“Eu sou, simplesmente, um contador de histórias”, diria, Mia
Couto.
A narração de histórias é uma atividade do escritor
moçambicano que de forma natural e implícita, ou seja, de uma forma muito
intimamente ligada a si, exprime, na terceira pessoa ou como seu intermediário, as
descrições de um tecido rural e social, em que habilmente se move, através da incarnação narrativa nos seus processos culturais.
O animalismo, a magia do feitiço e suas senhas de
incorporação expressam-se através de um canal de transmissão, que se torna meio
e mensagem em crenças, sortilégios, ou, processos de identificação dos seus encantos
naturais, reforçando o seu conteúdo narrativo.
As suas narrativas culturais encontram a sua força em “seres
sobrenaturais ou animalistas” que têm mais poder e conhecimento que os simples
mortais. É, através desta "memória externa", ou seja, das suas palavras e da sua escrita,
que se desvendam, anunciam ou publicitam "estados mentais primórdios", cujo
enredo se nutre de histórias e da sua identificação, numa riqueza rural e social, que se
une intimamente com a natureza.
À falta de grandes mitos ou crenças religiosas,
desenvolvem-se processos de convicções que nas suas histórias tentam induzir e envolver certos percursos
individuais ou coletivos, cuja senda visa satisfazer as diversas ansiedades
humanas.
Contrariamente ao processo de escrita de Mia Couto, mas tocado neste fervor moçambicano, que aos “macondes” bafeja na sua veia artística, reaparece a faceta de um jovem que gloriosamente se afirma como "artista".
Extremamente descomprometido com a realidade social ou política divagava através das
suas narrativas num projeto individual indefinido, cuja afirmação se soltava alegremente nesta exaltação: “eu sou um artista”.
E, assim, todo o seu ser se inclinava para uma mente de pensamento
simbólico, ainda que isento de qualquer forma de representação pictórica, e, se reduzisse simplesmente à expressão de um desenho ou tatuagem, que marcasse de forma efémera qualquer corpo. Mas, a
expressão isolada dessa demonstração incorria na ânsia e no desejo de se assumir definitivamente como "artista". A sua rebeldia abria-se como uma senda inovadora de um indefinido percurso à procura de uma forma e de um modo
de expressão. Oxalá, o seu caminho se abra como processo de identificação criativa. E, como afirma António Damásio:
«O eu rebelde depende da capacidade do cérebro de comunicar estados mentais, em especial estados de sentimento, através do gesto do corpo e das mãos, bem como da voz, sob a forma de tons musicais e de linguagem verbal». (Cf. António Damásio,”O Livro da Consciência”, pg. 355, Ed. Circulo de Leitores, Lx.2010).
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