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domingo, 26 de abril de 2020

europolitique: Esboço sobre a História da Quinta do Outeiral - VNC.

    ENSAIO HISTÓRICO SOBRE A QUINTA DO OUTEIRAL


1 – O “COUTO DE MANGOEIRO”


Os contornos históricos desta propriedade, aliás, como da constituição da própria freguesia, advêm das demarcações do seu espaço e território, objeto de disputas entre terras da Galiza e o Condado de Portugal. Antes da criação da fronteira política do século XII, com o nascimento de Portugal, até ao século XIV, o Couto de Mangoeiro, ou seja, a atual Quinta do Outeiral, que mais tarde vai dar origem a Gondarém, pagava os seus “impostos ou taxas” ao mosteiro de Santa Maria de Oia. O exercício do poder e o sentido de propriedade era objeto de disputa entre o poder régio e o poder eclesiástico, por vezes, sob tutela do bispado de Tui. Ao longo da história, o poder civil, após o reinado de D. Dinis, começa a emancipar-se da tutela religiosa, apesar de grandes dificuldades e confrontos. No início do Condado Portucalense, esta união salutar com a Igreja tinha vários objetivos políticos.



Os coutos eram áreas privilegiadas, “consentidas” pelo rei, a mosteiros ou igrejas. Na esteira e independência da esfera civil, no reinado de D. Dinis (1279-1325), aplica-se uma taxa de 75 libras à Igreja de S. Pedro de Mangoeiro, que atinge os 70 mil reis, em 1546, com exclusão do seu "couto". A terra dos Cerveiras, originários de Coimbra, que se tornou “Vila Nova” por Carta Foral de Dinis, no ano de 1321, demonstra ter alguma pretensão ao senhorio do Couto de Mangoeiro, mas esta propriedade continua dependente do Mosteiro de Oia.

As terras, cuja administração era entregue aos clérigos, com a cancela de couto, advêm da iniciativa de D. Teresa e D. Henrique, desde o ano de 1097, senhores dos condados de Límia e Toronho, com o lema: «pela salvação da minha alma e pela redenção dos meus pecados». O primeiro rei de Portugal continuou esta tarefa de registo de terras, ou, forais. Os amores de D. Afonso Henrique com Châmoa Gomes do Condado de Toronho e a sua ligação ao Mosteiro de Oia, onde perdeu dois barcos, permitem afirmar que a “segunda carta de couto” possa ser referenciada a esta propriedade, já que a primeira foi concedida à diocese de Braga. O seu romance terminou aos 39 anos de idade, mas as querelas sobre estas terras duraram até ao reinado de Afonso IV. 

Atualmente, a freguesia de Gondarém tem um lugar, chamado de Couto, precisamente, ao lado da dita Quinta do Outeiral. Sem menção de infanções ou conde, é possível que este lugar, onde existia uma antiga construção, cujos muros são de grossas paredes, permanecesse isenta de qualquer imposição régia. Os caminhos de Santiago desenvolvem-se um século após o luzeiro de 813, ou seja, o gelo das Cruzadas despertou  as rotas do fervor ao Apóstolo. Alvitra-se que a dita Quinta do Outeiral detenha uma função de "albergaria" ou "pousada de peregrinos", com os seus privilégios inerentes, ou, seja terreno reservado a um couto, já que Vilar de Mouros o detinha antes de D. Afonso Henriques. Por outro lado, a dádiva do testamento de Álvaro Domingues, abade da paróquia de Mangoeiro, autorizada por Afonso V, em 21 de Fevereiro de 1474, destina-se à renovação do hospital de Vila Nova de Cerveira, no valor de 12.000 libras. (Cf. José Marques, “Assistência aos peregrinos...” pg.21)

Na Idade Média era normal os senhores leigos, ou,  as autoridades eclesiásticas nomearem os seus vassalos, caseiros ou camponeses; aliás, tradição que esta quinta conservou até ao século XX. Todavia, é, no século X, com a introdução do moinho e novos cereais, que se dá o desenvolvimento das quintas, e, o aumento das populações. As alfaias agrícolas, juntamente com o celeiro, o forno, a adega, o estábulo, em que pontificava o paço e a capela, tinham ao seu redor, os casais, que cultivavam as quintas. Um contingente de servos ou pessoas  desbravam a terra sob olhar atento de um senhor, abade, ou, homem-bom. No ano de 1320 surge o arcediago de Vila Nova de Cerveira.

