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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

EUROPOLITIQUE: Por uma hermenêutica da heteronímia em Fernando Pessoa

 

 

Regina Olsen está para Sóren Kierkeggard (filósofo dinamarquês), como Ofélia está para Pessoa (poeta português).

Ambos deixaram os seus amores para se dedicaram “de corpo e alma” à produção das suas obras: um, na filosofia, outro, na poesia, ainda que a literatura faça parte dos dois. Mas, ambos são prisioneiros desta catarse operada pelo filtro da heteronímia.

F. Pessoa constrói o seu primeiro heterónimo, quando ele tinha um ano. Não satisfeito com esta precocidade, logo surge outro heterónimo com a idade dos seus três anos. (O processo comunicativo de F. Pessoa parece que procura fugir ao "Conceito de Angústia", que tanto caracteriza Kierkegaard, e que foi publicado, precisamente,  no mesmo ano, em que se inventou o telégrafo). Um indagando o "conceito", e fugindo à selva brasileira; o, outro "encharcando-se" e mergulhando na via poética.

Portanto, antes dos seus três anos de idade, e, antes da manifestação do complexo de Édipo estabelece-se o processo criativo do Poeta. Poder-se-ia dizer que num retorno à sua infância estatuem-se três figuras da sua personalidade que intensamente dialogam entre si, neste processo inicial.

O primeiro é Alberto Caeiro, simples, sereno e  ligado à natureza através da manifestação opulenta da força do inconsciente; o outro, é Álvaro de Campos, engenheiro de profissão, simboliza a razão, a civilização e o progresso, onde a matemática e a contenção que o próprio F. Pessoa, tanto, desdenhava, mas que “durou mais tempo que o próprio” (pg.32)

Eu nunca guardei rebanhos,

Mas é como se os guardasse.

Minha alma é como um pastor,

Conhece o vento e o sol

E anda pela mão das Estacões

A seguir e a olhar.

Toda a paz da Natureza sem gente

Vem sentar-se a meu lado.

Esta trilogia que nasce e se afirma até aos três anos de idade do poeta  é, talvez,  um esboço, procurado através da infância: o nascimento do “eu”, do inconsciente e do superego, ou seja, as três estruturas defendidas pela psicanálise. Mas, o facto de F. Pessoa ter perdido o pai com a idade de 5 anos não parece reunir, sumariamente, as condições necessárias à rejeição do processo analítico do chamado “complexo de Édipo”, tão típico da psicanálise. Parece que o processo de identificação com a figura paternal foi operado, na sua identificação com na masculinidade, e, foi realizado, pelo menos, dentro da sua temporalidade, quer dizer, dentro do seu tempo normal de desenvolvimento.

No entanto, a fixação da data de 1889, como ano do nascimento de Alberto Caeiro, um dos seus primeiros pseudónimos, quando ele tinha somente um ano de idade, remete para um desejo de retorno ou regresso à infância. Aliás, desde a infância ressurgia dentro de si a construção de personagens, segundo afirma o Poeta. Mas, este possível retorno à infância redobra-se com o nascimento de um segundo pseudónimo: Álvaro de Campos.

Ora, este segundo pseudónimo acontece em 15 de outubro de 1891, quando Pessoa atinge os três anos de idade. (Sintomática inscrustação edipiana!...) Embora se situe a nível de uma vinculação do desejo na sua heteronomia, ele incrusta-se numa fase crítica do desenvolvimento da sua personalidade.

Ora, entre os 3 e 5 anos de idade do Poeta, situa-se, normalmente, o seu processo de identificação, formação e assimilação do papel e da figura do masculino ou do feminino. Dado que F. Pessoa nasceu, em 13 de junho de 1888, e, em 13 de julho 1893, faleceu o seu pai, o processo de masculinidade estaria resolvido, ou, completo. Mas, ao remeter para a sua fase de infância dois destes pseudónimos, na sua  idade mais crítica de  desenvolvimento infantil, será plausível aceitar o desdém,que ele sente pela “sexualidade, própria ou alheia”?

«Poucos especialistas seriam capazes de sintetizar tão bem a originalidade da contribuição freudiana à psicologia, e, por extensão, à crítica literária: a descoberta do inconsciente (que Pessoa chama de “subconsciente”), a importância da sexualidade em todas as manifestações humanas e, o que mais interessa a nós, críticos literários, a explicitação dos fenômenos de “translação”, isto é, de metaforização. Sobre a existência do inconsciente, o poeta diz que já tinha chegado, pessoalmente, àquela conclusão. Sobre o segundo tópico, diz que tinha feito “menos observações, dado o pouco que sempre me interessou a sexualidade, própria ou alheia”» (Cf. João Gaspar Simões).

Embora, a crítica à psicanalise seja legítima, como processo totalitário de explicação de todos os sintomas, a teoria da libido, como "energia perversa e polimórfica", é extremamente rica, interessante e estruturante no processo criativo. Esta polarização e plasticidade da libido envolve-se na sua heteronímia, não de forma estrutural, mas, assumidamente, de forma inconsciente que o próprio Poeta procura negar. "Ninguém é observador e observado ao mesmo tempo", por isso, a denegação está implícita ao próprio processo psicanalítico, e, também ao processo criativo. 

Se, Adolfo Casais Monteiro critica este “freudismo” de J. Gaspar Simões, é através de um processo de recalcamento quer do inconsciente, quer da energia da libido que nasce toda a energia para o processo criativo. Deste modo, a natureza nasce com Alberto Caeiro, carecendo de um tampão para o comando desta força incontrolável, que é a força da libido, que surge e aparece em Álvaro de Campos.

 (Ambos, os primeiros heterónimos são  A. C., ou seja, totalmente inseridos na força da natureza)

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