O casamento de mano Joaquim Salavisa impunha uma indumentária condigna perante os mais variados convidados para gáudio da boda: festa garrida e multicolor, com sons de batuque e tambores.
A cerimónia matrimonial estava agenciada para uma pequena e verdejante quinta que Diogo Salomão, hábil comerciante, mandara reconstruir e verdejar, do seu antigo feitiço, após benzedura e aspersão, contra o espantalho de antigos mortos moradores que deambulavam mentalmente na imaginação popular. Mas desde que o ruído frenético dos tambores e batuques ecoava pelo seu verde capim e relvado, a quietude tornou-se apanágio daquele espaço, avidamente disputado para festas casamenteiras. O moderno “green” encantava e deslumbrava com o seu tom florido de acácias, palmeiras e coqueiros, tornando-se num bálsamo para os suaves e delicados pés das noivas ardentes pelo consumo de uma relação oficial.
Na sua simplicidade de recente negociante Diogo Salomão, exclamava:
“não tem preço, este doce chão”.
Ora no chão, na terra está o condimento da nossa condição.
Fortunato Salavisa engendrava um meio de representação condizente com o casamento de seu mano Joaquim, arrais de embarcação e senhor de certas posses. Por isso, sistematicamente sonhava com o velório e enterro daquele “homem branco”, rico benfeitor da terra, e, também muito admirado pelas suas gentes. Recordava-se, continuamente da sua pose hirta, dentro de um caixão, que causava calafrio. Mas, sobretudo rodopiava na sua mente aquele lindo fato que brilhava com esplendor e cor, em contraste com a sumida pele moribunda. Embalsamado em tão rica indumentária a seus olhos, o “homem branco” foi coberto pela terra vermelha, sem tecto nem telha; ou seja, numa simples campa rasa.
Assim, Fortunato, convidado fraterno de Joaquim Salavisa, não podia apresentar-se sem a dignidade que a cerimónia matrimonial impunha. Por isso, após hesitações e decisões, destemidamente enfrentou a rua do cemitério, escavou fundo até ao caixão, pediu graças e perdões, e, retirando a indumentária do “homem branco”, esbracejou de satisfação com o lindo fato, porque "a um morto tudo se perdoa".
A festa de casamento decorria nas suas variadas cerimónias e rituais, enquanto Fortunato se aconchegava ao seu novo fato, que tinha sido alvo de encómios e elogios, tão era bela a sua indumentária!...
Fortunato acalentava um sorriso interior de gozo e satisfação, quando as belas donzelas sorriam nos seus dentes de marfim, ousando, por sua vez, fazer frente ao orgulho da beleza angolana. Já não prestava atenção à variedade de manjares da lauta mesa de casamento, repentinamente para se concentrar nos passos seguintes que a música desenhava nas suas formas de galanteio feminino. E, sem rodeios desata aos convites às belas damas presentes, sem qualquer sucesso ou recompensa. Face a tal vexame e humilhação, humildemente, dirige-se à sua antiga amiga Dina, e desafa:
“Ninguém quer dançar comigo”
Com uma sonora gargalhada, Dina retorquiu:
“Tem macumba, tem macumba, tem...”
Fortunato Salavisa largou rapidamente o espaço da cerimónia, antes que ouvisse qualquer voz infortuna: “Olha o fato do morto”.
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