No início do ano de 1318, D. Dinis, com os seus 39 anos, ruma em peregrinação a Santiago de Compostela, em cuja passagem se situava a albergaria. (Nos anos de 1315-1317, as mudanças climáticas “para o frio” originaram grande fome). Ora, fazia parte da intenção do seu médico Mestre Pedro construir uma capela em honra de Santa Ana para seu eterno repouso; aliás, padroeira desta propriedade. (Em 1 de Março de 1320 surge um grande conflito sobre a extensão das paróquia entre Lisboa e a Ordem de Santiago). Após a sua morte constitui-se o Morgado de Mestre Pedro, que mais tarde fica sob administração de D. Afonso Nogueira, por volta de 1453, formando-se uma colegiada. Alvitra-se que alguns destes bens ou propriedades projetaram estas famílias, ou seja, os viscondes de Vila Nova, cujo primeiro título surge a 4 de Março de 1476. Os bens deste padroado incluíam propriedades, rendas, foros, privilégios, bulas e alvarás dos morgados, segundo a sua relação. Esta extensão de bens, quer por herança, quer por testamento, acumula-se nos viscondes de Cerveira, aos quais se alia, também, a apropriação dos rendimentos pertencentes ao Mosteiro de Oía, no qual estava incluído o “Couto de Mangoeiro”.


Se, por um lado, já em 1296, se referencia que Mestre Pedro fundava na colegiada de São Lourenço uma capela dedicada a Santa Ana; por outro lado, na história administrativa, relata-se que “o morgado de Santa Ana ou de São Lourenço foi instituído por Mestre Pedro Nogueira. Entrou na casa dos Viscondes de Vila Nova de Cerveira pelo casamento de D. Inês de Lima, filha do 5.º Visconde...». (Torre do Tombo, Viscondes de VNC). Ainda que se fosse criada uma colegiada, alguns bens de Mestre Pedro entram na posse dos senhores de Vila Nova, mantendo-se a tradição da dedicação a Santa Ana- orago e padroeira desta propriedade. Nos anos de 1347-1348 dá-se a “Peste Negra” dizimando um em cada três homens.

A partir do reinado D. Dinis, “os bens de Mestre Pedro”, ou, o dito “Couto de Mangoeiro”, associam-se ao senhorio da família dos Pereira. Na sua peregrinação a Santiago, na Primavera de 1385, apesar do alcaide de Vila Nova de Cerveira ser a favor de Castela, o Condestável Nuno Álvares Pereira encetou negociações com este senhor, através de “homens-bons” do Baixo Minho, obtendo a sua submissão e demais terras e castelos ao rei D. João I (1385-1433).  A crise de 1383 a 1385 marca uma lenta passagem do Couto de Mangoeiro dos senhores eclesiásticos para os senhores leigos, através da família Pereira.

Fazendo fé na inscrição de "caza dobrigação para passageiros e mendigos que nela quiser dormir", que se inscreve nas famosas albergarias dos Caminhos de Santiago, com referência ao ano de 1592, segundo Carlos A. Brochado de Almeida; no entanto, as suas ameias remetem para algum castelo desmoronado, que ao longo do tempo foi recurso para novas construções. Quis o destino, ou, a tradição oral que o seu vizinho território mantenha o nome de lugar do "couto", na toponímia da freguesia. Tal como consta, no século XIX, que D. Afonso Henriques "coutou" um povoado de origem normanda, junto a um estuário de um rio.





2 – A QUINTA DO CÓNEGO



Em 1580, São Pedro de Mangoeiro encontrava-se “partido em duas partes, a sem cura hé do arcebispo e a com cura de padroeiros leiguos” Embora, o texto não seja bem explícito, a divisão do território paroquial põe em evidência a isenção do “couto de Mangoeiro”, que alberga a “quinta do Outeiral”, e a sua igreja, já esta “parte” pertence ao cuidado dos seus padroeiros. A capela de "Santi Petri Manghoeiro" existe, pelo menos, desde o ano de 1258, zona de pastoreio e criação de gado, mas tem a concorrência de outra capela ou igreja.


