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domingo, 13 de setembro de 2020

EUROPOLITIQUE: "Alfândega de Vila Nova De Cerveira" - percursos e meandros da antiga Alfandega.

Introdução
A Alfândega de Vila Nova de Cerveira não pode dissociar-se do desenvolvimento dos “portos secos”, cuja base legislativa tem origem no modelo dos serviços alfandegários do Porto, das normas da Coroa, em Lisboa, e, da constituição do seu “livro oficial” de registo.

“Vila Nova, a duas léguas de Caminha”, encontra no estuário do Minho, a sua porta de entrada para o comércio marítimo, para a cobrança de taxas alfandegárias, em que a segurança e vigilância se estendia pelas margens deste rio, através dos “postos de guarda fiscal”. A sul de Vila Nova, O “Posto das Faias”, e, o “Posto da Mota”, com as suas guaritas, são símbolo desta fiscalização. A pesca, fonte de alimentação e riqueza, não escapava às suas taxas, quer senhoriais, quer eclesiásticas, das quais resulta, posteriormente, a “cédula de pescador. O último reduto desta riqueza piscícola surge com a “antiga praça ou mercado do peixe”, em Cerveira, símbolo máximo d’ “Art Nouveau”, com as suas grades em ferro forjado.

 - Século XII

Desde o início da formação da nacionalidade portuguesa, que na zona do Condado de Portucale, pelo ano de 1123, surgem as primeiras disputas entre a Coroa, a Mitra e o Cabido da Sé do Porto. Está em causa o direito de cobrança dos impostos pela intensa atividade comercial e marítima. O foral concedido a D. Hugo por D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, desencadeou uma luta entre os “senhores leigos” e os “senhores eclesiásticos”, na disputa dos direitos de cobrança pelas mercadorias, na zona ribeirinha do Porto.

Decorrerão várias dezenas de anos, e, intervenções régias sobre o poder senhorial e o poder eclesiástico, na região do Porto, às quais não devem estar isentas outras e posteriores, em Caminha: quer por causa da Sé de Tui, quer por causa da  Sé de Braga, conforme certos relatos. Embora, a cidade do Porto seja pioneira no comércio e formação das alfândegas, por causa desta doação de D. Teresa, pouco a pouco, perderá o seu principal estatuto em relação a Lisboa, futura capital do comércio mundial. D. Afonso Henriques, além de conquistador, ancorava dois barcos, em frente do Mosteiro de Santa Maria de Oia, na Galiza, que mais tarde, perdeu. A passagem e estadia dos “Homens do Norte”, normandos ou vikings, nesta zona ribeirinha e marítima, deixou vastos conhecimentos sobre a construção naval, da qual eram exímios executantes.

- Século XIV

Alvitra-se que o “direito de imposto” sobre as mercadorias atingisse 10% do seu valor, ou seja, o chamado “dízimo”. Por isso, as disputas entre os “senhores laicos” (Coroa) e os “senhores eclesiásticos” (bispos) acerca do “direito de impostos” sobre as mercadorias continuavam, de tal forma que o rei D. Afonso IV, em 1325, mandou construir a existente e renovada “Casa do Infante” para sua própria alfândega. A partir desta data, os “impostos alfandegários” começam a reverter para os cofres da Coroa Portuguesa.

Aliás, a casa da “Alfândega Velha”, prenúncio de aventura e descoberta, foi o local de nascimento do Infante D. Henrique, no ano de 1394, que, mais tarde criou as suas alfândegas. Por tradição e natureza, a laboriosa cidade do Porto sempre foi uma urbe mercantil, de comerciantes e negócios. O edifício da “Alfândega Velha”, com as suas duas torres sobranceiras ao rio Douro, também albergava a Casa da Moeda, onde trabalhou Pero Vaz Caminha.

- Século XV

Em1410, à “Alfândega do Porto” são lhe concedidos “direitos e deveres” alfandegários, cujos regulamentos servirão de base legislativa para outros portos, inclusive o denominado “porto seco” de Vila Nova (Cerveira). O comércio marítimo é uma “fonte de receitas” das zonas citadinas e ribeirinhas que, pouco a pouco, se estende aos portos secundários, incluindo os do rio Minho, que se inserem nas Alfândegas do Reino. Ainda de forma rudimentar, mas sistemática, a extensão das alfândegas, como “fonte de receitas” prolonga-se pelas margens do rio Minho, e, seus locais habitacionais, como: Caminha, Valença, Monção e Vila Nova. O porto de Caminha tem um papel importante, quer a nível da sua periferia, quer internacionalmente. Convém salientar que a “Alfândega do Funchal” foi criada em 15 de março de 1477.

