidade e fertilidade do clima, se foram estabelecendo por estes sítios,
fundando vários castelos e povoações, nas proximidades do litoral e as margens
dos rios navegáveis, e por fim, vieram a formar uma e mesma nação com os
antigos povos que por aqui estacionavam».
Pinho
Leal descreve sumariamente a fixação de alguns normandos nestas paragens,
embora a colaboração com estas gentes nem sempre foi pacífica. (Historicamente,
“os adoradores do fogo” aliaram-se aos cristãos para combaterem os infiéis, ou,
“homens azuis”, sob a proteção ao Apóstolo “Mata-mouros”). Mas, a estadia de
Gundâredo não foi nada pacífica, em relação à Galiza do Norte. Após os seus
feitos guerreiros em terras da Normandia, este líder ou “rei” dos normandos,
assumia-se como comandante de homens e terras, de cujas proezas a Galiza não se
pode orgulhar. Há quem levante suspeitas da radicação nestes sítios, com
desejos de prolongada estadia, a que não é alheia a construção de um castelo. O
barco para um viking era tão importante como uma mulher. Por isso, ao contrário
dos autóctones, os estuários dos rios e as suas margens exerciam uma forte
atração para sua permanência ou estadia. Em nossa opinião, por volta dos fins
da Primavera de 966, este numeroso grupo de normandos, sob comando de
Gundâredo, oriundos da Normandia, estabeleceram-se em terras de Gondarém.
«Parece que alguns por cá foram
ficando, e fundaram ou reedificaram algumas povoações, quasi todas perto do mar
ou de rios; pois vemos que ainda hoje algumas povoações portuguesas conservam
os nomes, que eram os próprios de chefes nórmandos. Taes são – Gondarem (corrupção
de Gundâredo) da freguesia do rio Minho, do concelho e 3 kilómetros ao O. de
Villa-Nova-da-Cerveira)». (Pinho
Leal, Vol.VI, pg.155). Esta referência surge mais tarde, na rubrica sobre os
normandos, segundo Pinho Leal. As várias “invasões vikings” disseminaram muita
gente sobre as costas ibéricas, cuja miscigenação hereditária atinge pelos
menos 1% dos seus genes. A nomenclatura e sua referência revestem os vestígios
humanitários mais evidentes, aos quais se acrescem os vínculos sociais ou
históricos. Somente a fama e o prestígio merecem alguma consideração ou
respeito pelos seus vindouros.
«No tempo de D. Ramiro III, porém, o
chefe (alguns dizem rei) normando Gundâredo, com uma esquadra de cem navios,
invadiu as costas da actual provincia do Minho e as da Galliza, fazendo-se
senhor de todo este território, no anno 967 de J.C., e alli permaneceu três
annos até que, em 970, sendo derrotados, pelo conde D. Gonçalo Sanches, em uma
sanguinolenta batalha, fugiram muito poucos, nos poucos navios que poderam escapar, pois que os portugueses lhes queimaram quasi
todos, e Gundâredo morreu na batalha» (pg.155)
Os
ecos das façanhas de viking Gundâredo ainda não tinham chegado às terras da
Galiza, mas a impressionante e numerosa quantidade de barcos, atemorizou todas
as gentes da Galiza do Norte e do Sul. Os cronistas da Normandia relatam as
suas glórias passadas, um século depois; e, sobre Gundâredo são totalmente
omissas, exaltando com é evidente os seus duques, desde Rolão. Acerca do
conflito entre Ricardo I (Sem Medo) e Gundãredo ressalta somente uma dignificante
despedida entre os dois homens, repleto de víveres e conduzidos por experientes
marinheiros, durante algum tempo. Gundâredo dirige-se ao Noroeste Peninsular,
com uma grande “esquadra”, que após atravessar a “costa da morte”, no extremo
norte da Galiza, estaciona, presumivelmente, em águas do rio Minho. A
controversa estadia de Gundâredo em terras de Gondarém desafia o maior
ceticismo entre vários historiadores. Os cronistas árabes tratam-no como “rei
dos normandos”, a que não é alheia a historiografia hispânica, que o trata por
Gunderedo. Associa-se ao seu castelo o nome de “Boega”, pelo geógrafo árabe Al
Idrisi. Apesar da falta de vestígios, o lugar da Mota, suscita, através do seu
próprio nome, os velhos castrejos, ou, motes, pequenos castelos de madeira,
também chamadas de paliçadas. As condições orográficas ou ribeirinhas em nada
obstavam à construção destas fortificações; e, sua fraca perenidade
contribuíram para o seu desaparecimento.
