A autoria desta obra (chafariz, fonte, ou, fontanário) deve-se aos famosos mestres canteiros da família Lopes, que durante os séculos XVI e XVII, espalharam a sua arte por estas redondezas.
Este chafariz insere-se na “montra de fontanários” que rodeiam as praças de Caminha e Viana do Castelo, fruto do trabalho destes mestres de cantaria, que deixaram um marca indelével em terras minhotas, e, na vizinha Galiza (Pontevedra).
A convite dos monges franciscanos, o pequeno claustro do convento de Sam Payo foi enobrecido com este fontanário, ou, objeto estético, que além de obra de arte, tinha a função prática de refrescar o espaço quadricular, em que estava inserido. Uma fonte de água que abastecia o convento, deu origem à construção deste fontanário, que através de obras de encanamento em estrutura granítica, servindo de canalização, permitia levar a água até ao claustro. Pela sua simplicidade, ou seja, pela construção de uma única taça, tal como uma corola de uma flor, alvitra-se que tenha sido um exemplar inicial destes grandes mestres de cantaria. A
água encanada desde a sua nascente demonstra que este convento de Sam Payo atingiu o auge da
sua administração em pleno final do século XVI, tornando-se um modelo arquitetónico para
outras fontes. Pelo seu "prestígio espiritual", alguns conventos serviram de modelos decorativos e arquitetónicos que irradiaram outras construções civis.
A estrutura do chafariz obedece a um equilíbrio dinâmico, em que no centro do tanque, emerso na água, assenta o pilar, que suporta uma grande taça, ligeiramente decorada por pequenos frisos, de onde jorra a água sobre o pequeno lago, ou tanque. A coluna, por onde passa a água, e, inserida no meio da água, está trabalhada na sua base até ao nível da concha, ou, taça, e continua, na mesma proporção, com ornamentos até à sua parte superior.
No final do século XIX, procedeu-se ao desmantelamento deste chafariz que estava no pequeno claustro do Convento de Sam Payo para a Quinta ou Solar da Loureira, em Gondarém. Segundo, informações orais, um documento de "registo de obra" acompanhou a mudança desta obra de arte; outros, falam de uma oferta.
O Chafariz do Terreiro de Caminha |
Do Convento Sam Payo até à Quinta da Loureira
O Mestre de Cantaria
Corriam os anos sessenta do século XX, quando se espalhavam boatos acerca de uma disputa entre dois senhores de Gondarém. Um vangloriava-se de ser um grande latifundiário. O outro, que lhe “cobria as terras com notas de mil escudos”. De facto, o primeiro tinha muito mais terras que o segundo; mas, o segundo tinha muito mais dinheiro que o primeiro, já que criara um banco em terras brasileiras, além de ter uma grande quinta. Acresce-se, ainda, que não muito longe destas terras, um “abastado lavrador” tinha o hábito de “lavar as notas de mil”, “passá-las a ferro”, e “estendê-las na sua eira”, para fazer pirraça aos seus vizinhos. Se, não eram as “Novelas do Minho” de Camilo Castelo Branco que estavam em causa, as disputas destes senhores de Gondarém encaixavam-se nos relatos dos “novos ricos brasileiros”,(sedentos de “brasões e portais de armas”), que a pena deste escritor descrevia com grande mestria, ainda que estes não ficassem isentos de tais descrições, em tempos passados.
Indiferente a estas disputas materiais, laborava no seu
“atelier” o mestre de cantaria, os últimos retoques no desenho da nova
frontaria do portão de entrada da “quinta brasileira”, em pedra de granito. Uma entrada monumental que se abria sobre o edifício da quinta, emoldurada na bela paisagem do rio Minho. O mestre de cantaria chegava a subir à serra
para escolher a melhor pedra de granito, assim como dava instruções aos seus
pedreiros para manusearem os "veios" de melhor corte. Atarefado com esta obra,
longe estava de pensar, que seria convidado para desmantelar um fontanário, lá
no alto da serra, no convento dos antigos monges franciscanos de Sam Payo. Por
coincidência, a estátua do santo já tinha sido recolhida pelos seus patrícios,
em tempos anteriores, dos quais se recordava por causa da grande festa em honra
deste santo festivaleiro. Aliás, era com grande amargura e tristeza, que
recordava os velhos tempos de convívio com aquelas espanholas, que tanto
gostavam de bailar com os jovens portugueses. Mas, o enigma de desvendar o modo
de construção da fonte suscitava-lhe grande entusiasmo. Por isso, aceitou de
bom grado a tarefa para a qual foi incumbido.