Juntamente com o transporte de mercadorias circulam pessoas entre as zonas mais populosas do País. As naus e caravelas asseguram o mundo dos negócios e das transações. O comércio de importação e exportação entre o Minho e a Galiza ganha grande fôlego com as trocas entre as várias zonas marítimas, sobretudo entre Baiona e Caminha. O pescado, os têxteis e a madeira da Galiza permutam-se pelo sal, vinhos e frutos secos de Portugal. Em 1456, os procuradores de Valença, Caminha e Vila Nova (Cerveira) apresentam um pedido conjunto, nas Cortes, para a constituição de alfândegas nas respetivas zonas ribeirinhas. Em 22 de abril de 1484, a Alfândega do Porto seguirá os ditames do novo Foral de Alfândegas de Lisboa, capital do comércio marítimo português.

- Século XVI

Em 1503, é criada, na cidade de Lisboa, a “Casa da Índia”, cujo objetivo era controlar o desembarque e venda de especiarias e mercadorias, bem como a navegação e o comércio externo, (que dura até 17 de setembro de 1833). É, no período do desenvolvimento do comércio com as Índias, que surge a figura do “despachante oficial”, ou seja, o homem responsável pelas mercadorias e pelos seus intervenientes, junto das autoridades alfandegárias. Caminha, terra de pescadores e barqueiros, torna-se mais próxima de Cerveira, graças um caminho empedrado, pelo ano de 1512. Alvitra-se, portanto, que o início da formação da sua alfândega surja a partir desta época.

Entre os anos de 1534 e 1540 surgem as primeiras alfândegas no Brasil, juntamente com as capitanias hereditárias. Os vários “Regimentos e Alvarás”, revelam variadas formas legislativas e cartas régias, durante os anos de 1521 e 1564. No ano de 1539, aparece o primeiro pedido expresso a D. João III, pelo corregedor de Valença, para a constituição definitiva de duas alfândegas: uma, em Valença; outra, a duas léguas de Vila Nova, ou seja, em Caminha. Também, no ano de 1544, os frades do Forte da Ínsua, em Caminha, ressurgem como “vigilantes” da entrada e saída de mercadorias, relatando que “entrou uma nau carregada de panos”. Por vezes, as caravelas estacionavam na foz do rio Minho, fazendo o transbordo para outras naus ou embarcações. Por vezes, a navegabilidade do rio Minho constituía um grave problema para o percurso das embarcações.

Todavia, no ano de 1559, a ocupação de Portugal pelas forças filipinas, originou uma grande quebra na fonte de receitas sobre as transações de mercadorias com a Espanha. Presume-se que os cerca de “60 postos aduaneiros” diminuíram as suas receitas, por causa desta política comercial, que gerou grande contestação e revolta. O impacto e falhanço desta política alfandegária implicou a introdução do famoso “Papel Selado”, como “fonte de receita” pública. Inicialmente detestada pela burguesia, mais tarde, assumida pelo povo, porque qualquer documento implicava o seu uso.

- Século XVII

Em 16 de maio de 1656, o "Conselho de Fazenda" ordena o alargamento da Alfândega do Porto, devido ao reduzido espaço para as suas mercadorias e transações. Durante este tempo de obras, os serviços alfandegários funcionaram nas dependências da Casa da Moeda. Juntamente com estas obras, a nível legislativo, reaparece o Regimento das Alfândegas dos “Portos Secos, Molhados e Vedados”, com data de 1668.

Nestes tempos circulam relatos sobre o assoreamento do rio Minho, dificultando a sua navegabilidade. Apesar destes percalços fluviais, os registos das atividades alfandegárias de Vila Nova são intensos.

- Século XVIII

Em 1 de Janeiro de 1769, institui-se o “livro oficial” da Alfândega de Vila Nova de Cerveira para o devido registo de “ordens, provimentos e provisões”.

«Os registos de provimento e ordens, autos de suspensão, termos de depósito dos direitos reais, registos de cartas e termos de avaliações» constituem as diversas tarefas que incubem a este serviço de fronteiras. Este “livro oficial”, encadernado em pergaminho, tem o seu «termo de abertura feito pelo Administrador-Geral da Alfândega de Lisboa e Feitor-Mor» do Reino, «para a escrituração das guias de finanças». No entanto, desde o ano de 1756, existe a “receita dos donativos 4%”, conforme o “Livro n.º 1, dos anos de 1756 a1759” (Arquivo da Torre do Tombo).