A propriedade torna-se objeto de disputa entre o poder religioso e o poder civil, ou seja, entre o Mosteiro de Oia e Vila Nova. Assim, já desde 1350, o fidalgo Ruy Lopes de Cerveira aparece como «senhor do “Couto de Mangoeiro” (« hoje  chamado de Gondarém») e padrinho de S. Pedro Gundarem», (Arquivo do Tombo, 21 de Abril de 1944). Este fidalgo torna-se “padrinho” da Igreja e senhor do couto. Pai do alcaide-mor de Vila Nova, Lopo Rodrigues Cerveira, e casado com Maria Pereira (Cerveira) dá origem às ligações familiares com Fernão Pereira (1540), senhor da quinta de Bertiandos.


Entre 1444 e 1546 (segundo o censo da diocese de Braga), apesar da expansão dos casais, a quinta ainda não está sob custódia deste arcebispo. Longe estão as disputas entre as dioceses de Braga, Santiago e Toledo. Todavia, o Mosteiro de Oía, continua com as suas prerrogativas, embora, no século XIV, as suas propriedades em Portugal fossem arrebatadas por D. Dinis. Neste interregno de uso e posse da propriedade, a família Pereira, como sócio civil,  insere-se na sua titularidade. Eclesiasticamente, a margem esquerda do rio Minho permaneceu dependente de Tuy, até ao século XV, ou seja, da sua capital do Baixo Minho -"civitas tudensis".

Em pleno século XVII, o fidalgo Francisco Pereira da Siva, casado com Joana de Noronha, senhor da casa de Bertiandos, torna-se padroeiro da Igreja de São Pedro de Gondarém, segundo referência do Arquivo Distrital de Braga (01-04-1648). O padroado abrange um conjunto de privilégios, entre os quais cobrar dízimos (poder económico) e interferir na nomeação do abade (poder eclesiástico), que exerce o citado fidalgo ou deão da quinta de Bertiandos e dos Biscainhos (Braga). Ora, São Pedro de Gondarém era igreja e abadia, e, como tal tinha um “padroeiro leigo”, responsável pela sua administração. Ainda, nesta família, no século XVI, aparece o monge Francisco Pereira, pai de uma filha e senhor do Morgado de Bertiandos. Também, entre 1704 e 1715, o bispo de Faro era António Pereira da Silva, filho de Francisco Perira da Silva, senhor de Bertiandos. Em 1723, a paróquia de Gondarém continua como igreja e abadia, conforme Arq. de Braga (10-12-1738). Somente em 1802 surge uma carta de encomendação da Diocese de Braga, a favor de um serviço de quatro meses pelo pároco vizinho, Costa Pereira (Arq. Distrital de Braga, em 08-11-1802).


Os padroados são criados, sobretudo, a partir do ano de 1532, por intervenção D. João III. Apesar dos seus terrenos e rendimentos, com o seu passal, o padroado da Igreja de Gondarém associa-se a “senhores leigos” que o protegem, e estão conotados com a Quinta do Outeiral. Os senhores (donos das terras) tinham vassalos e camponeses ou servos. Na Idade Média, a instituição mais rica da Europa era a Igreja, detentora de 2/3 das terras. 

É, sobretudo, a partir de 1385, com o conflito entre a diocese de Tui e a Colegiada de Valença, que as freguesias são incorporadas na diocese de Braga, e, retificadas em 1512. Todavia, por sentença, o Padroado de São Pedro de Gondarém queda-se em favor do fidalgo Francisco Pereira da Silva, em 01.04.1648, como já foi referido. Em 1758, esta abadia está ligada, secularmente, a Damião Pereira, senhor da casa de Bertiandos, segundo "Memórias Paroquiais". Por outro lado, é, a partir do século XVII, que na comarca de Valença, começam a surgir os primeiros “registos prediais” das terras destes habitantes com o pagamento das respetivas taxas, e, se prolongam pelo século XVIII.


Portanto, desde o século XVI até 1834, que a estrutura da "arquidiocese de Braga" abrangia a "comarca de Valença" (aliás, nessa época, eram cinco comarcas), o "arcediago de Vila Nova de Cerveira" e o "Padroado/Abadia de São Pedro de Gondarém". «No século XIX, aparecem os primeiros indícios de pagamento de impostos, a nível geral da sua população. A freguesia de Gondarém, em termos administrativos, aparece na comarca de Monção em 1839 e, posteriormente, na comarca de Valença, em 1852. Por decreto de 12 de Julho de 1895, a freguesia foi anexada ao concelho de Caminha, regressando ao de Vila Nova de Cerveira, depois da sua restauração, feita por decreto de 13 de Janeiro de 1898».

