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quarta-feira, 23 de setembro de 2020

EUROPOLITIQUE: Nas horas da revolta, o "Homem da Concertina", não fosse ele "Benigno"!...

                 
Era uma das últimas desfolhadas comunitárias que se realizava na Casa do Seixo. Mais conhecida como “Casa do Mirante”, o seu mestre de cerimónias, caseiro e lavrador, era Mestre Benigno, mais associado ao “homem da concertina”. Mais rápido nas teclas, que na contagem do grão, deliciava-se pelo alvoroço que o “milho-rei”, ou a “espiga rainha” despertava, não na apanha da maçaroca, mas em abafados abraços dos rapazes sobre o mulherio. Alegria, que os jovens faunos não desperdiçavam nesta e única oportunidade de abraçar as púdicas donzelas, que zelosos olhos paternais protegiam da sua cupidez. A tal ponto, que Camilo Castelo Branco lhes chama: as "funçanatas desfolhadas". (1)

Assim, gritava-se com toda a força: – “Olha a rainha!...vem cá, que, tu és minha». Subitamente, rebolava um repentino abraço, que selava, avidamente, este grito tão procurado.

A espiga rainha era “vermelha”, também conhecida como “milho rei”, na região das Beiras. Esta espiga de milho era mais famosa pelos seus quentes abraços, do que pela sua cor de vermelho rubi. A espiga “rainha” brilhava em candentes abraços, que nas noites de luar, se desprendiam de encontro aos seios de puras e frágeis donzelas, cuja timidez se enchia de rubro pudor. Por vezes, as senhoras também se envolviam em inquietos e inesperados amplexos, que logo desdenhavam em renovado clamor, abafando qualquer suspeita mais maliciosa.
 
A desfolhada, ou seja, a reunião de trabalho agrícola, tinha sido convocada de antemão, e, não suscitava qualquer vigilância por parte da guarda republicana, que por imposição ou denúncia, por vezes, irrompia nos bailes organizados por gente jovem e fogosa. Desconfiava-se que estas ordens surgiam a mando de um cura zeloso, que tinha abolido as festas da terra. (Bailes eram sinónimo de tentações, de inferno e pecado. E, nesta “comunhão de ideias”, o diabo devia permanecer bem longe). Mestre Benigno, o “homem da concertina”, andava escaldado com as multas da GNR, cujas taxas recaíam sobre si, e, diminuíam o seu pequeno pecúlio. Por isso, timidamente, esboçava alguns acordes na sua concertina, que eram acompanhados por uma música de "cantochão", apesar das desfolhadas terem grande tradição de animação e alegria:

“Vai-te lavar morena.
  Vai-te lavar
  Se não te chega o rio
  Vai-te lavar ao mar»

Esta clerical censura obrigava a nada de bailaricos, a nada de danças de “gota” ou do “vira”, nem, quaisquer recordações de folclore que, afortunadamente, estava reservado para os estúdios da RTP no Monte da Virgem, em Vila Nova de Gaia, onde o “homem da concertina", sob o comando de Pedro Homem de Melo, se exibia com o famoso quarteto da “Gota” de Gondarém. Neste momento, o “homem da concertina” estava mais preocupado com qualquer possível desmando de algum fauno, mal-intencionado, que estragasse a festa da desfolhada. A merenda noturna de pão, vinho e chouriço abafaria qualquer destempero ocasional. Canta, mais tarde, Zeca Afonso, no final da sua canção:

«Não olhais para o caminho
  Que a merenda já lá vem»

«Milho verde, milho verde
  Milho verde maçaroca
  À sombra do milho verde
  Namorei uma cachopa».

>A eira tinha como companhia uma capela inacabada, onde o monte de milho se acumulava aos molhos ou em feixes. S. José seria o padroeiro desta capela que uma rica viúva, cujo nome era Maria da Silva, desejava construir, nos anos de 1737. Permanece a sua porta principal, como baluarte da sua intenção, agora, rodeada com o restolho do folhelho (camisa que envolve a espiga), que, mais tarde, se vai encaixar em medas, servindo de alimento para o gado, no inverno. Nos canastros ou espigueiros recolhem-se as espigas para mais tarde serem malhadas. 

Assim, a espiga está dentro da maçaroca; e, desfolhar é tirar o folhelho, ou, a cobertura que envolve a espiga de milho. Certamente, que o “homem da concertina” desconhecia a história desta capela. Mas a camisa que o padroeiro vestia, era o símbolo do “homem da concertina”, tão doce e sereno era o seu nome, não fosse ele “Benigno”.

(1) Obs: Camilo Castelo Branco, Novelas do Minho, pg. 16, Ed. Expresso, Lisboa 2016.

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