Aliás, a Praça de Lisboa estabelece um donativo de 4% sobre as taxas e impostos cobrados, segundo o Decreto de 29 de março de 1756. Acresce-se, ainda, as várias instruções para os “recebedores e escrivães”, conforme a Junta de Comércio, e, segundo os decretos reais de 14 de abril e de 2 de junho de 1756.

Portanto, é, em pleno século XVIII, que Vila Nova de Cerveira se confirma como “Porto Seco”, entre os seus concorrentes de Caminha e Valença, sem esquecer Tui. É relevante que durante 103 anos, ou seja, desde 1756 a 1859, religiosamente, as receitas dos donativos de 4% sejam registadas pela Junta da Alfândega de Vila Nova de Cerveira.

- Século XIX

Entre os anos de 1800 e 1830 dá-se o grande colapso do comércio externo português. Calcula-se, que a fonte de receitas da Coroa seja da ordem de 60% a 80%, que vinha totalmente do tráfego comercial, durante o Império. Em 7 de Setembro de 1822, perdeu-se o principal parceiro comercial – o Brasil (com a sua independência); e, com ele desapareceu 50% do comércio externo português. A taxa generalizada de 15% sobre todas as Alfândegas do Reino, imposta por D. Pedro IV, foi um certo fracasso.

A aplicação do termo «Porto Seco de Vila Nova de Cerveira» (segundo o Arquivo da Torre do Tombo) não condiz com a noção real do seu «porto fluvial e ribeirinho», ancorado na margem esquerda do rio Minho, cujo castelo lhe beija os pés. De forma genérica, a noção de “porto seco” aplica-se a locais distantes das margens de rios, lagoas, mar ou lagos. Como “Porto Seco” de Vila Nova de Cerveira, recaem sobre si, os “reais impostos” em que estão envolvidos o tesoureiro, o escrivão, o despachante, o fiador, o representante e a respetiva mercadoria ou produto, (cujo tempo não deve ultrapassar quatro meses), e, que expressa o «depósito dos direitos reais, registo de cartas e termos de avaliações» Aliás, em épocas anteriores, o Regimento das Alfândegas, segundo o decreto de 10 de Setembro de 1668, menciona três categorias: os «Portos Secos, Molhados e Vedados»

Em 1837 entra em vigor o Código das Alfândegas com as suas taxas e tarifas alfandegárias, que são aplicadas aos diversos produtos. A pauta aduaneira adapta-se às várias mercadorias, das quais se destaca o tabaco.

Em 25 de Setembro de 1859, por obra do arquiteto francês Jean François Colson, inicia-se a construção da nova alfândega do Porto. Inaugurada em 1869, o sumptuoso edifício, implantado na antiga praia de Miragaia, implicou 10 anos de construção. Em 1888, fica ligada por caminho de ferro – Ramal da Alfândega. Com um enorme cais, a sua plataforma de mercadorias procura responder ao tráfego fluvial e marítimo desta cidade, até ao desenvolvimento do porto de Leixões. A emblemática e moderna Alfândega, na zona ribeirinha do Porto, embora sem grande uso alfandegário, dará utilidade a novas funções culturais.

Em 13 de julho de 1884, inicia-se a construção do porto de Leixões, considerada a maior obra de engenharia deste século, em Portugal. Situado na foz do rio Leça, em Matosinhos, a sua inauguração acontece em 1892, tornando-se num moderno porto comercial, com a sua respetiva alfândega.

 Século XX

As alfandegas ribeirinhas do rio Minho atingem a sua decadência por volta de 1920. Os novos serviços das finanças ocupam o seu lugar na receção de impostos.

Nos anos de 1990, e, dado o desenvolvimento do Porto de Leixões, a "Alfândega do Porto", na sua zona ribeirinha, por obra do arquiteto Eduardo Souto Moura, foi restaurado e requalificado para se afirmar como Centro de Congressos. Apresenta-se, também, como Museu de Transporte e Comunicações, sociedade privada, criada em fevereiro de 1992. As obras de restauro foram concluías em 1993.

A alfândega de Vila Nova de Cerveira foi uma "fonte de receitas", durante vários séculos, nesta zona raiana, cujo castelo alberga as mais diversas peripécias da sua história e memória, até ser relançada para a Rua dos Pescadores, junto ao seu cais.

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