Pinho
Leal relata que Gundâredo ocupou «as costas da actual provincia do Minho e as da Galliza, fazendo-se
senhor de todo este território, no anno 967 de J.C.». A chegada de
Gundâredo, em nossa opinião, dá-se em finais da Primavera do ano 966. Durante
os dois primeiros anos, a sua estadia foi pacífica; e não consta qualquer
ataque desferido contra a cidade e capital da Galiza, ou seja, Tui. Reinou a
paz e o sossego nestas terras da Galiza, apesar dos calafrios suscitados por
bandas de Guimarães, que começa a construir o seu pequeno castelo. Uma incursão destes normandos pelas costas
ocidentais, em Silves, resultou num autêntico fracasso, com a perda de muitos
barcos. O elevado número de normandos, nesta incursão, criou sobressaltos na
região, mas o sistema informativo, típico destes povos, desfez os vários medos
ou tremores, suscitados aos residentes ou autóctones. Gundâredo, além de grande
chefe e guerreiro, tinha desenvolvido qualidades diplomáticos na guerra contra
os francos da Gália. A sua mestria tornou pacífica a sua estadia, imiscuindo-se
pacificamente junto dos galegos do Sul. Somente, após a morte do rei Sancho (o Gordo)
da Galiza, cuja seta envenenada não o deixou passar as margens do rio Minho
desencadearam-se duras contendas e desconfianças. E, da possível criação de um
segundo ducado da Normandia, (como alguém, alvitrou), resultou uma guerra feroz
contra Santiago de Compostela. Reservámos às “nacionalistas fontes galegas” o
panegírico sobre a vitória contra Gundâredo, ainda que discordemos com a
implicação de “forças portuguesas” nesta derrota. A contribuição de Gundâredo
para o fortalecimento das gentes da Galiza do Sul que, pouco a pouco, caminharam
para sua autonomia e independência surge mais que evidente, na nossa opinião.
As débeis forças da arquidiocese de Braga ganharam novo estímulo com as ruínas
de Santiago, graças a Gundâredo. As férteis terras do condado portucalense e de
Límia favoreceram o emergir de independentes guerreiros, cujos contornos
históricos conservam alguma penumbra no seu desenvolvimento.
«Em 1757 tinha 253 fogos. Orago S. Pedro,
apóstolo. Arcebispado de Braga, districto administrativo de Vianna. A casa de
Britiandos apresentava o abbade, que tinha 300$000 réis annuaes». .
.
Sociologicamente,
a descrição demográfica de Pinho Leal aponta para 1.300 pessoas (referência
atribuída a 253 fogos), cujo valor corresponde ao número de habitantes em 1950,
apesar de terem passado dois séculos. A partir dos anos sessenta do século XX,
a população diminui, drasticamente, por causa da emigração. Em 2011 residiam
510 habitantes. As riquezas das terras da “Quinta do Outeiral” sustentavam as
obrigações religiosas, cuja referência é feita através da “Casa de Britiandos”,
senhores destes territórios, naqueles tempos. Hoje, junto à sua igreja
paroquial repousam aqueles que na sua frente se deparam com o antigo “castro de
Gondarém”, com ou sem “antas ou menires”, já que datam mil anos antes da era
cristã, (sem falar da descoberta de sílex da era do neolítico), cuja aurora
desponta nos “montanheiros”, ou, “homens da criação do gado” e da época romana,
para se deixar marcar pelo signo de Gundâredo, e, por aqueles que os acusam de “Gondarens”.
Aos céticos de Gundaredo por estas terras ou paragens, aos pirrónicos sobre o seu castelo ou castrejo, não deixamos pairar a “dúvida metódica” sem alguma certeza ou paternidade, já que Pinho Leal ilustra este local como uma cidade: a “civitas” de Gundâredo, em que cada cidadão, se revê nele “sem medo”.
P.S. «A presença viking em territótio nacional despertou interesse pela primeira vez no século XVIII, quando Carvalho da Costa atribui origem viking ao topónimo Gondarém, freguesia de Vila Nova de Cerveira no Minho, o que é "pouco provável", segundo Hélio Pires, que afirmou"não ser muito prciso, pois antes dos vikings tocaren as costas portuguesas houve as invasões germânicas, no século V, e Gondarém é um dos antropónimos de origem germânica, que já existiam antes da chegada dos vikings». JORNAL DE NOTICIAS em 22.12.1917.
«Em 1952, ano em que a rede ferroviária em serviço atingiu o seu valor máximo, Portugal tinha 3.620 quilómetros (km) de linhas férreas. Atualmente tem 2.526 km em exploraçõa. Dos 1094 km desativados, cerca de 332 km estão transformados em ecopistas» (Revista Expresso, 21.05.2021)
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