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sexta-feira, 16 de março de 2018

EUROPOLITIQUE: (1) Hermenêutica do Refrão do Fado de "Vim morrer a Gondarém" de Pedro Homem de Melo - 1


Vim morrer a Gondarém
Pátria de contrabandistas.
A farda dos bandoleiros
Não consinto que ma vistas
.


Fisicamente exaurido, o poeta jaz em “campa rasa”, em Afife, cuja estátua local é do famoso escultor José Rodrigues. Poeticamente, pretende “morrer em Gondarém”, ao ritmo dos seus diritambos e ao passo da dança das suas bacantes. 
A “Gota” de Gondarém, cujo nome deriva de Gunderedo, porventura, aquele “Homem do Norte” que semeou o terror sobre a cidade de Compostela, ironicamente, pelo seu nome e pela sua genealogia, torna-se o destino da "porta do poeta".
Se é “pátria, lugar ou matriz” refúgio de contrabandistas, ou, “estadia de piratas ou destemidos guerreiros” dos “Homens do Norte”, perpassa inconscientemente que o poeta parece incrustar-se nessa sorte. 
Incrustar-se significa adquirir uma certa identidade; identificar-se com uma certa causa.
A transgressão e identificação com o contrabandista assume-se como luta pela sobrevivência, que não se alimenta da traição da “farda de bandoleiro”. O fardo do contrabandista é o peso da mercadoria, da troca de produtos  e bens que exprimem a luta pelo pão. Uma luta destemida pela existência, que implica ousadia, “desafio da lei”, transgressão, em que o medo se transforma em coragem.
Esta coragem, esta ousadia transgressora  implicava a própria morte a que estava condenado o contrabandista., mesmo assumida no seu derradeiro momento.

“Vim morrer a Gondarém

Vim a correr a Gondarém, (e, tantas vezes viestes!... - poeta), que os incautos diritambos e suas bacantes tinham de deixar os seus labores, para atender os teus clamores que do “Monte da Virgem” seguiam e erguiam nos teus programas, na tua locução, na “ programação de certos senhores”.
Gente simples e humilde dava-te cor, veludo na voz e no cinzento écran da TV, porque as cores esbatiam na seiva dos seus actores.
E, tu,  com a tua voz colorida e sonora deambulavas nos espaços da música e nos passos da dança, enquanto te embebias e te despertavas pelas  emoções, pelos sentimentos. Fluía o entusiasmo por uma vivência em palco que, infelizmente as “cores” esmoreciam perante o cinzento do “preto e branco” que écran sustinha.
Prolongava-se a emoção, soltava-se o sentimento, (como lamento), que encontrava na tua voz o seu canto sonoro e clamoroso.
Eram impressões sugestivas, eram sensações emocionais que se construíam através dos teus versos e do teu fado, mergulhado no destino de “vim morrer a Gondarém”.
Perguntar-se-á: «mas que desejo tétrico se mesclava na tua vontade»?
Alguém responde: «não sei se podes, ò poeta, “morrer em Gondarém”, nem sei se esta é a tua morada de destino».
Mas, tu dizes “a Gondarém”, como um sujeito ou desejo em movimento, como se o movimento não acompanhasse a tua morte. Simbolicamente é a signa do teu destino, em que misturas o desafio e a revolta como porta de um lugar, como imagem de marca registada.
Será o teu registo poético em que uma morada se ergue como símbolo que pretendes evocar?
Será que reclamas uma bandeira, uma “pátria transgressora”, a cujo destino e percurso te ousas agarrar?
Ou, será o último passo da dança em que se esgota o enlevo da música e do teu cantar?
“Cantam os poetas”, mas tu não queres estar só, queres os contrabandistas!...
- Marco, fronteira, limite de um espaço poético que somente aí, encontra os seus homens, revela o seu fim, e, exprime a tua finalidade como expressão de um esgotamento, através da música e da dança.
“Vim morrer a Gondarém
 Pátria de contrabandistas».
A diva – Amália Rodrigues - canta e apregoa a tua angústia no fado, no destino simbólico da tua morte. Mas não é nenhuma fatalidade, não é vida nem morte, é um simples murmúrio de búzio cantante. É um suspiro agonizante que se ergue como em voz de tormento, que expressa a tua condenação na condição de poeta.
Encarnas uma condenação para te libertares na altivez da transgressão.
A diva ergue a tua voz, sacraliza o teu desejo, prolonga o teu gemido, o teu verso; porque da palavra brota a seiva da tua angustiada sofreguidão.
A diva anuncia o teu local, a tua toca, o teu refúgio. Quase não é um lugar físico, mas a origem ou a proveniência de uma terra, daqueles que pertencem à transgressão de serem contrabandistas.
Não é um covil, nem um bando, é um grupo destemido e socialmente desviante, que na sua deserção, quase tem por desafio, reacender a expressão da uma luta pelo seu pão.
 A farda dos bandoleiros
Não consinto que ma vistas».
Não queres ser um poeta fingidor, que ousem vestir-te em certa vestimenta. A tua ousadia de “intacto e nu”, a tua nudez de poeta não aceita fardas. Queres ser genuíno, autêntico
Não estás nos “salteadores de estrada” de Camilo Castelo Branco, nem nas figuras de “mentiroso”, “trapaceiro”, ou, qualquer “errante sem paradeiro”. Queres ser puro, digno de ti mesmo, com a força daqueles que lutam pela existência.
Desdenhas ser “bandido” ou “ladrão”; “volúvel” ou “instável”, porque ancorado numa “pátria” reivindicas a tua luta, a tua transgressão.
Se há um comportamento desviante, este está longe da “farda de bandoleiro”.
  - Poeta é aquele que rasga as suas vestes,
     que revela o seu sentido,
     e, que sabe dizer não.

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