GÉNESE E FEITOS DE VIKING GUNDEREDO
Ainda que as nossas fontes sejam omissas relativamente à origem de Viking Gunderedo, cuja repercussão histórica reluz somente nos célebres ataques à cidade de Compostela, por volta dos anos de 970, e, à toponímia de uma localidade do rio Minho que o preserva em sua memória; apesar de todas estas circunstâncias, delineámos um projecto de reconstrução, que através de uma rota de navegação determina o ressurgimento de um contingente de forças guerreiras, cuja liderança revela a emergência deste personagem, assaz contraditório e relevante.
Viking Gunderedo, fazendo jus à sua toponímia, emerge como figura histórica, que embora a sua génese e genealogia se perca nos meandros obscuros das invasões vikings ao Noroeste Peninsular, impõe-se pela sua ousadia nos históricos ataques à Galiza do Norte, segundo relata, esporadicamente, o “Crónicón Iriense”, ou melhor dizendo, a “História Compostelana”.
Aliás, será por causa da sua toponímia, talvez a única via inicial de acesso à investigação deste personagem, que delineámos um percurso repleto de intrincáveis relações históricas e sociais, cujos nebulosos contornos nos deixaram, por vezes, ansiosos. Todavia, humildemente, seguimos a orientação de quem ousou lançar-se em tarefas similares.
«Os nomes das localidades são, sem dúvida, o que reflecte melhor a evolução histórica e social de uma população. Portanto, eles são particularmente preciosos, e, o seu estudo é de um interesse considerável. Nos países célticos, os topónimos de origem nórdica ilustram perfeitamente a chegada dos Escandinavos, eles permitem limitar as zonas e a intensidade da sua implantação, definir as suas relações com a população local. É evidente que os dados variam, sobremaneira, de um país para outro, à imagem daquilo que encontrámos no domínio linguístico» (1)
Contrariamente a um grande número de aldeias que na Grã-Bretanha, tal como ao redor do rio Sena, em França, se designam por um substantivo composto, cujo primeiro termo é um nome de homem de origem escandinávia, a região do Norte da Galiza esconjura esta tradição, afastando-se de ecos e repercussões, de cujos feitos se colocaram nos antípodas das suas memórias ou recordações. Aliás, esta contradição em relação à Galiza meridional, onde perdura como marco histórico Viking Gunderedo, repercute lutas e alianças que historicamente ainda permanecem numa certa obscuridade.
A toponímia relança-nos para a eponímia: e, o epónimo reflecte um personagem real ou lendário, entre os Gregos, de quem uma cidade adoptava o seu nome, tal como Gondarém o fez de Gunderedo.
De igual modo, ao traçamos um percurso inicial de Viking Gunderedo que se situa entre a lenda e o real, entre o mito e a história, entre certa aparência ou a realidade, sustentado dentro de uma análise cronológica de cronistas, cujas referências são vagas e difusas. Porém, antes do possível percurso de Viking Gunderedo, gizemos uma breve antinomia entre a expansão viking e o mundo católico do Noroeste Peninsular, e, também do Norte da Europa.
«Estes eram os “pagãos do Norte”, cujas incursões, desencadeadas bruscamente cerca do ano 800, durante perto século e meio, faziam gemer o Ocidente. Melhor do que os vigias que, então, no litoral, ao perscrutarem com os olhos o alto-mar, estremeciam à ideia de descobrirem as proas dos barcos inimigos, ou do que os monges, ocupados nos seus scriptoria com a anotação das pilhagens, podemos hoje restituir às investidas o seu pano de fundo histórico».
Posteriormente estas antinomias entre mundo católico, ou seja, o antigo Reino Galaico-Suevo, cujas comarcas detinham vários mosteiros e conventos, fundados por São Frutuoso, na célebre “Via XIX”, estrada romana entre Braga e Lugo, e, o confronto com o mundo viking terá as suas colisões.
A consolidação do Ducado da Normandia, bastião emergente da futura história viking, possivelmente oculta o labor e eficiência de um contingente de forças anónimas, conduzido por Viking Gunderedo. Os relatos históricos são escassos, nesta conturbada época histórica, sobretudo quando se trata da expansão viking no Ocidente. A história do Ducado da Normandia constitui-se à margem do Reino dos Francos, encomendada a eclesiásticos que são vítimas do seu domínio e opressão, o que dizer da esporádica historiografia galega, inculta e desmoralizada, pelos instáveis governos locais , e, com a ameaça árabe sobre os seus ombros.
Numa cimeira entre Normandos e Francos, em Jeufosse, prepara-se um acordo de paz que o rei Lotário (Reino dos Francos) acaba por concluir entre Junho ou Julho de 965. O rei Lotário reconhece a autoridade de Ricardo I, como Duque da Normandia, território francês, sob domínio viking por longos anos, cessando, deste modo, as contínuos ataques aos débeis limites francos.
