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quinta-feira, 4 de junho de 2020

EUROPOLITIQUE: Pindérica e Garrida estava a Rapariga


“Pindérica e garrida” estava a rapariga - cogitava para consigo mesmo, o “Remexido”. Recentemente tinha chegada de terras algarvias, a sua vizinha de brincadeiras jovens de outros tempos. Vislumbrava-se nela a aparência de que se tinha misturado com “novos ares” de turistas que começavam a deambular os areais quentes daquela província do Sul. Pela forma de vestir, e, pelos ares da sua graça, deixara-se contaminar pelas modas do turismo que começava a bafejar os barrocais e as praias do Algarve. Os novos tempos e os novos costumes estrangeiros começavam a modificar o tom cinzento e pardacento que ainda marcavam aqueles tristes anos de isolamento com o mundo exterior. As roupas coloridas da sua amiga destoavam do tom desbotado e pardo, que as viúvas erguiam com mãos de angústia e lamento.


“Pindérica e garrida” estava a rapariga – martelava esta ideia na cabeça de “Remexido” que pressentia que alguma coisa remexia na sua recordação e memória de outrora. Se não era a velha amizade que estava em causa, nem qualquer mágoa que nele despertasse; era, porventura, um novo olhar que o interrogava, que o questionava com uma impaciência e dureza, que o desconsertava na sua juvenil timidez.


“Pindérica e garrida” estava a rapariga – ecoava, novamente, na cabeça de Remexido. Aliás, era um olhar que o lançava contra o espelho numa nova perspetiva, contra uma imagem que escondia outra na sua aparência. Uma imagem dupla de indigência e atraso que se ocultava na sua pertinência e desenvoltura. Uma nudez de algo latente que se queria devolver e tornar presente. Era um vazio de um futuro que se não conseguia capturar, nem se tinha a capacidade de intuir ou observar. Genericamente, perpassavam anos de transição, de isolamento e de fechamento em relação ao mundo exterior. Mas, na sua cândida inocência não se vislumbrava nenhuma chamada de sentido, ou, de orientação, que o tom das suas palavras despertava e apregoava.


"Pindérica e garrida" estava a rapariga, naquele dia. A crítica esmorecia face à recusa e falta de sentido na sua juvenil compreensão. “Remexido” remexia-se confuso e confundido naquilo que lhe era dito em soletrado. Qualquer sortilégio não lhe desvendava aquele obscuro mistério, vindo de uma província do Sul. Nem por sombras se entendia a negra cor que circundava pelo ar neste pequeno retângulo, que mantinha as pessoas taciturnas, e, conformadas na sua plácida e normal natureza. Os sinais de alerta tornavam-se escassos e longínquos para qualquer juvenil interpretação. A pacatez instalada não permitia confrontar os novos ventos, que longinquamente acenavam com novas formas de mudança. E, nesta incompreensão parece que as próprias sombras do obscurantismo se escondiam nos seus novelos que não se conseguiam decifrar. Presos à tradição, conservavam os seus atávicos regulamentos que lhe davam algum conforto e alento. Era um simples olhar que entrava dentro de si mesmo, e vendo-se despido e nu, se nutria limitado e pobre, mas procurando erguer alguma nobreza.


Não, não, ela não estava nada “pindérica, nem garrida”, a rapariga. Ela tinha outro olhar que fazia pensar. Inocentemente naquela idade, nada havia a mudar. Nem as forças juvenis chegavam para qualquer outro combate. Era simplesmente o gesto de comunicar que além das serranias existia um mar, uma terra para sonhar. Eu, na minha concha, na minha prisão celular, não entendia o chamamento do seu olhar. Não via, nem vislumbrava o seu despertar para acordar, e, ver um novo raiar. Não conseguia deixar-me embalar numa nova aurora. Não fugia porta fora, nem queria voar.


 Eu estava parado e marcado, hirto e tiritante no meu caminhar, e “pindérica e garrida” estava aquela rapariga.


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