Os tempos conturbados prolongam-se sobre a posse e uso da quinta, até à história de "um papagaio e duas cotovias", em cuja narrativa surge um cónego de Braga, como  dono e senhor desta propriedade, no século XIX.. Parece que, posteriormente, em pleno século XX, esta saga causará inspiração ao poeta Pedro Homem de Melo, após dois séculos: 
“por mor de aprender o vira
Fui traído...  “ 
(Mas por fim sei hoje que é mentira) - diz o poeta.
  
"Por mor de casar um sobrinha..."  
"Fui enganado..."-  saga do Cónego da Sé de Braga.                                                         
Por mor de bem casar a sobrinha, o cónego da Sé de Braga, João Crisóstomo Guerreiro de Amorim Pereira, engenhou comprar uma quinta, como dote. O cónego de Braga tinha conhecimento de que um rico “brasileiro” de São Mamede de Ferreira, Paredes de Coura, carecia de uma esposa prendada. Assim, unindo a sabedoria à astúcia, acalentou a melhor forma de constituir um “sacrossanto casamento”, prendado e ornamentado, que de mundano pouco tinha de consagrado. Movia-o, evidentemente, o comum interesse dos mortais, que nos últimos da sua vida, alguém cuida-se de si. 


Posto isto, deitou mãos à obra e inicia a reconstrução e remodelação da atual chamada “Casa do Presidente”, onde outrora se erguia um albergue que aos peregrinos do Caminho de Santiago dava guarida. Os alicerces de granito e grossas paredes apresentam uma estrutura pesada e fortificada. Para maior solidez de compromisso, uma doação em vida seria a chave de entrada de um dote anunciado.


Quis o destino que o infortúnio ou azar, caísse sobre o caridoso cónego de Braga, sendo relegado dos seus bens e propriedade, por conflitos com o feliz venturoso António Joaquim Fernandes Lima. Os motivos de tal discórdia estão longe de ser esclarecidos. Mas, a morte prematura de sua consorte ditaram este desfecho infeliz, rapidamente colmatado por outro casamento.
O retorno do Cónego da Sé de Braga, homem da Igreja e do poder eclesiástico, às suas terras não se resumiu a uma "reforma dourada", como tinha habilmente planeado, mas a um exílio penoso. Um "triste papagaio, preso na sua gaiola", ou, melhor dito, vítima da sua ambição. Sem a sua rica propriedade e seus recursos, foi amigavelmente acolhido pelas suas duas irmãs, que por caridade e compaixão, lhe deram guarida, na vizinha freguesia de Loivo. 

 A narrativa de um "papagaio e duas cotovias" desenrola-se no papel das alegres viúvas, suas irmãs, que desafiavam a actividade canora do antigo célebre orador, caído em desgraça. Entretanto, o novo senhor da quinta, António Joaquim Fernandes Lima, reconfortava-se na voz popular, esconjurando as pragas e lamúrias que o Cónego de Braga lhe sentenciava em silencioso sofrimento. Para gáudio pessoal e popular avançava com novas obras na quinta.  O paço ou a "casa do senhor" será o melhor dote que sua filha devia ter, como homenagem da capela e da sua padroeira - D. Ana.



3 – A QUINTA DO LIMA 

 

O casamento de António Joaquim Fernandes Lima, por azar ou destino, durou pouco tempo, já que a sua consorte faleceu. Entretanto, já D. Rosa Joaquina Pereira Lima, de seu nome de casamento, tinha dado à luz Ana Maria Fernandes de Lima.       A futura herdeira daquela que se chama, presentemente, a “quinta do Outeiral”, era neta dos primeiros donos, cuja avó tinha, também, o mesmo prenome - Ana. Mas, a tradição oral ainda se recorda da "quinta do Lima", em pleno século XX, e, de quem carinhosamente tratava por "Aninhas".