O Ducado da Normandia constituído e reconhecido pelos reis francos, em 911, e dirigido pelo primeiro Duque de nome Rolão, sofrera uma série de ataques dirigidos por forças francas, segundo relata o cónego Dudon de Saint Quentin. Face a estas ameaças, consta-se que Ricardo I pediu reforços ao rei da Dinamarca, e, que este lhe enviou uma frota de guerreiros. Todavia alvitra-se que seria meramente um grupo de vikings que estariam de passagem por esta região. Pouco se sabe deste cronista eclesiástico, antes do ano de 968. ainda que tivesse sido encarregado por Ricardo I de escrever a história do Ducado da Normandia, por volta do ano de 994, cuja crónica se intitula “acerca dos costumes e actos dos primeiros duques da Normandia”.
Uma vez restabelecida a paz naquela região, ou seja, no Ducado da Normandia, que perduraria pelos trinta anos de governação de Ricardo I, às forças que quisessem estabelecer-se no território concedeu-se-lhes esta opção, sendo-lhes distribuídas terras, com a incubência de se converterem ao cristianismo; e, àquelas que desejassem deixar a Normandia ser-lhes-iam facultado a sua saída. Ora, acontece que estas forças retomaram o mar recarregados de víveres, sendo acompanhados por homens de Cotentin, região do Ducado da Normandia, que lhes serviram de pilotos até Espanha, onde nos conduzirá esta expedição – se se dá crédito aos escritos de Dudon, como adverte o historiador francês Jean Renaud.
A interpretação de outro antigo historiador francês, com tradição de orientalista, Lévi Provençal, converge nesta coincidência, dado que a presença destas forças, estacionadas na Normandia, causavam embaraço à autoridade de Ricardo I (942-996), terceiro Duque da Normandia, de forma que resolveu dar-lhes a possibilidade de uma saída airosa dos seus territórios. A atitude em providenciar-lhes pilotos e víveres, denota um grau de reconhecimento e vassalagem digna de feitos meritórios de alguma recompensa.
Mais recentemente, o historiador galego, Manuel Velasco, de Catoira partilha idêntica opinião afirmando que estas forças “procedentes de Normandia, donde habían ayudado al rey Ricardo Sin Miedo a luchar contra los franceses
O contingente de forças guerreiras que acompanhavam Viking Gunderedo deveria ser de certa importância. Não só, pelo número mencionado nas mais controversas fontes galegas, como também nas primordiais portucalenses, quiçá 8.000 homens, como também pelo papel de apoio militar, já referenciado, a Ricardo I, que teve sérios problemas de defesa dos seus territórios, com os Francos, que estas forças resolveram com facilidade. Aliás, foi graças ao contingente de Viking Gunderedo, que Ricardo I pacificou e governou esta zona viking durante trinta anos de paz e prosperidade social. O Ducado da Normandia tornar-se-á na alavanca do esplendor da história viking e na conquista do mundo anglo-saxónico.
Porventura, será pura especulação de uma ficção hermenêutica, atribuir estes feitos a Viking Gunderedo, já que as fontes históricas não são claras, nem evidentes, todavia, o acompanhamento por pilotos de Cotentin, região da Normandia, denota que Ricardo I nutria grande estima e reconhecimento por estes valorosos guerreiros. A contingência ou obrigatoriedade de se converterem ao cristianismo remete para o subterfúgio de que Viking Gundaeredo usufruía de um real poder sobre o seu forte contingente, assaz numeroso, que voluntariamente o seguiu até às costas galegas, e, que as suas ambições vislumbravam a conquista de novos territórios, como, de facto, se vieram a confirmar-se.
Os relatos históricos árabes tratam Gunderedo como rei. (“Navegarón bajo el mando de su rey Gunderedo”). Tradicionalmente, qualquer viking que liderasse um grupo audaz por mar a dentro, sói dizer-se, era tratado por “king”. Todavia as provas dadas na Normandia por estas forças, a forte organização deste contingente, como posteriormente se veio a demonstrar nos ataques à Galiza, e, sobretudo a Santiago de Compostela, revelam uma condução firme de Viking Gunderedo, que o tornam num líder visionário e de um verdadeiro chefe político.
As referências cronológicas atestam que uma vez alcançada a paz com os Francos, entre Junho e Julho de 965, este contingente de forças vikings, encetou uma nova expedição que ocorreria durante a Primavera, como era habitual entre os vikings de encetarem as suas viagens marítimas, o que aconteceria pelo ano de 966, como referenciam fontes árabes.
A chegada de Viking Gunderedo às costas galegas aconteceu, muito provavelmente neste ano de 966, ainda que os ecos das suas façanhas remontam “desde os alvores desse 968” nas fontes portucalenses e se “espalharam por terras portuguesas”.
Um facto histórico neste ano de 966, tem significativa importância no desenrolar da história galaico-portucalense. Sancho I, o Gordo, “que tentava submeter uma Galiza cada vez mais independente, foi envenenado em 966 pelo dux Gonzalo que comandava a Galiza meridional” , como refere Adeline Ruquoi, na sua obra “História Medieval da Península Ibérica.”
(1) Renaud , Jean – “Vikings et Celtes”, pp. 219 , Éditions Ouest-France, Rennes, 1992.
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