Agnóstico, e, sem qualquer preconceito religioso, o mestre
em cantaria procedeu ao desmantelamento da fonte de Sam Payo, que estava dentro
de um pequeno claustro, onde os monges rezavam e se refrescavam, quer da sede, quer dos seus pecados,
benzendo-se em nome do seu santo padroeiro. Habilmente, o mestre em cantaria, enumerava
as pedras ao ritmo do seu desmantelamento, com certos códigos pessoais, enquanto
rabiscava o seu número, no pequeno caderno de apontamentos. Os segredos
profissionais acompanhavam sempre esta arte de “maçon”, não fosse ele entendido
na matéria. Mais tímido e supersticioso estava o “homem do frete” que devia
transportar as pesadas e duras pedras de granito. Após receber os conselhos do
mestre de cantaria, o “homem do frete” ponderou os baloiços e sobressaltos que
tal mercadoria lhe causaria, procurando sair incólume e ileso desta dura tarefa.
Gemiam os carros de bois, com as pesadas pedras de granito, que firmes e ruidosos eixos de madeira transportavam, enquanto os ternos olhos azuis do “homem do frete” se enterneciam na placidez da natureza e na fortaleza da sua junta de bois. Todavia, um frémito gelado de um certo temor religioso irradiava-se daquelas pedras que, tantas vezes, foram afagadas pelo carinho das mãos dos dedicados monges, cuja devoção gerava alguma superstição. Benzia-se e afastava do seu coração qualquer tipo de maldição. Os seus olhos preocupavam-se com o extenso e acidentado caminho, repleto de rochas e fragas esguias, cujo desnível ou deslize era um campo propício para secas pancadas sobre os frágeis pedaços de “granito trabalhado”. Por isso, nada de saltos bruscos, nem pancadas secas, já que a mercadoria devia chegar intata ao seu destino, apesar das escarpas e das rochas deslizantes. De novo, se benzera e pedira desculpas ao santo, sem ensejo de fazer qualquer oração desmedida, pois se alguma afronta houvesse, não recaía sobre os seus ombros, mas sobre quem teve tal intenção. Por isso, de novo, descansava o seu olhar na profundeza do rio que no fundo do verde vale alegremente caminhava, sem qualquer dor ou arrependimento. Talvez, o santo não gostasse de quem lhe roubasse o seu instrumento, por onde a água cantava, em alegres orações e cânticos que as vozes dos monges entoavam, quer de dia , quer ao luar, naquele tão recôndito lugar. Porventura, sofriam mais as pedras na hora da despedida do que o vazio daquele claustro; já que sempre algum raio de sol aqueceria a frieza e o abandono destas pedras seculares. E, despedindo-se do seu trofeu, dizendo adeus ao santo lá no céu, aconchegavam-se naquele andarilho, que chiava em cada encosta, em cada outeiro, em cada trilho, ou, carreiro. E, também, na hora da despedida, o "homem do frete" deu a tarefa concluída, quando viu a fonte erguida.
O Chafariz da Praça de Viana do Castelo |
N.B. Como relata este documento, outros chafarizes precederam a construção deste grandioso fontanário em Viana do Castelo: «A 12 de julho de 1553, em ata de reunião da Câmara, [os vereadores] acordaram chamar o pedreiro João Lopes, 'por ser o melhor oficial que agora há nesta terra e experimentado por ter feito outros muitos chafarizes e por saber trazer as águas de onde é necessário'; acordaram que fizesse um chafariz novo como fez o de Caminha, 'e melhor se melhor se puder fazer', tirasse todos os canos rotos e quebrados até à 'arca' existente no Campo de Valverde »
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