 

 

Para calar as dores da sua angústia e sofrimento, o abastado brasileiro decidiu fazerobras de restauro e prolongamento das iniciadas pelo Cónego de Braga, construindo um autêntico promontório - as varandas do paço. Um novo edifício com um salão com nobres e altas arcadas enobrecem a casa do senhor ou dono do paço,  de onde se desvenda a paisagem que se espelha nas suaves águas do rio, emoldurado das suas verdes e viçosas margens, onde duas ilhas refulgem na sua serenidade. Tanto hoje como ontem, as rubras cores dos crepúsculos de Verão, anunciando os seus dias quentes, enfeitiçam aqueles que ousem penetrar na sua contemplação. Outrora, na sua balaustrada reluzia uma menina, uma jovem e inocente princesa que encantaria o novato advogado e político, oriundo da cidade dos arcebispos, cujo nome era Carlos Almeida Braga.

 

Em pleno século dezoito misturam-se proprietários com caseiros ou feitores de cujas castas e linhagens sobressaiem alguns notáveis. Assim aos vinte e três anos de idade surge nos Arquivos da Torre do Tombo (1779), João Manuel Guerreiro de Amorim Pereira, como bacharel de Coimbra, sendo depois Conselheiro e Ministro da Fazenda, desligando-se da “rica casa de lavoura”, que tinha em Gondarém. Alvitra-se que seus pais seriam João Amorim Pereira e D. Ana Maria Guerreiro. O nascimento deste filho dá-se pelo ano de 1756, ao qual também se juntaria Manuel Caetano Guerreiro de Amorim, chefe das milícias de Cerveira, além do famoso Cónego da Sé de Braga, João Crisóstomo, mas sem confirmação de tal irmandade. Aponta-se que a filiação deste agregado familiar teria três homens e duas mulheres. Por outro lado, as referências a D. João Amorim Pereira apontam para o ano de 1798. Estas datas não se coadunam com a reconstrução da dita Quinta do Outeiral que se presume que aconteça no século XVII.

 

 

A nível da tradição popular a "quinta do Cónego" passa a ser conhecida como a "quinta do Lima". Os novos senhores da família Lima investiram o suficiente para a requisição deste nome. Mas, a habilidade jurídica do antigo Cónego da Sé de Braga foi essencial no registo definitivo da propriedade, cuja data de óbito é de 5 de Outubro de 1855.

 

A antiga burguesia rural tinha, nas suas quintas, a fonte dos seus rendimentos. Nos séculos anteriores à industrialização, que acontece no século XIX, a riqueza agrícola provinha da exploração da natureza, e, também do trabalho dos seus servos. Nos tempos de António Joaquim Fernandes Lima, a atividade agrícola recaía sobre os seus proprietários, que estavam sempre presentes na quinta. Além disso, a sua posição social tinha sido reconhecida nas funções da direção da Santa Casa da Misericórdia de Vila Nova de Cerveira. Mas, por tradição laboral, desenvolviam-se duas castas ou linhagens de sucessão: os donos ou proprietários e  os caseiros ou feitores, que tratavam das quintas, que se tornavam tão importantes como os seus patrões. A quinta do Lima, essencialmente agrícola, em pleno século XX, virá a sofrer desta dualidade de exploração, por ausência dos seus senhores. A dita "quinta do Outeiral" conserva, através da sua padroeira, o seu nome de Ana, que se reflete na  família Lima.

 

 

4 – A QUINTA ALMEIDA BRAGA

 

Nos anos de 50 a 60 do século XX, a modernização da quinta dos "Almeida Braga" sofre obras de enorme beneficiação. Dois novos portões são erguidos, a casa dos caseiros é aumentada e modernizada com novas instalações em pedra, um espaço novo de jardim é desenhado e comprado. Nos seus trilhos, a quinta reluz fisicamente com a nova maquinaria de exploração agrícola. Os tratores e as modernas alfaias agrícolas regurgitam de um modernismo que se opõe ao atraso dos pequenos agricultores, com os seus carros de bois, cujo maior expoente é a exploração agrícola da ilha da Boega.


Num cenário idílico, um pavão com o seu leque florido, juntamente com dois cisnes brancos e um preto, debicam no verde e recente jardim, que ultimamente tinha sido adjudicado, para maior espaço da quinta. No lado nascente, um novo portão de alvo granito, construído por mãos do mestre em cantaria José Abreu, surgia como fechamento e aterro do antigo “caminho número um” da rua da Igreja, que ligava a EN 13 à paróquia, construído em calçada portuguesa, por volta dos anos trinta do século XX. Deste modo, quatro portões, como outros quatro pontos cardeais, fechavam o espaço da quinta, e no seu lado poente, um destes funcionava como entrada, na sequência dos Caminhos de Santiago. Em frente, à casa do Paço emergia um espaçoso jardim francês, com a sua típica piscina dos anos 30, em que floriam vistosas camélias de aroma primaveril. Na janela, frente ao jardim, o dr. Luís de Almeida Braga advogado e político, deliciava-se com o panorama da paisagem.

 

O jardim é uma extensão da casa pela natureza, inserindo-se como elemento natural de decoração na arquitetura da construção da quinta, através das suas escadarias e arcadas, que se enfeitam com as cores e as flores, seja dos cedros e ciprestes, seja das japoneiras e roseiras. Os pequenos lagos ou pias graníticas encaixam-se na geometria dos jardins de formas redondas ou retangulares devolvendo a frescura natural ao seu espaço decorativo.



Ao Portugal “cinzento e triste ”, refulgia nas suas vestes brancas da nova burguesia canarinha, a quinta do “glamour” luso-brasileiro, que “alegremente” se deleitava nos seus verdes jardins e graníticas escadarias. Ao seu brilho e festividades não faltaram “presidentes” das terras do Brasil, e, várias figuras distintas.

A quinta dos “Almeida Braga”, símbolo de riqueza e ostentação, resulta do casamento de Carlos de Almeida Braga (1858-1918)  e Ana Fernandes Lima, sua legítima proprietária. A quinta, separada fisicamente pelo antigo Caminho de Santiago, encontra-se dividida na parte nobre e na parte agrícola. Deste modo, três edifícios compõem o seu conjunto: o solar do paço do senhor ou proprietário com as suas varandas panorâmicas, a casa do vassalo ou feitor com a sua adega e moinho, e, finalmente, do outro lado da via, a casa do caseiro ou agricultor com a pocilga e vacaria, e, demais alfaias agrícolas.

A ilustre família dos “Almeida Braga” enalteceu esta localidade, não só, economicamente (quer em Portugal, quer no Brasil), mas também, de uma forma intelectual. A sua estirpe e grandeza intelectual camuflavam-se neste recôndito reduto, para desferir os seus ataques intelectuais ao regime vigente.

A riqueza económica despontará, sobretudo, em terras brasileiras através do seu expoente máximo, o famoso “Braguinha” – António Carlos de Almeida Braga, banqueiro, nascido em São Paulo, em 02 de Julho de 1926, filho de Lucon Quirino Pereira Bueno e de António de Lima de Almeida Braga, irmão do famoso “advogado de Braga”. 

Luís Carlos de Almeida Braga é o expoente máximo da família, a nível intelectual, sendo um insigne advogado, escritor, jornalista e político, com várias obras publicadas; das quais, não carecem análises, teses e dissertações. Mais conhecido por Luís Almeida Braga, nasceu a 20 de Novembro de 1886, na freguesia de São João do Souto, em Braga, e, faleceu em 2 de Março de 1970, em Lisboa.


Após os anos 70, a quinta dos “Almeida Braga” perde o seu fulgor que brilhou, durante um século, no Baixo Minho ou no Noroeste Peninsular, já que o Brasil se tornou na sua continuidade, apesar do seu reduto em Sintra, pelo ano de 1977.

P.S. Obras de Luís de Alameida Braga

·        A Questão Ibérica - A lição dos Factos, 1916
·        O Culto da Tradição, 1916.
·        Mar Tenebroso, 1918.
·        O significado nacional da obra de Camilo, 1923.
·        Paixão e Graça da Terra, 1932.
·        Sob o Pendão Real, 1942.
·        Posição de António Sardinha, 1943.
·        A Revolta da Inteligência, 1944.
·        Nuvens sobre o Deserto, 1954.
·        Espada ao Sol, 1969.

N.B. Polémica com Camilo Castelo Branco - " O Primeiro Acto" de João Joaquim de Ameida Braga, 1865. (Citação. - "Mistérios de Lisboa"-  de C.C.B.)
Ilustres Bracarenses: Carlos Almeida Braga - O Julgado de Guerra (pág.154)
                                  João Joaquim de Almeida Braga - O Bondoso Prosador (pág.127)

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